_ E aí, Freitas? Arrisca o placar de hoje?
_ Hein?!
Tentava emendar uma resposta, mas o resultado era sempre desastroso. Cultura nenhuma de futebol, interesse nenhum e sabedoria pior ainda. Não escapava das furadas, das demonstrações de que aquele mundo não lhe pertencia. E o que conversar, então, em época de Copa do Mundo? Arriscava:
_ Rapaz, encontrei o vinil do Fagner com aquelas músicas: Dois Querer, Vento Forte, lembra?
_ Hein?! Ah, tá. Sim, sim, lembro... Outro dia vi uma reportagem sobre ele. O cara é amarrado em futebol, adora uma bolinha. Só não estou lembrando agora a posição que ele joga...parece que é no ataque. Tu sabes?
“Deus do céu, que tormento!” – pensava. “Como vou fazer agora em plena copa do mundo?”
Decidiu mudar o enredo, melhor, decidiu se adequar a ele. Comprou revistas de futebol, leu todas com o mesmo apetite que revisava os balancetes do prédio. Apesar da insegurança, sentia-se um pouco mais preparado.
_ Freitas, estou reunindo alguns amigos lá em casa amanhã para assistirmos ao jogo do Brasil. Quero a presença de vocês lá, ok?
_ Fechado, Alfredo! – disse com uma certa alegria, pois iria entrar de vez para o time dos torcedores.
Alfredo era seu vizinho de baixo, talvez o mais entusiasmado por futebol que já conhecera. Era o “Armário”, como muita gente o chamava, apelido ganho por causa do porte gigantesco, um verdadeiro contraste com ele: o “Magro”, como também era chamado pelos mais chegados.
Animou-se verdadeiramente, mas jurou não dar vexame. Observaria tudo, vibraria, até xingaria se fosse preciso. Chegou primeiro do que todo mundo, inclusive, do dono da casa. Alfredo atrasara no trabalho e só chegou no Hino Nacional; não quis nem trocar de roupa, ficou daquele jeito mesmo: calça e camisa sociais, com sua respectiva caneta no bolso, sapato social etc. Fazia parte da superstição não trocar de roupa, depois do time entrar em campo. Porém resignara-se, estava animadíssimo.
A esposa do Magro não acreditava no que via. “Quanta animação!” Não reparava que a animação do marido era guiada pelo anfitrião. Sentado ao lado de Armário, estava lá, esforçando-se ao máximo para tomar gosto pela bolinha. De soslaio, ele respondia a tudo, imitando o vizinho. Levantava-se com os punhos fechados, gritava, xingava o juiz, até reclamava do escanteio não marcado, um verdadeiro torcedor. Primeiro tempo, intervalo, segundo tempo e todos lá: sofrendo. “Ô Brasil pra maltratar!”, diagnosticava com muita sinceridade, afinal, ainda faltavam 45 minutos.
Por diversas vezes, o Magro teve sustos com os gritos dos mais entusiasmados e gritava também, já no reflexo.
Chegou o momento que todos esperavam e nos segundos finais do segundo tempo: GOOOOLLLL! Neste instante mágico, quando os corações dos torcedores unem-se à própria bola....todos pularam, mais que isto, abraçaram-se com efusão. Esposas com esposas, amigos com amigos, Armário com Magro...foi quando este escutou um “tec”. “Não pode ser, quebrei a caneta de Alfredo!” Ainda bem que o jogo estava no final, seria necessário ir, antes que o anfitrião notasse uma mancha azul se espalhando no bolso...o vexame seria grande. Alguns iam ficar para comentar os comentários, mas ele inventou uma desculpa qualquer e subiu.
Estava satisfeito com o próprio desempenho. Convencera a todos, tanto que já ficou marcado assistirem ao próximo jogo na casa de outro amigo. Mas agora pensando bem, inventaria um boa desculpa. Estava bom demais um jogo por Copa. Era muita emoção, muito susto. Tomou um banho rápido e resolveu deitar-se um pouquinho, estava muito indisposto, o corpo parecia gemer.
_ Ai ai! – gemeu ao deitar-se - AAIIIII! - gritou.
_ O que foi, amor?
_ Não sei. Ai ai! – mão no peito.
_ Meu Deus, será que é um enfarte?
_ Deus me livre! AAAAIIIIIIIIIIIIIII! – gritou ao tentar levantar-se - Me ajude, amor! Me leve pro hospital.
Rapidamente, ou no tempo que deu, chegaram à emergência mais próxima.
_ Onde dói?
_ Aqui doutor.
_ Aqui?
_ AAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII!
_ Raio X.
O atendimento durou apenas o tempo de um intervalo. Em meia hora estavam em casa com o prognóstico e a desculpa que ele precisava: repouso. Motivo? Duas costelas quebradas.
Este vai para todas as pessoas que não gostam de futebol, como meu amigo "Magro" e pras que gostam também, como Dimas Lins - tão tricolor que criou o blog Torcedor Coral, antes mesmo do Estradar. Ou seja, dois legítimos representantes do que faz uma bola na vida do sujeito.
Magna Santos
*Qualquer semelhança com esta história, não é mera coincidência. Ela é baseada em fatos reais, com exceção dos nomes dos personagens, onde dei uma tapeadinha.