sábado, 27 de dezembro de 2008

UMA REDE, UM CAJUEIRO, UMA PAUSA NA PLANTAÇÃO

Finalizando cada ano, muitas vezes, fazemos um balanço do que passou, com o fim de nos melhorarmos para o que está por vir. Pois bem, não sou tão diferente de ninguém assim. Comunico a quem cair nas terras de Sementeiras que minha alma e meu corpo também estarão fazendo o tal balanço, o qual espero durar o tempo suficiente para meu regozijo...

Ah, redinha do meu sonho
rec rec
Ah, balanço tão esperado
rec rec
Ah, cajueiro bom!

Se minha alma não quiser voltar
Me acorde
Se mesmo assim, ela não retornar
Não desista
Faça cócegas no meu pé
Que depois que o galo cantar
Ela desperta.

_ Não canta, galo, não canta.

Que 2009 venha com paz, amor, prosperidade, saúde, alegria, fraternidade, compaixão, fé em Deus e em nós mesmos!
Que o Criador abençoe a todos!

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

NATAL FELIZ


Estava perto, quando ela te chamou humildemente, pedindo que tu entrasses, quase a puxar uma cadeira para poderes sentar. Seus cabelos brancos me convenceram. Ela sorria como se te visse e eu, sem poder enxergar-te, verti-me em lágrimas abundantes. Por pouco não perdi a voz.

Hoje minha voz quer falar-te através dos dedos, pois tenho te pressentido entre os meus. Há pouco, uma criança falou o teu nome e muitas juntas cantaram 'parabéns pra você', emendando um rá-tim-bum que alegrou a todos. Como somos felizes quando te lembramos!

Escolheste uma bela data para nascer e sei que a idéia do lugar também foi tua, pois és amigo da beleza. Amor é o teu nome e teu sobrenome é humildade. Esta que nos falta a todos. Como deve ter sido belo aquele momento! Ah, eu queria, Jesus, poder ter sido uma ovelhinha em meio aos pastores para assistir ao teu nascimento. Queria estar ali em meio às plantas, às flores, aos gravetos que José conseguiu para esquentar teu ninho. Queria ter seguido junto com Baltazar, Belchior e Gaspar em tua direção, seguindo a estrela guia. Mas, certamente, Senhor, eu teria levado as mãos vazias ou cheias de pedras...quem sabe.

Hoje, vejo-me amparada pela certeza da tua presença amiga. Pouco ou nada sei, meu Senhor. Mas, toda vez que te escuto, é como se soubesse, é como se pudesse e assim vou crendo cada vez mais. Todavia, ainda estou tentando sacudir o pó das sandálias, como recomendaste aos teus amigos, porém receio que não o faço com vigor, uma vez que ainda me pego ensaiando retornar a velhas estradas. Tu tens respostas para tudo e, mesmo para os que não te crêem, é difícil não ver que o mundo seria melhor se seguíssemos as tuas pegadas.

Obrigada, Jesus. Obrigada por tudo. Que possamos ter forças de te agradecer em ações e não somente em palavras. E que a humanidade te receba, definitivamente, no coração, coroando de paz todo o mundo. Que o teu Natal se perpetue por todo 2009!

Assim seja.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

RETRATO

Um senhor que me fala sobre o tempo...
Bengala à mão
Olhos acolhedores
Sorriso disfarçado com ares de seriedade.
Pausa para a foto
Como a parar o tempo num retrato
Com a língua mais precisa do que uma navalha
Sai cortando os versos
Distribuindo palavras
Entre uma casa e outra
Entre uma janela aberta
E outra semi-cerrada
Ou seria semi-aberta?
Cores diferentes a dividir paredes conjugadas
Casas antigas...
Falam tão bem de nós...
Do mundo...
Faltou-lhe passarinhos
Passarão
Passarinhos
Sobrou-lhe
Verdes
Nascidos ao pé da parede
Crescidos no chão antigo...

Chão da delicadeza.

Além de Quintana, este vai para todos os fotógrafos que captam imagens tão essenciais a nossa humanidade e, muitas vezes, não vêem seus nomes citados, ou por desrespeito, ou por causa do não saber dos seus "usurpadores". Este último caso é o de Sementeiras. A todos minha homenagem, o meu pedido de desculpas e a esperança que se identifiquem.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

SUPER-HERÓI DE BOTAS

Ontem o menino me mostrou um maço grande de canos de alumínio a serem mexidos e remexidos para virarem um varal. Não é suficiente o já pronto, o improvisado, o arranjado. Feliz ele se sente mesmo é em projetar, bolar, meter a mão na massa, do modo mais simples das pessoas de bem, que vêem nas próprias mãos fábricas inusitadas para suprirem necessidades pequenas ou grandes. Em vão as tentativas para demovê-lo da idéia, não há argumentos suficientes para lhe tirar este trabalho, que, desconfio, será um prazer. Quanto tenho aprendido com ele! Quanto ainda minhas mãos hesitam, vacilam...

As suas, ao contrário das minhas, desde cedo trabalharam, mas também brincaram, traquinaram. Bicicleta, cavalo, bola, latas, pedras, armadilhas, baladeira, carrinho de lata, bola de gude, desde cedo a atividade era grande. Mãos e pés ensaiavam o dinamismo constante que seria sua vida. E não parou mais. Canivete para as valentias, logo podadas pela mãe; treinos de um super-herói, que depois descobriu onde estavam as verdadeiras armas. Alguns ajustes para não perder o roteiro, o prumo, para também fortalecer o que, mais tarde, deveria estar mais forte. Assim, o colete para coluna e as botas ortopédicas lhe ajudaram a se manter firme, a pisar melhor.

Menino bom, que cedo inventou de pedir ao avião que passava: "avião, me manda um irmão!". Foi contrariado com a chegada de uma irmã, aprendendo que nem tudo vem conforme se pede. Também aprendeu a dor da despedida logo cedo, o que o fez engolir carboreto no lugar de bombons, fato incompreensível para a menina do avião que adorava uns confeitos, uns doces. Mesmo com tanta incompreensão, ele cedia aos pedidos dela e, de vez em quando, amarrava toalha no pescoço para voar melhor em busca de alguém em apuros. Era a dupla dinâmica a voar pela casa, pulando de cama, sofá, cadeira, salvando o mundo inteiro.

É, este é você. Não, você é muito mais do que isso. Teus pés caminham firmes esse tempo todo, embora o cansaço às vezes te visite. Sabes que não estás sozinho e isso é muito bom. Aos poucos tenho aprendido os valores que há tempos já compreendes. Desconfio que a menina do avião começa a aterissar. Espero caminhar ao teu lado qualquer dia desses e poder te ajudar nessa estrada. Por ora, apenas te ofereço o que posso te dar: o meu amor. Ainda te vejo com toalha nos ombros e hoje carregando consigo tantas preciosidades para meu coração.

Voa, voa alto!

Quando o varal estiver pronto, aproveita para estender a paz, a alegria e a esperança. Estaremos ao teu lado para apreciar a paisagem.

Que Deus te abençoe e te proteja sempre!


Magna Santos

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

POESIA EM LÍRIOS

Os lírios espreitavam do alto a entrada dos noivos. Suspensos no ar como muitas vezes ficam nossos sonhos: a centímetros das mãos...basta um pouco de esforço e os pegamos. Lírios espalhando belezas brancas em meio as rosas das mesas.

A felicidade surgiu no salão de mãos dadas.A renda da mãe desenhou o vestido com simplicidade, elegância e beleza, dando mais um toque de amor ao já afetuoso instante. Brotavam ainda dos cabelos, singelamente penteados, pequenas flores...e a primavera se fez ali, naquele instante, naquele espaço. Tudo, portanto, um jardim bem cuidado, como diria Quintana. As borboletas, com certeza, estavam presentes, mas não as vimos; brincavam de serem invisíveis para serem apenas sentidas. E, creio, foram, pois frequentemente o noivo as acariciavam com um lenço. Todos pensavam que estivesse chorando, mas não, eram as borboletas a lhe escorregarem dos olhos.

Um casamento, uma união proclamada por uma amiga e assistida por vários.

Dias atrás, eu ousei perguntar à noiva: e a poesia? Terá lugar para ela? Ela respondeu com uma pergunta: Poesia? Hoje percebo a bobagem que fiz, pois não se precisa falar de poesia para quem já a vive. De fato, como diz o Vates e Violas, "nem tudo o que se lê, está escrito". Mas se ousamos usar palavras...:

Sim, poesia.
É o que acontece no roçar das mãos
É o que vibra com o toque das taças
É o que cheiramos na presença das flores

Poesia é libertar-se, prendendo-se ainda mais
Compartilhar emoções
Anunciá-las
Ou apenas senti-las
Tanto faz

Poesia porque falar só...
É ponderável
É quase como criança
Mostrando a aliança
Tão amorosamente escolhida e sonhada
É estar entre os iguais
Lembrando e construindo
Sonhos benfazejos

É poder abraçar os amigos
Escutando um 'eu te amo' em meio ao barulho de aplausos
É conter o choro para deixar falar
Uma amiga
É desabar em lágrimas nas felicitações
Ou contê-las, temendo não resistir

É olhar pro alto
Vendo estrelas
No lugar de lírios

Poesia é dizer um sim
E escutar um também

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

UM MÉDICO

Um médico precisa levantar
Cedo para acordar o dia

Precisa sorrir, mesmo cansado.
Precisa brincar, mesmo exausto.
Precisa sonhar, mesmo acordado.

Um médico
Só um
Para salvar vidas
Sem ataduras
Sem anestesia
Sem honrarias

Qual remédio?
O da alma
Qual lenitivo?
O sorriso
Qual escola?
A de Deus
Qual especialidade?
A humana
Qual disciplina?
Saber, acreditar e agir

Com amor
Com bondade
Com certeza
Mesmo na dúvida

A bola de gude
Salta a correr pela rua
Do menino
Que há pouco sufocava

Quantos médicos para salvar nossas vidas
Para acordar a esperança
Para esquecerem de si mesmos
Para ficar na lembrança

Quantos obrigados lhes faltam?
Quantas recompensas esquecidas?
Quantas lágrimas escondidas
No quarto da solidão
Quantos soluços derradeiros
Amparam com suas mãos?

Benditas mãos
Preciosas!


Que possam ser cada vez mais guiadas pela humildade e pelo Amor Maior!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

13 ANOS

Sempre soube do seu nome e para o que ele vinha. Nenhuma dúvida me roçava a mente, era ele sim. Nem precisava de ultrasom para descobrir seu sexo, mas quando este confirmou...que alegria! Sua mãe riu com meu alvoroço, gritando para uma avó no sétimo andar: "é ele, mamãe!".

Como demorou a nascer esse menino! Já chegou de unhas crescidas, quase uma pista de que seriam roídas hoje, apesar do nosso apelo constante para não fazê-lo. Ô menino buliçoso, ô menino bom! Nome repetido de gente querida, acabou emocionando mais. Nome do avô para o primeiro filho, primeiro neto, primeiro sobrinho. Rocha em forma de gente. As boas-vindas foram poucas, o amor precisou de mais, por isso melhor foi providenciar as comemorações dos 'mensários', pois aniversário demora muito.

Músicas cantaroladas, palhaçadas, brincadeiras por todo o dia, constantes risadas, pulos, orações antes de dormir, estas foram suas primeiras experiências. Bons exemplos, pais vigorosos e felizes, irmã amorosa, família reunida, amigos, responsabilidade com os estudos e com todos os compromissos assumidos, sustos e peças pregadas pelo seu espírito brincalhão, orações diárias, esta é a sua rotina até então. O menino tem aprendido a lição e dado tantas outras. Antes, só os pequenos aprendiam com os mais velhos, hoje o contrário também existe com mais sinceridade. E é bom aprender a continuação da vida e conhecer um ser humano desde o início, entender o que se passa simplesmente com um olhar. Poder escutar as histórias das viagens, das descobertas que nos descobrem também cheios de possibilidades.

Um menino que navega pela internet com a mesma desenvoltura que cavalga entre cercas de arame farpado. Que surfa com a mesma naturalidade com que desce aos sorrisos, de bicicleta, a ladeira. Pára e colhe manga ou caju, como a pegar uma bola, um pião. De noite, esconde-esconde, de dia, rpg, cheia de personagens incompreensíveis para minha alma adulta. Come yakissoba entre os daqui, com o mesmo apetite com que come baião-de-dois com o nosso povo distante. Quando mata a saudade dos de lá, chega brejeiramente substituindo o "inho" por "in" e excluindo os plurais dos nomes, tudo naturalmente, pois sabe que isto faz parte da gente; não há regra de português que possa dar normas ao que se fala com o coração e por simplicidade. Desse modo também, no amanhecer ou anoitecer, não dispensa uma benção, porque aprendeu que ela é necessária à vida.

E assim vai seguindo, crescendo e aprendendo. E nós junto com ele, no caso, aprendendo e crescendo.

Para meu sobrinho e afilhado amado, meu filhinho do coração. Porque a vida tem ficado ainda mais bonita há treze anos. Parabéns!


Magna Santos

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

BREVE COMENTÁRIO

Há alguns dias meus dedos têm se dedicado a embalar e desembalar caixas. Quem já se mudou sabe o que significa acordar e não achar aquele documento, não ter a menor idéia onde escondeu (sim, escondeu) aquele livro ou outra coisa qualquer. Cheiro de papelão impregnou o meu nariz alérgico e o tadinho parece ter se acostumado...nem espirra mais, graças a Deus.

Quanta coisa acontece em poucos dias. Não sei mais quem falou, mas o tempo também passa para a escrita. Quanto eu poderia ter escrito, se tivesse tido oportunidade. Computador emprestado, coisas à procura de um lugar... Assim, fiquemos com a constatação de que a vida, às vezes, acompanha o relógio e retomemos os dias atuais para louvar o que está presente e dar as boas vindas ao que já bate à porta. Bem vinda, portanto, a mudança.

Este é apenas um breve comentário sobre o hiato que se fez em Sementeiras nesses dias. É apenas um tempo de estiagem, embora não de infertilidade. A generosidade dos comentários (sejam por email sejam postados aqui) têm irrigado o chão e deixado ótimas sementes. Que Deus abençoe, então, as mãos dos semeadores.

Obrigada a todos e até breve.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

SALA DE ESPERA

Vestido, na maioria das vezes, estampado por pequenas flores. A gola sempre arrumada, fechada em botões bem alinhados. Descem até a altura da cintura, singelamente marcada por um cinto fino, como são os seus gestos. O cinto não pode faltar, como também a bolsa que carrega o crochê, pacientemente confeccionado pelas mãos ágeis, embora sem pressa. Aprendeu que a pressa é realmente desnecessária; além de inimiga da perfeição, como todos dizem, é também do prazer.

Parece que foi ontem... Natural de Recife foi parar noutro Estado. Casou-se como convém a toda donzela da época e, além do marido, ganhou os seis filhos dele. Foi muito trabalho! Talvez por isto mesmo tenha concebido apenas um. Orgulha-se de ter deixado "todos de anel no dedo", mas restam somente dois vivos. Mais de 30 anos em outra cidade não foram capazes de apagar as lembranças de Recife. Sua cria veio aportar aqui. Após o falecimento do esposo, retornou ela também à terra natal.

O tempo realmente passa. Amigo, camarada... Seguem firmes, ela e o tempo. Postura ereta, pernas cruzadas, cabeça baixa a trabalhar no crochê. Não entra sem dar um bom dia, não senta sem dar um sorriso. Vai caprichando, ora trabalhando ora procurando algo ou alguém com o olhar. Vê o relógio...ainda não passou. Ele, o tempo, ainda está lá. Seu filho também ainda está, vivo, porém sem tanta vida como ela. Parece um menino, pensa. É um menino, sente. "Separou-se da mulher e ficou assim, depressivo, parece que o mundo parou". "Eu já tenho quase 90 anos, minha filha, não posso parar". Seu olhar, no entanto, denuncia que gostaria. Gostaria de parar. E sua voz obedece: "por mim não saía de casa...acredita que não tenho mais coragem de ir a uma missa?". Acredito. "Eu só saio para acompanhá-lo".

A vida contada em anos parece se multiplicar. As rugas não negam o quanto viveu. Cada dor, cada sorriso, noites em claro, surpresas, alegrias inusitadas, tristezas inesperadas. Tudo está desenhado na face, no corpo inteiro. As pernas ainda sustentam o interesse pela vida, mas estão cansadas. Nem tudo é como o crochê, nem tudo pode ser refeito, muito menos usando a mesma linha. Lição que talvez o filho não tenha ainda aprendido para continuar reciclando tristeza e teimando queixume. "Ele deixou de dirigir". Sim, acredito, ele, de fato, deixou de dirigir.

Olho aquele rosto simpático, bonito, aquele corpo esguio de 89 anos, os cabelos tão zelosamente penteados de um branco que ofusca os olhos apressados. Digo algo e provoco risos que me alegram demais. Penso que a vida vale a pena se não teimarmos em refazê-la como uma peça de crochê, se a fizermos com capricho, aceitando, contudo, as falhas como parte inevitável e importante do trabalho. Serão as provas do esforço e da nossa humanidade. Deus sabe de tudo isso e reconhece nossa tentativa, dando-nos sempre boas linhas para trabalharmos e inspiração para fazermos melhor. Sem dúvida, Ele ama os filhos e, certamente, ama muito as mães. Penso que preciso aprender mais com elas.

Gostaria de conversar mais, porém a hora chega, a espera acaba. É tempo de levar outra mãe em casa. Outra mãe e outra história, esta mais conhecida, cujo roteiro também ainda está sendo escrito.


Magna Santos

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

DOCE TETÉ*

Lembro do cheiro pela casa
Impregnando as paredes de taipa
O chão de barro batido
Parecia vestido de rica cerâmica
O café me chegava tão doce
Como eram doces os sentimentos teus
E eu dizia satisfeita:
“É o melhor café que alguém já me deu”.
Café
Que pendia no pé da porta da tua casa
Café
Pilava pilava...
Preto como tu
Para uma branca como eu.
Acho que tenho a alma preta, Teté
Acho que ela foi pintada por ti
Enquanto eu tomava café
Enquanto tomavas conta de mim

(E mamãe nem percebeu
Foste esperta: nem ela nem eu).

Hoje tenho a negritude
Que nem o candeeiro conseguia espantar
Tenho a escuridão
Que graças a tua mão eu conseguia acalmar
Negritude, Teté
Que um dia, sem sucesso, a lepra te quis roubar
Negritude sadia
Quente, leve, destemida
Assim como teu café
Forte, doce...do pé.
Deste ficou o sabor
Guardado na minha lembrança
E de ti, a minha crença
Que tenho com emoção
De que a tua negritude
Está passada e registrada
Pintada no meu coração.


*Escrito em 10 de novembro de 2003.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

CARTA A FRANCISCO


Queria te dizer que ontem tive um sonho. Sonhei que caminhava contigo na praia a conversar sobre as últimas cores vistas no alvorecer. Estava nublado e as andorinhas e gaivotas se agitavam, pegando carona no vento que trazia as primeiras gotas de neblina. Sorriste para mim e corremos contentes em busca de uma boa árvore que nos abrigasse.

Sentamos no abrigo acolhedor. Eu estava exausta e tu me ofereceste amorosamente o colo para que eu recostasse minha cabeça cansada. Deitei-me e senti tuas mãos nos meus cabelos. Meus pensamentos iam sendo penteados à medida do teu carinho. Os nós antigos iam-se desfazendo, enquanto tu contavas como uma cotovia conseguiu te levantar da cama, onde por dias estavas. Tempos difíceis aqueles, contudo para tua brandura, era tempo de uma nova luz. A chuva caía plácida, lavando o mundo...o meu mundo. Chorei como a chuva, mas não de tristeza, chorei de gratidão.

Do teu colo, perguntei sobre a tua coragem para fazeres tantas coisas, para abandonares tudo o que tinhas e ires em busca daquela nova luz. Apenas sorristes calmamente, entendendo as limitações da minha alma pequena, que ainda só enxerga dificuldades, onde habita oportunidades. O irmão lobo, que acabara de chegar, respondeu aos meus questionamentos com generosas lambidas nos meus pés. Rimos todos. E talvez, nesse momento, eu tenha compreendido ainda mais a tua alegria.

Hoje, Francisco, eu acordei escutando o bem-te-vi que tu enviaste. São de amigos assim que precisamos: alguém para nos lembrar que bem nos viu. Ainda sinto minha cabeça no teu colo e tuas mãos nos meus pensamentos. Restam ainda muitos nós, meu irmão, porém eles ficam menos cegos contigo.

Olho agora para o teu retrato que uma grande amiga me deu, parece até que ela nos viu...nele há os mesmos passarinhos que voaram conosco. Penso que nunca fugirão de ti, pois tu também tens asas, Francisco. Tento acompanhar teus passos, mas ainda não tenho asas, o que me faz ficar bem atrás nessa estrada. Olho-te, então, de longe e aceno para ti, na esperança de um dia nos encontrarmos como no sonho. Ao mesmo tempo, tu me retrucas: eu estou contigo. E eu acredito. Por isso, toda vez que eu chorar, me lembrarei da chuva e sempre que eu sorrir, me lembrarei do lobo.

Parabéns pelo aniversário, Miramez me contou: é hoje. É um presente para todos n
ós o teu nascimento nesta Terra.

Obrigada, meu irmão, meu amigo companheiro, de Assis e do mundo inteiro.

domingo, 21 de setembro de 2008

"QUEM NÃO VIAJA, FICA!"


Sexta-feira fui ao encontro de uma paragem às minhas contemplações. Um lugar abençoado ao redor de um cajueiro que parece nos abraçar, quando lá chegamos. Ele estende os braços para que possamos usufruir do seu acolhimento, sustentando nossas redes com firmeza e suavidade. A sombra nos convida a uma boa conversa, uma boa música, brincadeiras de esconde-esconde e tudo o mais que pudermos inventar; todos viram crianças num piscar de olhos. De lá se escuta a voz do mar e, assim, ele vai nos embalando.

Pés na areia nos apoiam mais. O céu sempre amplo, sem edifícios a estreitá-lo, dá-nos uma dimensão maior do muito que podemos ser e seremos. A estrada é nosso guia de viagem. As árvores a se beijarem no alto, nos convidam a abrir ainda mais o vidro para entrar o perfume de ar fresco, nascido dessas copas fraternas. Um túnel verde se estende a nossa frente e por ele passamos de vidro e coração abertos. É a Reserva de Saltinho, cuja cachoeira ainda derrama água límpida, apesar dos usurpadores das riquezas naturais. A cerca e avisos demonstram o cuidado, os quais esperamos sejam respeitados. A natureza é uma grande professora, cuja lição precisa ser mantida atualizada, sob pena de esquecermos de nós mesmos.

Um final de semana inteirinho reservado ao deleite, à brecha do nosso tempo, cuja brevidade anda nos aperreando dia-a-dia. Chego a duvidar que o dia tenha ainda 24 horas e, garanto, não sou a única. A física deve ter alguma explicação para este fenômeno mundial, ou talvez, apenas a vida prática nos mostre o quanto nos enchemos de afazeres dos mais diversos. É a vida, dizem muitos. Ou, quem sabe, seja o que fazemos com a vida, para sermos mais exatos. Um hiato no dia, uma parada nos afazeres somente para contemplar, ouvir, absorver. É isto o que nos aconselha a consciência: pare, olhe, escute. Quase como um aviso de rodovia férrea. Se seremos atropelados ou se pegaremos o trem...isto é uma boa pergunta a uma escolha obrigatória.

Vates e Violas* no som do carro mostrou o intinerário:

"Planos que foram realizados
E transformados
Em motivos de viver
Marcas tatuadas são normais
Se ninguém faz
O tempo vai fazer"

Como o próprio grupo musical profetiza: 'quem não viaja, fica'. Melhor viajarmos, então, pois já ficamos demais. Boas companhias, boas conversas, atualizações de problemas, mas também de alegrias. Não há como calcular o valor de uma boa conversa, das risadas compartilhadas, da intimidade que nos mostra além do que os olhos podem ver. Um mar inteiro a nos encher a alma e os pescadores que ficam no meio da nossa caminhada na areia, dando-nos lições sobre paciência e persistência. Uma igrejinha à beira mar só pode mesmo nos abençoar, lembrando do santuário natural aos nossos pés, ou melhor, às nossas mãos. Ê vidão!

É hora de voltar. O retorno é sempre mais rápido. Chegamos. Muitos ganhos a contabilizar. Amanhã será um dia bem mais feliz. Cuidar de gente com marcas tatuadas pelo tempo, é tarefa do dia. A mala chegou mais cheia. Entre a bagagem, a notícia de mais gente nova no mundo. Notícias de longe, que chegam perto. A família cresce, graças a Deus. Todos a se entusiasmarem com os títulos novos: avô, bisavô, tio-bisavô, tia-avó...! E olhe que o dia ainda tem 24 horas!


*Vates e Violas é um grupo que passeia entre a poesia e a melodia bem trabalhada. Tem dois discos: "tudo o que é bom, presta" e "quem não viaja, fica"; eu, por sorte, tenho os dois.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

MEU POVO

Ah, que felicidade falar com alguém próximo, que se encontra distante geograficamente. De fato, essa tal de tecnologia pode ser um ganho imenso aos nossos corações. De repente, um telefonema e pronto: a distância encurta.

Descobri que Sementeiras pode virar ponte entre mim e os meus amados, situados a quilômetros de asfalto, terra batida e porteira quebrada. Porteira para sempre aberta, emoldurando o terreiro, onde, tantas vezes, 'trigueiro' respondeu aos meus apelos com um preguiçoso abano de rabo, para depois se levantar com os latidos habituais atrás do gado resistente ao sol, ao calor e resignado aos aboios inigualáveis do meu povo, da minha gente.

Meu povo, de calos nas mãos, sabe pegar com carinho uma rede para meu restaurador balanço. Meu povo que evita chorar, sem evitar a emoção. Varre o alpendre como a catar feijão na palestra costumeira, falando de quem se foi, de quem chegou, atualizando e repartindo o coração com quem está presente. Meu povo de riso alto, solto, cheio de cumplicidade e compromisso com o bem. Qualquer dia pode ser o primeiro de abril, pregando peças nos seus iguais, para logo em seguida rir às gargalhadas. Histórias que rendem dias, meses, uma vida inteira.

Assistimos aos nascimentos dos netos, sobrinhos nossos, que crescem com bravura e alegria em meio ao ciscado das galinhas, à poeira dos cavalos, ao cantar dos pintos, tão fartamente alimentados por quem chega de longe, carregando na mala um punhado de saudade para misturar com o milho, rapidamente providenciado por quem sabe alimentar a alegria de uma criança.

Sim, este é o meu povo. Alguns pequenos já escrevem 'Neto' no final do nome e parecem perpetuar algo que já está no gene, na genética familiar: a simplicidade. Quanto ela custa? Nada. Apenas um sorriso e abraço sinceros. Apenas valores semeados ao longo do tempo em terra brandamente adubada pelo bom exemplo. Exemplo de honestidade, de dignidade, de amor. Exemplos antigos, anteriormente trabalhados pelos nossos queridos ancestrais, que assistem tranquilos a colheita efetuada. Estes exemplos não morrem, não fenecem. São sementes germinadas e crescidas, as quais terão a missão de plantarem também. E assim, como diria na linguagem infantil: começar tudo outra vez.


Estas linhas molhadas vão para todos os filhos do Ludovico.
Muito obrigada por tudo.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

VIVA SETEMBRO!

Setembro chegou e com ele, dizem, chega também a primavera. Recife é uma cidade que gosta de surpresas. Às vezes me levantava, olhava o que o céu iria me dizer. 'Hum, sol'. Os passarinhos, para variar, felizes que só o quê, cantando e fazendo festa. Sem dúvida, o dia seria de sol. Entretanto, no percurso ao trabalho, algo ía se modificando e lá chegava às gotas finas que caíam com abundância. Por isso, já faz tempo, ando aberta a essas surpresas que a cidade quer nos oferecer e é interessante observar a mudança do tempo de um lugar para o outro. Que venha o que vier: o sol aquece e a chuva lava, o que mais podemos querer? O fato é que, nestes tempos, Recife nos faz olhar mais para o céu, uma grande bênção para uma cidade ser feliz: seus moradores olham mais para o céu. Isto pode nos fazer mudar o ângulo de visão e, quem sabe, olhar um pouco mais para o lado.

Lembrei de uma dissertação comentada que recebi há alguns meses sobre uma certa cegueira social. Repassei imediatamente a fim de compartilhar os questionamentos dirigidos, na verdade, a todos nós. O mestrando Fernando Braga da Costa se disfarçou, ou melhor, trabalhou como gari por oito meses e sentiu na pele o peso da invisibilidade pública, a qual ele suspeitava apenas teoricamente. Que maravilha de trabalho e iniciativa! Varrendo as ruas da USP, contou que foi ignorado por professores, amigos, colegas de curso, gente que há poucos instantes trocavam idéias com ele. Foi uma experiência que, imagino, o enriqueceu não apenas cientificamente, mas, sobretudo, na sua humanidade. Por exemplo, ele comentou: "descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência". Creio que ele aprendeu a olhar mais para o lado, ou talvez já o soubesse para ter escolhido um tema tão singular. Uma curiosidade interessante: esta informação me chegou de Belo Horizonte, cidade cujo nome fala muito de si, encaminhada por um primo amigo, que a recebeu de um estudante de direito, cego. E pensar que nem sempre se precisa de olhos para ver...

Nos espaços de blogs, há pessoas prestando atenção a outras, falando de como se sentem ou de como percebem o mundo, a cidade, a vida. Há os já indicados aí do ladinho, nos quais também existem referências a outros igualmente interessantes. Pessoas, falas, pensamentos, cada um quer deixar seu recado. Ao criar este espaço, meu único objetivo era dar vazão a uma vontade antiga de escrever. Escrever, escrever, escrever. Sem tanta programação nem roteiro certo, mas com um fim útil, ao menos, a mim mesma. Ao mundo da escrita só cabe sentir e deixá-lo ter vida própria. Talvez isto justifique um pouco porque me pego agora pensando o que eu queria mesmo dizer, quando comecei a escrever este texto. Perdi-me por entre as linhas, escorreguei nos meus questionamentos e acabei esquecendo o que queria mesmo falar. Vai ver que não queria dizer nada de tão especial assim, mas só falar dos dias, do ritmo da vida, do olhar e, quem sabe, agradecer aos que me sinalizam que devo olhar um pouco mais para o lado, sair da cegueira social, humana, pessoal. Oxalá eu consiga até o anoitecer. Tenho fé: chego lá.

Enquanto isso, fiquemos com um agradecimento também ao tempo, ao mês de setembro que me trouxe pessoas tão especiais para o meu coração, como o meu padrinho, como Francisco e uma criatura que vive me dizendo: "setembro é o mês mais bonito do ano". Apesar das controvérsias, hei de concordar: é um mês que floresce.

sábado, 30 de agosto de 2008

FORMIGAS

Era pra ter sido um simples piquenique.
Era
Ia
Fomos
As três.
Destemidas "escoteiras" a bradar no coração:
“Uma por todas, todas por uma”...
A que tiver mais necessitada.

Era pra ter sido um piquenique
Mas conseguimos:
O mar
A paz
A inquietude
Uma certa dose de angústia
A saudade...

Ondas fortes a nos puxar:
A inocência
As lembranças infantis
Juvenis
Maturidade...

Foi uma vida inteira
Em uma tarde
Três vidas
Em um dia

Conversas ao pé do ouvido
Agora faladas ao vento.
Olha a lombada dos 40
Vamos devagar
Vamos ligeiro
Qual o ritmo das nossas vidas?
Já levamos muitas multas pela vida
Em outras desaceleramos

Como evitar as formigas
Se trouxemos a doçura?

Era uma tarde
Uma volta
E a vontade de continuar
Chorar o que não se sabe
Rir do que já se viu
Volta de um piquenique
Voltamos
Chegamos
Não se sabe bem aonde
Mas o coração sinaliza:
“Quando será o próximo?”


Para duas amigas companheiras de um piquenique, ocorrido há tempos atrás. Bom é ter saudade, mas melhor mesmo é atualizar os encontros.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

APRENDIZ


Ah, um dia de semente é tudo o que se quer...
Terra molhada
Sol a aquecer
Tempo a trabalhar

Deveras o tempo nos ajuda
É fato
Deveras ele nos atrapalha
Quando queremos

Há tanto a se aprender
E muito a se calar...
Como uma verdadeira semente

E assim ficarei nesta sementeira
Criada em dia de lua
E noite de vento

Sou aprendiz
Neste espaço que ainda desconheço
Mas experimento
Sem pretensão

Em meio ao plural
Me singularizo
Sacudo minhas mãos
E torno a sujá-las
Graças a Deus
Que Ele me ensine, então, mais uma vez.


Obrigada, Senhor, por tudo
E abençoe a todos que por aqui passarem.