segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

NINHO

A porta foi aberta por mãos amigas e confiantes. Observações acerca do hall...nem sempre a decoração da vizinha agrada, sobretudo, quando na área comum. Mas, o essencial estava lá dentro. O piso de mármore pintava de branco todo o apartamento, deixando apenas os quartos e a cozinha com cores particulares. Sob inspiração dos passarinhos, os amigos nos ensinaram que a demolição de uns dá matéria-prima a outros; o resultado, no final, é uma geometria de desenhos bem articulados e bonitos, como num mosaico grego.

A arquiteta se inspirou em poesia para imaginar tanta delicadeza. Decerto o suor foi também seu companheiro, pois os moradores exigentes, atentos a todos os detalhes, já imaginavam a casa polvilhada de amigos e familiares, digamos, uma "festa para 30 pessoas". Sim, há espaço até para mais. A varanda dá para uma boa rede, talvez duas. Mas, como os donos não são cearenses nem índios, devem imaginar também mais um cantinho para recepcionar os amigos, ou quem sabe, brincar de bola ou boneca com a cria que ainda vai chegar. O quarto já está reservado, com uma outra varanda conectando pais e filho. Já imaginou como será bom brincar de esconde-esconde com essas passagens quase secretas? De repente, uma luta mesmo de espada ou de cócegas? Hum, será demais!

Ah, esses ninhos em construção dizem tanto dos seus construtores, digo, moradores! Se estamos na cozinha, imaginamos a "cozinheira oficial" a dedilhar temperos, afinando os pratos e bebidas para serem apreciadas. Paladares ansiosos por experimentar. Os amigos já se habilitam desde já, porque entre quartos, varandas, cozinha, salas em construção, os futuros habitantes são os atrativos principais.

Ah, o afeto consegue mesmo preencher uma casa vazia! Cada parede, piso, mosaico fala do que já está presente: a felicidade, o amor, a cumplicidade.

Dia desses, quando amanhecer, eles acordarão com música vinda das casuarinas que enfeitam a rua de flor. Olharão curiosos e surpresos conhecerão vizinhos festivos, cuidando de um ninho, construído com uma arquitetura também particular. Eles sorrirão felizes e os vizinhos lhes responderão: bem-te-vi, bem-te-vi, bem-te-vi.

Magna Santos

domingo, 25 de janeiro de 2009

CLOUSEAUS*

Coleciono alguns cartões de afeto. São de aniversário e há exatamente 20 pelos quais nutro especial carinho. Ontem li o mais recente e fiquei a me questionar sobre algumas virtudes a mim direcionadas. Com o passar dos anos, ganha-se maior capacidade de se auto-enxergar, como também, parece, uma dose maior de generosidade, ao menos é o que sinto, quando leio os amigos a me dedicar tanto afeto.

Lembro de um primeiro aniversário que comemoramos: o bolo era um repolho, a mesa enfeitada com outras coisinhas difíceis de comer no momento, inclusive, uma broa integral que nos custava termos dentes para triturá-la. E o aniversariante? Feliz demais e com cara de bobo.

Hoje estamos mais famintos e preferimos uma boa comida - comestível - para acompanhar as nossas risadas. Aliás, bom humor sempre foi nosso tempero preferido e nunca nos faltou. Nesse tempo todo podemos dizer que foram pouquíssimas vezes que o riso não compareceu, pois a vida acaba também trazendo outros temperos inusitados de difícil degustação. Porém, na grande maioria, mesmo que estejamos com o coração dividido pela tristeza, saudade ou preocupação, o riso marca presença, como um convidado que sempre comparece.

E ontem o encontro foi em um local aprazível e silencioso, de início. Um cardápio enorme a nos impedir a visão da decoração, nos fazia deixá-lo sobre a mesa. Crepes e saladas eram as alternativas. Melhor deixá-los escolher, pois sempre me enrolo, quando tenho muitas opções...coisa de quem não teve tantas antigamente. Escolhas: saladas e crepes salgados e doce para a sobremesa, conforme disseram.

Um com roupa quase indiana, outra com muita atitude para usar uma calça xadrez e uma blusa com um bordado bem humorado. A outra com a leveza habitual, trazendo duas pérolas pequeninas, uma preta outra dourada que cintilam mais do que tudo. Um a falar da briga da mãe e da tia, como a contar um causo das antigas. Risadas e compartilhamento até do reveillon, quando fatos importantíssimos aconteceram. Estamos atrasados nos acontecimentos, já não temos mais tanto tempo como antigamente, quando por horas nos pendurávamos no telefone, atualizando os assuntos do dia.

Eu teria muitas histórias a contar sobre eles, mas assuntos da vida nem sempre conseguimos escrever, apenas viver, ou talvez eu não tenha escrito, por não ter uma caneta à mão, no exato instante: dos tantos trabalhos juntos; da primeira viagem e albergue dividido; dos tantos aniversários e rituais do cartão; das tentativas de brincar carnaval, apesar do medo de multidão de uma certa pessoa; das formaturas e de todos os vexames cometidos; da partida de uma amiga, que me custou visitar no momento derradeiro; do casamento em plena manhã com a noiva sofrendo de hipoglicemia, após as fotos; das dores de amor, suportadas a ferro, fogo e de mãos dadas; das partidas dos queridos; dos projetos compartilhados e atualizados; da chegada das crianças e de suas gargalhadas às nossas bobagens; do espaço cada vez menor dos cartões, por causa da demanda do carinho e de mais mãozinhas a escrever emoções; das brigas, graças a Deus, poucas, terminadas à força do afeto e da razão; das muitas gafes cometidas e de todas as distrações que nos marcou com o apelido de clouseaus.

Sim, há mais, bem mais. E mais haverá.


Magna Santos

*Referência ao personagem Inspetor Clouseau, eternizado por Peter Sellers, no clássico 'Pantera Cor-de-Rosa'

domingo, 18 de janeiro de 2009

ENLUARAR

Peguei o meu carro e saí por aí
Por aí não
Destino certo:
Descanso

Afoguei meu cansaço no mar
Engoli meus anseios
Com peixe
Deliciando-os um a um

Plantação de gotas
Em dias de verão
Derramou-se sobre mim
Uma chuva prateada
Junto com a lua cheia

São Jorge não apareceu
Mas mandou mensageiro:
Não adianta pisar o meu chão
Enquanto não estiveres leve
Não adianta mirares em mim
Enquanto não te enxergares
Não adianta te encantares por mim
Enquanto não te namorares
Não adianta pular de fases
Enquanto não me assistires minguando

Escutei tudo aquilo em fase cheia
Agora sou nova
A enluarar