terça-feira, 28 de outubro de 2008

13 ANOS

Sempre soube do seu nome e para o que ele vinha. Nenhuma dúvida me roçava a mente, era ele sim. Nem precisava de ultrasom para descobrir seu sexo, mas quando este confirmou...que alegria! Sua mãe riu com meu alvoroço, gritando para uma avó no sétimo andar: "é ele, mamãe!".

Como demorou a nascer esse menino! Já chegou de unhas crescidas, quase uma pista de que seriam roídas hoje, apesar do nosso apelo constante para não fazê-lo. Ô menino buliçoso, ô menino bom! Nome repetido de gente querida, acabou emocionando mais. Nome do avô para o primeiro filho, primeiro neto, primeiro sobrinho. Rocha em forma de gente. As boas-vindas foram poucas, o amor precisou de mais, por isso melhor foi providenciar as comemorações dos 'mensários', pois aniversário demora muito.

Músicas cantaroladas, palhaçadas, brincadeiras por todo o dia, constantes risadas, pulos, orações antes de dormir, estas foram suas primeiras experiências. Bons exemplos, pais vigorosos e felizes, irmã amorosa, família reunida, amigos, responsabilidade com os estudos e com todos os compromissos assumidos, sustos e peças pregadas pelo seu espírito brincalhão, orações diárias, esta é a sua rotina até então. O menino tem aprendido a lição e dado tantas outras. Antes, só os pequenos aprendiam com os mais velhos, hoje o contrário também existe com mais sinceridade. E é bom aprender a continuação da vida e conhecer um ser humano desde o início, entender o que se passa simplesmente com um olhar. Poder escutar as histórias das viagens, das descobertas que nos descobrem também cheios de possibilidades.

Um menino que navega pela internet com a mesma desenvoltura que cavalga entre cercas de arame farpado. Que surfa com a mesma naturalidade com que desce aos sorrisos, de bicicleta, a ladeira. Pára e colhe manga ou caju, como a pegar uma bola, um pião. De noite, esconde-esconde, de dia, rpg, cheia de personagens incompreensíveis para minha alma adulta. Come yakissoba entre os daqui, com o mesmo apetite com que come baião-de-dois com o nosso povo distante. Quando mata a saudade dos de lá, chega brejeiramente substituindo o "inho" por "in" e excluindo os plurais dos nomes, tudo naturalmente, pois sabe que isto faz parte da gente; não há regra de português que possa dar normas ao que se fala com o coração e por simplicidade. Desse modo também, no amanhecer ou anoitecer, não dispensa uma benção, porque aprendeu que ela é necessária à vida.

E assim vai seguindo, crescendo e aprendendo. E nós junto com ele, no caso, aprendendo e crescendo.

Para meu sobrinho e afilhado amado, meu filhinho do coração. Porque a vida tem ficado ainda mais bonita há treze anos. Parabéns!


Magna Santos

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

BREVE COMENTÁRIO

Há alguns dias meus dedos têm se dedicado a embalar e desembalar caixas. Quem já se mudou sabe o que significa acordar e não achar aquele documento, não ter a menor idéia onde escondeu (sim, escondeu) aquele livro ou outra coisa qualquer. Cheiro de papelão impregnou o meu nariz alérgico e o tadinho parece ter se acostumado...nem espirra mais, graças a Deus.

Quanta coisa acontece em poucos dias. Não sei mais quem falou, mas o tempo também passa para a escrita. Quanto eu poderia ter escrito, se tivesse tido oportunidade. Computador emprestado, coisas à procura de um lugar... Assim, fiquemos com a constatação de que a vida, às vezes, acompanha o relógio e retomemos os dias atuais para louvar o que está presente e dar as boas vindas ao que já bate à porta. Bem vinda, portanto, a mudança.

Este é apenas um breve comentário sobre o hiato que se fez em Sementeiras nesses dias. É apenas um tempo de estiagem, embora não de infertilidade. A generosidade dos comentários (sejam por email sejam postados aqui) têm irrigado o chão e deixado ótimas sementes. Que Deus abençoe, então, as mãos dos semeadores.

Obrigada a todos e até breve.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

SALA DE ESPERA

Vestido, na maioria das vezes, estampado por pequenas flores. A gola sempre arrumada, fechada em botões bem alinhados. Descem até a altura da cintura, singelamente marcada por um cinto fino, como são os seus gestos. O cinto não pode faltar, como também a bolsa que carrega o crochê, pacientemente confeccionado pelas mãos ágeis, embora sem pressa. Aprendeu que a pressa é realmente desnecessária; além de inimiga da perfeição, como todos dizem, é também do prazer.

Parece que foi ontem... Natural de Recife foi parar noutro Estado. Casou-se como convém a toda donzela da época e, além do marido, ganhou os seis filhos dele. Foi muito trabalho! Talvez por isto mesmo tenha concebido apenas um. Orgulha-se de ter deixado "todos de anel no dedo", mas restam somente dois vivos. Mais de 30 anos em outra cidade não foram capazes de apagar as lembranças de Recife. Sua cria veio aportar aqui. Após o falecimento do esposo, retornou ela também à terra natal.

O tempo realmente passa. Amigo, camarada... Seguem firmes, ela e o tempo. Postura ereta, pernas cruzadas, cabeça baixa a trabalhar no crochê. Não entra sem dar um bom dia, não senta sem dar um sorriso. Vai caprichando, ora trabalhando ora procurando algo ou alguém com o olhar. Vê o relógio...ainda não passou. Ele, o tempo, ainda está lá. Seu filho também ainda está, vivo, porém sem tanta vida como ela. Parece um menino, pensa. É um menino, sente. "Separou-se da mulher e ficou assim, depressivo, parece que o mundo parou". "Eu já tenho quase 90 anos, minha filha, não posso parar". Seu olhar, no entanto, denuncia que gostaria. Gostaria de parar. E sua voz obedece: "por mim não saía de casa...acredita que não tenho mais coragem de ir a uma missa?". Acredito. "Eu só saio para acompanhá-lo".

A vida contada em anos parece se multiplicar. As rugas não negam o quanto viveu. Cada dor, cada sorriso, noites em claro, surpresas, alegrias inusitadas, tristezas inesperadas. Tudo está desenhado na face, no corpo inteiro. As pernas ainda sustentam o interesse pela vida, mas estão cansadas. Nem tudo é como o crochê, nem tudo pode ser refeito, muito menos usando a mesma linha. Lição que talvez o filho não tenha ainda aprendido para continuar reciclando tristeza e teimando queixume. "Ele deixou de dirigir". Sim, acredito, ele, de fato, deixou de dirigir.

Olho aquele rosto simpático, bonito, aquele corpo esguio de 89 anos, os cabelos tão zelosamente penteados de um branco que ofusca os olhos apressados. Digo algo e provoco risos que me alegram demais. Penso que a vida vale a pena se não teimarmos em refazê-la como uma peça de crochê, se a fizermos com capricho, aceitando, contudo, as falhas como parte inevitável e importante do trabalho. Serão as provas do esforço e da nossa humanidade. Deus sabe de tudo isso e reconhece nossa tentativa, dando-nos sempre boas linhas para trabalharmos e inspiração para fazermos melhor. Sem dúvida, Ele ama os filhos e, certamente, ama muito as mães. Penso que preciso aprender mais com elas.

Gostaria de conversar mais, porém a hora chega, a espera acaba. É tempo de levar outra mãe em casa. Outra mãe e outra história, esta mais conhecida, cujo roteiro também ainda está sendo escrito.


Magna Santos

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

DOCE TETÉ*

Lembro do cheiro pela casa
Impregnando as paredes de taipa
O chão de barro batido
Parecia vestido de rica cerâmica
O café me chegava tão doce
Como eram doces os sentimentos teus
E eu dizia satisfeita:
“É o melhor café que alguém já me deu”.
Café
Que pendia no pé da porta da tua casa
Café
Pilava pilava...
Preto como tu
Para uma branca como eu.
Acho que tenho a alma preta, Teté
Acho que ela foi pintada por ti
Enquanto eu tomava café
Enquanto tomavas conta de mim

(E mamãe nem percebeu
Foste esperta: nem ela nem eu).

Hoje tenho a negritude
Que nem o candeeiro conseguia espantar
Tenho a escuridão
Que graças a tua mão eu conseguia acalmar
Negritude, Teté
Que um dia, sem sucesso, a lepra te quis roubar
Negritude sadia
Quente, leve, destemida
Assim como teu café
Forte, doce...do pé.
Deste ficou o sabor
Guardado na minha lembrança
E de ti, a minha crença
Que tenho com emoção
De que a tua negritude
Está passada e registrada
Pintada no meu coração.


*Escrito em 10 de novembro de 2003.