domingo, 29 de março de 2009

MARÉ BAIXA

Quase tudo o que sei
Vai-se embora no primeiro grito
Há que se ficar mais próximo de si mesmo...
Pra não se perder
Ou talvez se ache no infinito

De fato o silêncio não atordoa
Esclarece
Como o próprio mar...
Vem e vai
Ora alto
Ora baixo
Que nem maré

A maré das inspirações
Baixou estes dias
Parecia um naufrágio
De tantas hesitações
Agarrei-me em tudo que podia
Sobrou-me as terras nas mãos
Ofereço-te como presente
...
Guarda contigo
Um pouco do meu esforço



Magna Santos

domingo, 22 de março de 2009

ENCONTRO COM PESSOA



Hoje encontrei Pessoa
Numa sala contígua à da esperança

Não esperava sua presença
Sua ausência nem me era sentida
Muito menos doída

Tenho sonhos que não vejo
Donde só entra o que sinto
Pressinto
Ou antevejo

Quem é esse de olhos doídos
De sorriso deserto
De peito estreito
E suave descanso?
Quem é esse que eu não conhecia
E já conhecia
Antes de imaginar?
Quem é ele que não vive em sonhos
Mas em realidade
Se faz passar?

Quem é ele?

Pessoa de heterônimos
Aparece em derradeiro
Depois de tantas línguas
Passadas e estudadas

Acaso teimastes em voltar?
Acaso espreitas a natureza
Ao luar?
Ah, pastor de palavras...
Cada cria recriada
Nos versos artesanais
Ah, rebanhador de letras...

Acaso te dedico esta canção que não escutas
Acaso também te sonho novamente
E se, por acaso, adormeces
Eu me despeço
Te digo impropérios
Te solto um verbo que não posso dizer
Mas, te escrevo...
Em letras garrafais.


Magna Santos

quinta-feira, 19 de março de 2009

LATA DE LÁGRIMAS

Há palavras que nos atingem como flechas no coração. Não para nos ferir, mas para nos encher de pranto, de sentimento em dias que as emoções andam meio esquecidas ou apenas lembradas com pouca atitude. Nem tudo pode ser tão prático, tão instantâneo por mais que uns insistam em assim querer.

O sentimento de compaixão, de olhar o outro, de considerá-lo próximo, irmão é um desses sentimentos que nos acordam as emoções e nos abrem os olhos para alguma falta de ação.

Cheguei agora do trabalho, entro no Sementeiras, acesso meus afins (assim nomeados por mim) e dou de cara com lágrimas que inundam uma lata d'água. Eu, que tanto já as vi nas cabeças dos meus conterrâneos. Sim, eu que tenho uma em casa que tanto as levou, hoje ainda tentando também escrever o nome, embora sem ajuda minha nem de ninguém. Há emoções que também calam qualquer teoria e pede prática. Que nos dão um soco no estômago para, talvez, lembrarmos que ali pertinho bate um coração.

Obrigada, Luna, pelo soco e pelas lágrimas. Um dia serei melhor. Quem sabe hoje mesmo eu me torne uma pessoa melhor depois do que senti, depois das tuas Palavras-pontes que me uniram a minha consciência cidadã. O Coque, certamente, dá lição a todos nós. A menina, sem dúvida, verá seus netos criados e, quando eles estiverem distantes, quem sabe passando uma temporada em alguma cidade do interior, receberão cartas afetuosas, cheias de saudade, escritas com uma caligrafia caprichada de avó.

Todos nós somos responsáveis pela falta alheia, quando não a sentimos dentro de nós, quando podemos tentar preenchê-la. Sim, somos. Um dia vi um depoimento de uma mãe, cuja filha tinha sido morta por bala "perdida". Ela lembrava do velório, dizendo da grata alegria quando uma outra senhora (da rua) apareceu para transmirtir-lhe os pêsames e contou as várias vezes que sua filha havia lhe ajudado, fatos que a mãe nem suspeitava. Por fim, ela emocionada lembrava, no depoimento, do que a filha sempre lhe dizia: "faça o bem em abundância, faça exaustivamente, pois o mal que nascer de uma omissão sua, será de sua responsabilidade".

Bem, acho que é isso.


Magna Santos

terça-feira, 17 de março de 2009

A AVE POESIA DE ASSARÉ

Pouca gente no cinema. Parece até que quase ninguém conhece Patativa do Assaré. Pena. Entre os poucos presentes, um clima de descontração marcou os minutos anteriores ao início do filme. Vai chegando mais gente. Observo um homem com casaco na mão, senta no outro extremo das poltronas. O documentário começa com cenas de despedida a Patativa no auge dos seus 93 anos de idade.
Daí por diante é só alimento. Rever o poeta falando, assistir a imagens do seu cotidiano...tão familiar. Passou outro filme na minha cabeça. Sem dúvida, aquela visita a Patativa em 2001 foi uma das melhores coisas que poderia ter feito. Nunca fui chegada a tietagens, nunca tive ídolos e continuo sem tê-los. Porém, em uma das viagens a Brejo Santo, situada a pouco mais de cem quilômetros de Assaré, um dos amigos questionou como nunca havíamos conhecido o poeta. De fato, só teríamos a ganhar, pois sempre o admiramos.

Após a paisagem exuberante do Araripe, cheguei a Assaré ainda manhã, acompanhada de parentes e alguns amigos. Carregávamos filmadora, máquina fotográfica, livros e uma porção de expectativas. As perguntas? Ficamos quase mudos. Nem precisava falar diante da eloquência do camponês poeta. Ele com seu cigarro, resistiu aos argumentos do meu primo médico com a poesia em punhos, quase fazendo o doutor acreditar que o fumo faria bem e não mal, como todos sabemos. Saí da visita com fama de exploradora de idosos, pois me foi difícil largar Patativa. Para quem nunca tinha tietado, aprendi rapidinho. Como deve sofrer um ídolo! Fiz ele autografar livros, tiramos fotos, abracei-o, e por fim, me declarei: "ah, Patativa, acho que fiquei viciada no senhor, no próximo ano virei aqui novamente". Ao que ele respondeu com um sorriso e com a informação: "sou rico de amigos. A amizade é uma verdadeira riqueza". Saí quase puxada, mas me despedi. No ano seguinte, não pude cumprir a promessa. Morria o poeta social.

E ali, naquela sala de cinema, eu o revia com toda sua peculiaridade de ser humano: simples, trabalhador, socialista, bem-humorado, cidadão. Um documentário como poucos: com verdades pinçadas da fala de dicção particular, além dos dizeres de muitos admiradores, entrevistadores e estudiosos brasileiros e franceses. Sim, para quem não sabe, o poeta Patativa foi tese de doutorado, objeto de pesquisa, pela genialidade e naturalidade das suas palavras.

Todas essas informações são fáceis de adquirir em qualquer busca no google, porém a delicadeza do documentário estava no seu pano de fundo. A poesia é fato, o cidadão politizado também, mas o Patativa homem? O Antônio Gonçalves da Silva? As imagens nos trouxeram o agricultor, pai de família, marido de Belinha, paciente bem-humorado a rir-se do próprio perigo de perder uma perna, cidadão de Assaré que amava as crianças.

Um trabalho de ourives, talvez, de garimpeiro também. Não basta ter o metal pronto, é necessário colhê-lo. E, ao que vimos, Rosemberg Cariry e sua equipe fizeram isto muito bem, transformando a película não apenas em um filme sobre a vida de alguém, mas numa jóia preciosa, num verdadeiro poema a Patativa do Assaré. Este sim escrevia como um passarinho.

Vivemos vários sentimentos ao longo da exibição: tristeza, gratidão, indignação, alegria, admiração, enfim, emoção genuína. Tudo de modo gradativo, explodindo, no final, na declaração a sua amada Belinha e na sua compreensão do que é felicidade.

Fomos os últimos a sair da sala de projeção, juntamente com o homem do casaco, agora agasalhado e aquecido no coração, ao menos, foi isso o que senti ao ver os seus olhos vermelhos. Saímos, sem dúvida, mais leves. Digamos, embelezados. Com mais vontade de lutar por um mundo melhor. Um mundo onde as armas sejam feitas de poesia, onde agricultores, doutores, jornalistas, leitores possam chorar e sorrir juntos, sem tanta disparidade; onde as patativas tenham lugar ao sol, à sombra. Um mundo onde possamos sair do cinema nos sentindo irmãos, o que, de fato, somos. Com olhos molhados e de sorriso no rosto.


Magna Santos

* A publicação da foto foi gentilmente autorizada por Pachelly Jamacaru, autor desta imagem poética(http://fotografiacariri.blogspot.com/).

sábado, 14 de março de 2009

COMO PASSARINHO

Escutava algumas pessoas conversando sobre os escritores e apenas observei. Pensei como, às vezes, é difícil fazer qualquer coisa sem a urgência alheia de lhe enquadrar em um padrão ou categoria específica. Espero estar longe disto por muito tempo ainda. Sequer sou escritora, talvez apenas desenhe palavras, ou melhor, as plante. Por enquanto, vou seguindo sem interesse em nenhum rótulo para algo que faço por um misto de necessidade e prazer. Quero escrever como eu voaria se tivesse asas. Um pequeno passarinho.

Cada um tem seu delírio, este é o meu: voar através das letras, das palavras. Elas - as palavras - são minhas asas e o meu voar. Através delas poderei ir aonde quiser, pousar no ombro que me acolher, planar onde o céu for mais azul, ou quem sabe, furta-cor, visitar outros ninhos, outras paragens, mergulhar na imensidão desse infinito que são os pensamentos, melhor, as palavras. Voltarei também quando me for conveniente, sem data para chegar, porém pousarei macia, sorrateira, sem fazer barulho, pelo contrário, no mais profundo silêncio, como quem chega em solo sagrado, onde as sementes germinam. Trarei ainda novas sementes, colhidas a custo deste muito voar. Todo passarinho é semeador. Assim também quero ser de palavras. Sorrirei algumas vezes, noutras uma lágrima me fará companhia, fazendo-me lembrar do sal dos oceanos onde estive.

Visitando outros ninhos, também assistirei a vôos distintos, inclusive, ao que cada um promove nos demais; neste universo de blogs, através dos comentários. Como será bom lê-los! Como já é! Serão como brisas em pleno vôo, ou mesmo, um mudar de foco, como um companheiro que te diz coisas do tipo:

"ei, olha para aquele lado, vê que beleza!"

"vamos naquela colina, dizem que é interessante"

"você passou por aquela árvore e nem observou"

É, sem dúvida, uma lição de humildade importante de apreender para ser melhor, para crescer. Palavras libertam, mas também podem aprisionar, como num vôo infeliz, quando o passarinho é capturado na armadilha do predador. A diferença está em este ser interno e a armadilha, extremamente camuflada. O predador mais comum talvez seja a vaidade, a arrogância a abafar o crescimento de outras sementes mais generosas, mais benfazejas. As armadilhas? Ah, não conheço muitas, ainda estou explorando e, portanto, em perigo. Mas, desconfio de algumas: a fidelidade à estética, mesmo desconsiderando o respeito ao outro, como também, a ânsia de corresponder a expectativas de terceiros, seja por qual motivo. Estes são exemplos de armadilhas bem maquiadas.


Finalmente, apesar de tudo isso, confesso, não sei o que é escrever. Talvez eu tenha acabado de cair em uma armadilha: a do falar demais, explicando-me demais. Definições podem aprisionar. Certo estava Quintana: "quando deres opinião, nunca deixes de escrever a data...". Portanto, já está registrado o dia de hoje. Anunciando que posso mudar amanhã, mudarei amanhã. Quem sabe as águas de março da minha querida Recife possa lavar algumas sementes, antes de plantá-las. Não sei bem o que germinará, nem como, porém me esforçarei para ser o melhor...com beleza e perfume.


Magna Santos

segunda-feira, 9 de março de 2009

10 ANOS

Ela chegou numa tarde de quarta-feira. Não era de cinzas, ao contrário, eu trabalhava bastante e sequer pude assisti-la chegar a este mundo. Porém, quando a vi no outro dia, a reconheci. Sua mãe nem sabe disso, mas eu segurei sua filha em sonho. Foi numa noite feliz, anos atrás. O sonho não lembro direito, apenas do exato momento em que a segurei nos braços. Acordei com um amor tão imenso por aquele bebê, que a vontade de encontrá-la logo e adotá-la era grande, pois só pensei que seria minha cria, como num sonho premonitório, algo assim. Nunca vou esquecer deste sonho e da alegria que senti quando a revi e observei aqueles olhinhos puxados que agora dormiam depois de um susto na família toda.

Ah, essa menina nunca escondeu ao que veio, assim como seu irmão. Gente pequena que tanto nos diz, desde o primeiro momento. Quando seu coração deu ares de cansaço, prestamos mais atenção ao nosso. Nem sempre um coração sente como se deve e o nosso andava descompassado com a vida. Parece ter sido necessário ver alguém muito amado ser cortado no peito para podermos acertar nossas próprias válvulas, nosso próprio ritmo. Como disse há 9 anos atrás, aprendemos com ela que dificuldade não é sinônimo de impossibilidade, mas de oportunidade.

A vida seguiu e já são 10 anos de muita intensidade, muitas lições. Sua presença nunca passa despercebida, nem quando está em silêncio, distraída ou fazendo-se distraída, assistindo aos seus desenhos favoritos, lendo um livro...um olhar; um sorriso; uma careta; um 'eu te amo' sem datas especiais; uma 'bença' depois de um bom dia ou, simplesmente, depois de um silêncio ou de um beijo; um grito para acordar a alegria; uma intimidade com o 'pessoal do céu' difícil de ver em alguém.

Outro dia ela se empolgou ao microfone e me surpreendeu dizendo: “vou cantar uma música que titia fez”. E a plenos pulmões: “alecrim, alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado...”. Alguém brincou na hora: "sua tia é bem velha, hein!" ao que escutou uma resposta que talvez não desejasse, embora se esperasse daquela que cantava. Ah, florzinha, bem que eu queria ter feito esta canção...certamente, teria feito para ti, como fiz aquela outra que fala o teu nome. “Alecrim, alecrim miúdo que cresceu no campo perfumando tudo”. Sim, teria feito para ti. “Foi meu amor que me disse assim que a flor do campo era o alecrim”.

Mas, já é março, minha flor, e mais uma vez o 'parabéns pra você' surge como uma lógica na tua vida: PARABÉNS PRA VOCÊ! Parabéns! É, de fato, uma data muito muito querida. Felicidades? Foi o que você nos trouxe desde o primeiro momento e de um modo tão verdadeiro que alguns de nós levaram um tempo para assimilar. Você um dia há de nos perdoar, mas é que não estávamos acostumados a tanto. Até sonhávamos, contudo, a ilusão era pensar num lugar perfeito, mas distante, cheio de flores e estrelas a cintilar. Porém, esse lugar nós o encontramos todo dia...é tão simples e tão perto! Com todos os humores, cores e paisagens diferentes...esse lugar, florzinha, é o teu abraço.

Que Deus te abençoe, te proteja e te ilumine sempre, minha amada filhinha do coração!


Magna Santos