quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Adeus, 2010

Sorrirei pétalas de flores, chorarei lágrimas de champagne e pularei sete vezes em nome do teu sucessor.

Depois...ah, depois...
Depois não sei ainda.


Só me resta mesmo esta paisagem. Este balanço, esta sombra e a despreocupação com o amanhã.

Só me resta este cajueiro e minha rede. Eis o que tenho para ver nos próximos dias.


Estou de férias, amigos. As palavras repousarão em minhas mãos por alguns dias. Balançarão comigo e voltarão
no final de janeiro, se Deus quiser, para uma nova plantação.

Obrigada pela companhia carinhosa. Que Deus abençoe a todos!
FELIZ 2011! Um ano cheio de poesia para todos nós!



Magna Santos

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Ah, essa época natalina...!
Há quem se estresse
Quem alivie a própria consciência
...
Há quem se limpe
Se suje
Há quem mate
Quem compre
Há quem pare
Pragueje
Há quem se arrependa
Aprenda
Há quem espere
Hesite
Há quem resista
Odeie...

E há sempre Ele...
Sempre haverá

Ensinando a não mais se esperar pelo Natal
para
Serenar
Limpar
Sujar
Criar
Seguir
Sussurrar
Agir
Ensinar
Fazer
Decidir
Obedecer
AMAR.


Feliz Natal! Que Jesus abençoe a todos!


Magna Santos

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

PASSOS

No dia que foste embora
Pegadas ficaram em mim
Nada de apenas chorar
Queria-te vivo, seguindo-me os passos

Aconselhei-me com o vento
Que redemoinhou, respondendo

Levantou casas
Peito
Bolas
Foi-se embora chupeta
Carrinho
Canção
Foi-se embora
Carinho
Confeito
Algodão

Foi-se embora, pai

Restou-me tua esperança de caminhar...
Embora descalço
Embora cansado
Embora, pai

Peço-te a permissão
De calçar-me
Nos teus passos
É tudo o que tenho:
Teu querer
Meu querer
Nossos laços

E quando um dia
De novo
Te encontrar
Levarei crisântemos colhidos
No monte alto
...
Para onde subirei
Calçando teus sapatos


Para Dimas Lins

Magna Santos

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

NA BANGUELA*

Acostumei-me a responder com raiva às minhas tristezas. Parada num abismo ou numa encruzilhada, deparo-me com incômodas faltas próprias, falhas compartilhadas e cobranças diversas. O cansaço se espalha invasor, tomando territórios, antes destinados ao sonho, ao devaneio criativo. A vontade de escrever não resiste ao peso nos ombros e nos olhos. Necessário trincar os dentes, não apenas para aguentar o tranco, mas para ter forças. A ATM já reclama, meu coração reclama, minha mente também. Assim, melhor parar de queixumes e olhar de frente o abismo...conversar com ele. Foi então que ouvi ao meu lado (quando os ombros pesam, teimamos em só olhar para baixo...ilusão):

_ Magninha, tu podes ir ver o Lenine no dia do meu aniversário? Quero os meus amigos comigo.

_ Claro.

Fomos lá: uma penca de amigos e o restante dos milhares sentados em suas poltronas à espera da atração da noite. O congestionamento rendeu mais de meia hora de atraso, porém as luzes foram apagadas e o palco ganhou outro charme, outra cor. Difícil explicar o que se passa no coração, quando constatamos aquele ganho inusitado, aquele estalo que diz: "meu Deus, é isso! Estou no lugar certo com as pessoas certas".

O sorriso de minha amiga valia dez shows e fiquei pensando que algumas pessoas realmente nasceram para serem pontes, fontes de união, de paz, de alegria. Isto dá uma esperança danada que renova, que trata, dá um chute de bico nas reclamações.

"Quem vai virar o jogo
E transformar a perda
Em nossa recompensa"

O pernambucano arrepiou a cearense:

"Tá relampiano
Cadê neném?
Tá vendendo drops
No sinal pra alguém"

Das faltas que me sobravam, das cobranças que me atordoavam, uma necessidade ele lembrava, quem sabe, uma sugestão:

"Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara..."

É mesmo, Lenine, muito rara. Por isto, aproveito para comunicar: eu vou é na banguela, amigos.


Magna Santos

*descer a ladeira sem engate de marcha nem força, só no embalo do vento, da descida.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

SÓ FLOR


A cabeça anda cansada, já não aguenta tanta tecnologia. Liga o monitor e aquela dor rotineira a visita. Os livros andam com as letras cada vez menores. "Melhor rever os óculos, devem estar desatualizados", teoriza para si mesma. Mas o fato é que não aguenta nada, absolutamente nada. Cansou de pensar. E foi aí que pensou como seria um dia sem pensar:

Um dia onde as gotas de chuva pudessem inundar o quintal e ela nem percebesse a juriti procurando o ninho encharcado.

Um dia onde as contas voltassem pro remetente e este se encarregasse de quitá-las, pois o destinatário estaria num destino impensante.


Um dia onde dormisse horas a fio e quando acordasse nem lembraria de existir, simplesmente, seria.


Um dia onde as pessoas não precisassem de conselhos nem lhe procurassem para respostas.


Um dia onde vomitasse todas as dores e não lhes retornassem ao apetite.

Um dia onde escorregar no erro fosse normal...sem culpa, sem dor.


Onde as lições fossem bem-vindas e os fracassos, festejados como marcas da tentativa.


Um dia onde os sorrisos fossem fora do comum...feito bobos, loucos, pouco convencionais.

"Ah, razão que aprisiona os sentidos!"

Um só dia...


Um dia:
onde, porque o quando não tem lugar para quem não pensa.

Um dia sem regras gramaticas nem ortográficas para não se obrigar a ter ideias sem acento...

Sim, um dia sem idéias.

Só flor, fruto e cor.



Magna Santos

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

À DERIVA

Depois de alguns dias sem postar em Sementeiras, olho para esta terra e vou lendo os comentários que me nutrem com aquela sensação esquisita de que minhas palavras chegaram a alguém, por algum motivo. Às vezes queremos nos perpetuar de algum modo. Nascemos com uma espécie de sina para o desejo da imortalidade, vai ver que é a herança da real, vai ver que é o medo da morte, quem sabe. Enfim, deixemos de mas mas mas. Lembrei-me agora do que me perguntou o meu cumpade este final de semana, enquanto eu conversava com o seu compadre sobre assuntos, digamos, da existência humana: "vocês beberam o que mesmo, hein?". Isto, às 7:00h da manhã. Tenha dó! Antes que eu pudesse responder, fui salva pelo meu parceiro: "você pegou a conversa pela metade". Ufa!

Assim, antes também que me perguntem a mesma coisa, é bom aqui esclarecer que este não pretende esclarecer nada especificamente. Bom seria eu ter o talento de Samarone Lima para falar de tudo displicentemente e terminar de modo charmoso, dizendo que não falou de nada, que está meio disperso e ainda escutar dos seus leitores: "você me fez feliz". Ah vidinha mais ou menos!

E por falar em querer, eu queria mesmo era ter a capacidade de me duplicar para atender aos chamados do coração. Como não responder a uma criança que me chama: "tia, você vai para minha formatura? E para o aniversário do meu irmão?". E pergunta à mãe, esperançoso: "mãe e se tia Magna for de surpresa, pode?". Ai, meu Deus, eu queria ter poderes, porque não é todo dia que isto acontece. Lembro que na minha formatura do "abc", eu estava tão nervosa, quanto os meus cabelos que se soltaram, por não se conterem em uma presilha pequena. Toda assanhada, estiquei meu dedo para que meu tio - avô daquele pequeno - pudesse me apadrinhar. Há momentos realmente raros.

Raridade é também ver um médico comprar um terreno apenas para salvar uma centenária timbaúba, ameaçada por um inescrupuloso, capaz de derrubar dezenas de suas irmãs. Um terreno com um único pé de timbaúba: esta é a prova do bem querer.

E uma mulher ainda grita no GPS: "recalculando a rota" e fico a me perguntar quantas vezes recalculei a minha. Por isto, amigos, antes que eu escute aquela pergunta novamente, devo dizer: hora de almoço, estou apenas tomando um cafezinho e tentando recalcular os meus dias, plantando algumas palavras nesta terra pequenina. Perdoem-me pela dispersão, como diria Samarone.

Fico aqui, no início desta tarde, à espera que um pequeno possa me tirar da lua, enquanto me lembra Gullar:
"Uma parte de mim
Pesa, pondera
Outra parte
Delira"

Magna Santos

terça-feira, 2 de novembro de 2010

ROSAS VERMELHAS

Nada a dizer sobre o dia de finados
Eles também se alegram pela luta encarnada
Restauro-me na alegria da vida
Reinventada nas ruas
Pés pulam felizes ante a festa de cores

Sim, somos adeptos da alegria
Irmã da esperança
Companheira da doçura

Entre soluços de alívio
O número dos indecisos
Dos convencidos
Do pessimismo
Vêem o jornal nacional

Nada há a dizer
Só respeito
Compreensão

E pensar mais um poema de Quintana:
'Esperança'

A todos os que acreditaram
Fica a decisão tomada
E não renunciada
O trabalho assumido...

A todos os que fizeram a cena
Uma questão a lembrar:
Somos parte da história
Daqui a séculos seremos indicados:
"Os "loucos" continuaram no poder
Festejaram bolinhas de papel
Como crianças
Pintaram de vermelho as ruas
Efeminaram a alvorada
Ostentaram rosas ao invés de punhos fechados"

Sim, fomos nós
E quem mais?

Viva o povo brasileiro!


Magna Santos

domingo, 24 de outubro de 2010

SARAU NA BIBLIOTECA POPULAR DO COQUE

Conheci a menina-ponte no último dia 22. Ela chegou acompanhada de amigos e mostrou o caminho, onde iríamos encontrar poesia, gente e sorrisos. À entrada da rua, foi saudada como só as crianças o fariam. "Tia, tia, tia!" Abraços e mais abraços dá pra conter a euforia e contagiar os reles acompanhantes que, de tão aéreos, não conseguiam atinar para a profundidade da rua. Namorados se abraçavam na calçada, outros conversavam, mas a calçada ali resgatava o significado perdido em muitos lugares: encontro.

A fachada da biblioteca é só cores e figuras felizes de um azul que não está longe do céu. À entrada, as poesias batem nos nossos narizes, dependuradas pelo telhado como se fossem as próprias goteiras congeladas, só que, dessa vez, sortiam de beleza o espaço todo criado pelas crianças. Muitas queriam mostrar a sua:

_ Ler esta!
_ Aquela é dela.
_ Acho linda esta.

E assim fomos respirando, respirando...
Sem fôlego, fui suspendida do chão por uma pequenina vivaz. Outro chegou por trás para ajudar a amiga. Ambos tentavam me levantar, como se, de fato, eu já não estivesse nos ares. Alegria, em forma de pulos, era necessário para também mostrar as fotos aos visitantes:

_ Olha eu ali!
_ Onde?
_ Ali, ó!

Sim, ela estava ali e ali e ali. E eu não sabia em que lugar ficar, visto que queria estar em todos.

Chegando a hora do sarau, vimos meninos se apertarem para ouvir o que os adultos nem sempre estão dispostos, mas que uma caixa de som bem que encurta o espaço, quando se quer.

Em plena rua, Zé de Guedes nos presenteou várias vezes com seus poemas visuais, sonoros e contundentes. Fez sucesso com sua simpatia, seu "urubu-rei", contagiando todos nós e sendo também surpreendido pelo acolhimento espontâneo e festivo dos pequenos. Fabiana Coelho - a menina-ponte - com seus arquivos poéticos, declamou outros tantos e os meninos...ah, os meninos...

_ Tia, tia, me dá uma poesia, tia!

Como não se emocionar com tamanho pedido? Como não pensar que o mundo, onde crianças pedem poesia só pode crescer e crescer bem? Que explodam todas as teorias pessimistas, todas as visões preconceituosas, todas as manchetes estigmatizantes. Betânia, que persevera naquela biblioteca com o coração mole e os pulsos firmes, nos informou das crianças como quem falava dos próprios filhos. Sim, filhos às vezes dão aperreio, às vezes preocupam, mas acreditá-los é fundamental. E ela acredita.

Tive a honra de "declamar" ("Fabiana, eu não sei declamar") um dos poemas com um menino esperto, de olhos atentos, de mãos apressadas e de voz inquieta. Tales e eu abraçados permanecemos enquanto perguntávamos o que era poesia aos demais. E agora vai uma resposta possível:

Poesia é ver Drummond e outros mestres repousarem em estantes da periferia
É encontrar pessoas, cuja crença num mundo melhor faz parte da prática
Poesia é sentar na calçada, escutando canções, histórias, poemas e tantas risadas
É receber um abraço e uma declaração de uma menina recém conhecida: "eu gosto de você"
Poesia é ser alçada por uma criança de 3 anos em plena biblioteca.

Sim, Ester, eu também gosto de você e meus pés ainda estão fora do chão.

Para Fabiana Coelho, Betânia e todos os meninos do Coque.


Magna Santos

domingo, 17 de outubro de 2010

CORES

Adormeci nos meus próprios calos
Fiz deles travesseiros

Empoeirados

Escutei uma cantiga de ninar que não existia

Delírio, talvez


Acordei à tardinha

...

Ilusão


Não tenho nada mais a dizer

A não ser sobre as cores do sol poente

Novas considerações

Algumas dolorosas

Penosas

Outras viçosas...

Todas reais


Antes a realidade

Que o céu pintado a mão

Prefiro as tempestades

À bonança comprada

A peso de ouro


Prefiro a chuva fria

Ao abrigo que acorrenta.


Magna Santos

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

VAI PASSAR

O medo agora tem cor, cheiro e endereço. Deixou de ser algo inodoro, invisível. O monstro subiu do porão e começa a arranhar a porta, querendo entrar. Conheço o seu jeito não é de hoje e mamãe teima em me dizer: "vai passar, filha, vai passar". Será?

Sei não...das outras vezes que arrombou minha porta, fez um estrago daqueles. Pintado de azul e amarelo, com um grande bico e a fome maior ainda, manteve-se aqui por exatos oito anos, entregando tudo o que eu tinha aos transeuntes. Vi aos poucos minha casa esvaziada. Perdi o viço e, desde esse tempo, tomei horror a ele, eu que já temor o tinha. Lutei, com todas as forças das minhas mãos pequeninas, para expulsá-lo de dentro, mas inútil. Ele entrou e tomou gosto pelo meu cantinho.

Agora está querendo voltar, após oito anos tentando me recuperar. Decerto, minha casa ainda não está como quero, falta muita coisa...mas, logo agora? Logo agora, quando minhas mãos já sabem plantar coisas melhores, já ensaiam algumas notas musicais. Logo agora que minha casa permanece mais serena, que meus vizinhos me respeitam mais. Logo agora que pensava em enfeitar o jardim... Logo agora?

Mamãe continua me dizendo: "vai passar, filha, vai passar". E aí me lembro, em flashes, de uma lenda antiga, contada na hora de dormir. Falava que, certo dia, o rei lançou um desafio: quem seria capaz de criar uma frase apropriada para ler na hora da tristeza, como também no instante da alegria? Muitos foram as tentativas de todos os plebeus, contudo a única que calou o rei foi exatamente esta: vai passar.

Assim, seja qual for o resultado dessas minhas noites aterrorizantes, seja qual for a força do monstro com suas unhas perseverantes, terei como escudo, de fato, o ninar de minha velha mãe: "vai passar". Por ora, asseguro: minhas pequenas mãos continuam tateando o trinco da porta e fechando e fechando e fechando...


Magna Santos

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

NERD

Quando se passa muito tempo no computador, os olhos são a primeira coisa que incomoda: ressecam-se, ardem e a vontade de fechá-los chega ligeiro.

Quando se passa muito tempo no computador, a cabeça cansa, os neurônios não sossegam. Ou sossegam demais?


Quando se passa muito tempo no computador, perde-se aquela companhia, aquele programa ou aquele papo com a mãe, que sozinha assiste aos últimos capítulos da novela. Que novela?

Quando se passa muito tempo no computador, corre-se o risco de pegar vírus. Sim, a corisa chega, a moleza também. Uma gripe simples, mas chata.


Quando se passa muito tempo no computador, toda palavra é lida com um peso fora do comum, uma atenção ligeiramente digna de uma lei, uma esperança exageradamente tenaz.


Sim, quando se passa muito tempo no computador, esquece-se daquele criado-mudo que deita o livro já há alguns dias.


Quando passa muito tempo, a comida azeda, o leite corta, o rango esfria. O amor esquece. A saudade chega. A noite vem. O dia custa chegar.



Magna Santos

domingo, 26 de setembro de 2010

PEQUENOS RECORTES DO MEDO

"Boi boi boi
Boi da cara preta
Pega esta menina que tem medo de careta"

_ Deixa eu dormir com vocês, mãe
_ Não, filha, vá para o seu quarto

_ Mas é escuro...

_ Por que papai está demorando?

Preciso aprender matemática.

E se a turma não me aceitar?

E se ele não me quiser?

Não posso perder este emprego.

E se o nosso amor não der certo?

_ Vindo com saúde, tanto faz menino ou menina.

_ "Boi boi boi...pega este menino que tem medo..."

E essa febre que não baixa...

_ Cuidado, filho, você vai cair!

Meu Deus, ele vai sofrer.

Eu não quero ficar sozinha.

Não quero morrer.

_ Meu Deus, quanta eternidade!



Magna Santos

terça-feira, 14 de setembro de 2010

PEDRAS E JASMINS

Que estado d'alma é esse?
Alguém responda
Que estado d'alma
É esse que traga
Qualquer desilusão?

Que terreno é esse
Que meus pés não tocam?
Suspensos no ar...
Ou seria outro espaço?
Afinal, onde estou?
Por que não me encontro
E te encontro tão bem?

Um raio de lucidez
Permanece
Adormecido
Alguém lhe deu sonífero
Fui eu!

O medo que amarrava minhas pernas
Foi quebrado pelo vento
Afinal, o que não sei?
E o que sei?
Não passaria pelo detector de mentiras
Ou passaria pelo detector da verdade

Quero ser as pernas de tua cidade
Quero ser os braços das alamedas que amas
Quero sorrir para o sol nascente do campo
Quero me abrir junto com as janelas que vês
Ser igual as pontes que te levam

Mas, enquanto não posso
Inteira ser para ti
Me faço em pedaços
Humildemente em palavras
Em sorrisos nervosos
Esperando um acalanto teu
Um verbo, um sinal...
E chegar de mansinho
Me instalar num cantinho
Entre pedras e jasmins
Rosas e borboletas
E ser feliz
Contigo.


Magna Santos

Escrito em 2005

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

NOÉ FEIRANTE*

Seu nome é Noé
Já não precisa de mulas, barcos, nem dilúvio

Seu ajuste é com os caibos que alinha dia-a-dia

Na barraca itinerante

Persegue o sol que acorda nas manhãs

Adoça a vida com fruta e açúcar

Escuta os ruídos do mundo com ouvidos viajantes

Ele é Noé

Seu tabuleiro hoje reúne doces gêmeos...

Provas de um mundo fecundado

E ainda consegue se equilibrar com seu boné de gigante


Sim, ele é Noé!



Magna Santos


*A publicação da foto do Sr. Noé foi gentilmente autorizada pelo conterrâneo Pachelly Jamacaru, cujo blog é um rico sortimento de beleza. Obrigada, mais uma vez, amigo.

sábado, 4 de setembro de 2010

INCONFORMAÇÃO*

Queremos ser outro
Residente no imaginário
Este aqui de carne e osso
E veias
E sangue

Ah, este é mesmo o que pulsa e se movimenta

O outro...parado
Estático
De nada
Permanece adormecido no fundo da lagoa
...
E espera que um belo dia
Possamos tirá-lo de lá
Quando, enfim, nos afogaremos.


Magna Santos

*Escrito após a leitura de um poema do grego
Konstantino Kaváfis, publicado no blog Quemerospoemas de Samarone Lima.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

ONTEM

Ontem dei carona a dois, mas apenas uma ocupou o assento, o outro esperava na barriga a hora de chegar, depois apareceu nos meus sonhos como quem não quer nada e propôs intermináveis interpretações.

Ontem a Esperança me ofereceu água, eu recusei. Já estava idosa e não convém incomodar os mais velhos, melhor foi pegar sua bolsa no colo e deixá-la mesmo em pé para descansar. Ah, esperança esperança... Esperança tem filha, descobri. Ambas verificavam a saúde na mesma sala que eu.

Ontem foi o dia de ver um pijama para alguém que ainda não nasceu. Era verde, de cetim e seu brilho condizia com os olhos da mãe.

Ontem tentei medir um caixote para brinquedos, mas a fita métrica era incompreensível as minhas necessidades e desejos. Talvez um baú coubesse melhor, quem sabe uma grande caixa, mas o espaço me obrigou a pensar menor.

Ontem senti bobagens por causa da impaciência e, inevitavelmente, concluí: a água da Esperança me faltou.


Magna Santos

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

REPUBLICAÇÃO

Sementeiras nunca republicou nenhum escrito, mas hoje, quando completa dois anos de existência, em vez de coisas novas, gostaria de compartilhar um poema antigo que os leitores mais recentes talvez não tenham tido oportunidade de lê-lo e ao qual dedico especial carinho. Mantive a forma original, apesar do perfeccionismo me dar muita vontade de modificá-la. Na verdade, meu coração, depois que o escolheu, sofreu por outros que lhe são por demais preciosos, como é o caso de Super-herói de botas e tantos que falam dos meus amores mais caros, outros que retratam encontro com gente "desconhecida" numa Sala de espera ou as muitas palavras que saíram quase num suspiro ao ver as fotos do generoso Pachelly Jamacaru, como foi em A menina e o espelho da serra, lembrando-me também Quando as palavras salvam. Contudo Doce Teté teimou em permanecer e aqui fica, porque não tenho mais energia para resistir.

Teté foi uma pessoa que cuidou um pouco
da minha infância, a quem se poderia nomear de babá, mas não, eu a chamava simplesmente de Teté e ainda a chamo, apesar da distância e da minha ausência desleixada. Agradeço a Deus por tudo e a vocês o meu muitíssimo obrigada por todas as sementes, por toda a plantação partilhada até aqui. Muito em breve teremos escrito novo. Que Deus continue abençoando a todos!


DOCE TETÉ

Lembro do cheiro pela casa
Impregnando as paredes de taipa

O chão de barro batido
Parecia vestido de rica cerâmica
O café me chegava tão doce
Como eram doces os sentimentos teus
E eu dizia satisfeita:
“É o melhor café que alguém já me deu”.
Café
Que pendia no pé da porta da tua casa
Café
Pilava pilava...
Preto como tu
Para uma branca como eu.
Acho que tenho a alma preta, Teté
Acho que ela foi pintada por ti
Enquanto eu tomava café
Enquanto tomavas conta de mim

(E mamãe nem percebeu
Foste esperta: nem ela nem eu).

Hoje tenho a negritude
Que nem o candeeiro conseguia espantar
Tenho a escuridão
Que graças a tua mão eu conseguia acalmar
Negritude, Teté
Que um dia, sem sucesso, a lepra te quis roubar
Negritude sadia
Quente, leve, destemida
Assim como teu café
Forte, doce...do pé.
Deste ficou o sabor
Guardado na minha lembrança
E de ti, a minha crença
Que tenho com emoção
De que a tua negritude
Está passada e registrada
Pintada no meu coração.



Magna Santos
*Escrito em 10 de novembro de 2003.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

CAMPANHA POR BIBLIOTECAS VIVAS

_ Mãe, tô indo. Vou pra biblioteca.

Avisa o pequeno José, antes de sair de casa, uma entre centenas de residências que se aglomeram como uma espécie de quebra-cabeças da periferia. Tem sido assim a rotina de muitos dos que moram no Coque, contrariando o preconceito dos distantes.

Embora não participando do trabalho, sei que, há muito, os livros passeiam nas mãos de meninos, meninas, adolescentes, pessoas de todas as idades, mães que aprenderam a ler ali.
Cores, jeitos, cheiros de uma gente humilde que Chico Buarque e Vinícius de Moraes bem souberam cantar, mas que poucos de nós sabem sentir. Sim, é possível, mais que isto, é real. Realidade que combina com cada página vertida nos olhos curiosos e aguçados de uma moçada que, tempos atrás, não teria oportunidade da leitura, se não fosse pela força dos iguais que traduziram desejos em livros. Várias bibliotecas comunitárias foram criadas no Recife e região, unindo-se em uma rede organizada que abre agora sua segunda campanha, não mais para pedir livros, porém dinheiro para garantir a infra-estrutura dos prédios, os quais andam necessitando de recursos, serviços básicos, como um retelhamento na Biblioteca Popular do Coque, por exemplo. Além de dinheiro, equipamentos e propostas para trabalhos voluntários também são muito bem-vindos e necessários.

Assim, venho pedir aos poucos, embora caríssimos, leitores do Sementeiras que acorram a esta campanha e ajudem a manter esta gente boa aprendendo que a palavra Cidadania vale sempre a pena.

Para ajudar com dinheiro:
Caixa Econômica Federal
Agência: 2193

OP: 003

Conta corrente: 544-5


Para mais informações:

(81)3244-3325 / (81)8850-5507


Para conhecer mais:
Rede de Bibliotecas Comunitárias da Região Metropolitana do Recife
Biblioteca Popular do Coque
E para sentirem mais o trabalho, leiam as palavras poéticas de quem realmente participa e não de quem apenas sabe dele(como eu), escritas por Fabiana Coelho(Luna Freire) em Palavras-pontes, com destaque para 3 textos-poemas: Os Sonhos de Alexandre, Das Aprendizagens e O pequeno André.

Faltou dizer: para quem ainda não sabe,
a campanha é da Rede de Bibliotecas Comunitárias e congrega uma boa penca de blogs na tentativa de realmente atingir o máximo de pessoas. Sementeiras é só mais um nessa leva.

Que Deus abençoe a todos!



Magna Santos

domingo, 15 de agosto de 2010

"UMA NOITE EM 67"

A telona realmente nos presenteia com belezuras dignas de serem repassadas. E isto mais uma vez aconteceu quando me sentei naquelas cadeiras da Fundação Joaquim Nabuco, dias atrás. "Uma noite em 67" é o título de um documentário(de Ricardo Calil e Renato Terra), cujo propósito evolui à medida que vemos. Ponteio, Alegria Alegria, Roda Viva, Domingo no Parque...nos trazendo de volta tempos que a música brasileira era instrumento de resistência, de liberdade, de inclusão, de lucidez, de revolução. Tempos que a plateia era outro artista a mostrar suas criações, sua opiniões, talvez o único espaço onde a voz da maioria valia alguma coisa, uma coisa é certa: fazia barulho. No auge da ditadura militar a opressão marcava presença constante.

Já quase saindo de cartaz, pois já é a 3ª semana de exibição, alardiei onde pude, mas algumas linhas precisavam ser escritas, considerando a beleza do documentário. A película é primorosa. Poder recuperar imagens faz realmente um bem danado à humanidade, ao menos, à minha humanidade. Há momentos na história que não se pode apagar e ter registrado é mais que necessário. Senão, como avaliaríamos o temor de Gil, senão vendo-o antes de subir ao palco? Nem mesmo sabendo da bebedeira, nem escutando-o falar sobre o motivo nos daria a real dimensão do ocorrido. Como perceber o "abuso" de Chico Buarque para com o rótulo de mocinho(estrategicamente ansiado por quem organizava o festival e também pelos milicos)? Como avaliar o magnetismo de Caetano, senão o vendo domar uma multidão senhora da vaia, embora algumas palmas, de fato, víssemos competitivas? Como não desejar que Nara Leão, Elis tivessem dito alguma coisa? Como aprender a técnica para se livrar de um "linchamento": 'absurdo, absurdo'? Como não enxergar a emoção nos olhares de Edu Lobo e Marília Medalha? Como não refletir nas mudanças que a vida traz? Mudanças de opinião, de gestos, de posição, de lado, de escolhas políticas...Caetano e Gil que o digam (ou não). Sim, como não questionar, se questionar?

Deu vontade de ser bem mais velha para ter vivido aquele tempo, mas, na verdade, nem era nascida, talvez, quem sabe, desejada. E entre desejos e anseios, fiquemos com a conclusão inevitável de um jovem de 23 anos, que ainda hoje merece toda nossa admiração:
"Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração..."


Magna Santos

Cinema da Fundação Joaquim Nabuco

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

ESTRELA-GUIA

Vi um menino aprendendo a andar, pisoteando no ar em busca de equilíbrio. O pai lhe falava: "isto, filho, isto! Venha, meu menino, vamos". Mãos pequenas seguravam uma imensidão de alegria. Estava seguro. Na verdade, ali nem sabia o que era insegurança. Não aprendera ainda esta palavra, nem conhecera esta sensação, a não ser na hora do parto. Desde que sua mãe lhe segurou, pronto, o mundo havia voltado, se aquietado, posto fim aquilo tudo que ele não sabia nomear, mas que o expulsava de um lugar tão quentinho...

Estava ali agora, noutro lugar quente, seguro: as mãos do seu pai.

O gramado lhe convidava a correr, mas não podia ainda. Dois passos e buft. Às vezes, até achava engraçado quando caía, mas os olhos maternos aumentavam tanto de tamanho que ele intuía ser algo perigoso. E o pai: "levanta, filho, vem cá!". Então ía cheio de vontade.


O sol lhe aquecia a pequena cabeça. As mãos lhe seguiam também os passos e os pés lhe pareciam tão preciosos que, vez ou outra, tinha a vontade de retomá-los na boca. "Pare com isso, meu filho!".

Brincadeiras na tarde inteira - ele e o pai - fizeram o relógio correr e o mesmo sol deitou-se para dormir, colorindo diferente o céu, antes tão azul. Que mundo grande este! Enorme! Terra de gigantes!

E o pai a lhe rodear os passos, aproveitou para lhe mostrar a primeira estrela. E ele, menino, a enxergar duas estrelas bem grandes...nos olhos do pai.


Magna Santos

sábado, 7 de agosto de 2010

ANTES QUE CHEGUE DOMINGO

Antes que chegue domingo, eu queria te dizer que aquela dor passou. Não tenho mais raiva de ti, não acordo mais chorando por não conseguir te ver, nem forço a mente para recordar os detalhes do teu rosto.

Não lamento mais teus cabelos não terem branqueado, nem tuas mãos, enrugado. Não. Algumas rugas já começam a me aparecer, dizendo-me que é bom, mas nem sempre necessário.

Sim, pai, estou aqui. Me acostumei a dormir sabendo da tua existência.

Antes que chegue domingo, quero te dizer que sempre te espero, mas não no presente. Te espero no futuro, quando meus pés tiverem caminhado o suficiente e os teus puderem voltar. Te espero no futuro, quando minhas mãos virarem vento e tiverem calos de uma plantação, espero, produtiva.

Te espero naquele dia que um dia há de vir. E, mesmo que não seja um domingo, te abraçarei com amor ao te ver ao meu encontro. E minha cabeça branca sorrirá, quando vir, surpreendentemente, que a tua também branqueou.


Magna Santos

quarta-feira, 28 de julho de 2010

DOCKSIDE


Julho chega ao final com uma rapidez digna de fevereiro. Nem deu tempo de ver o Bem Amado, mas vi Plano B e lembrei que dificilmente tenho um. Até plano B é passível de falhas, pois a vida é cheia de surpresas. Lembrei que quando os pequenos desejos e sonhos não são realizados no tempo que queríamos, talvez tenhamos outra oportunidade de fazê-lo. Talvez, quem sabe.

Nem todo adolescente tem chiliques, rebeldias, exigências materiais. Os sonhos são comuns, desejos, anseios, perguntas mil. E eu, na época, apenas queria um dockside. Não era bem "apenas". Desejava muitas coisas, mas me via constantemente estacionando os olhos nos pés de uma das amigas e ficava lá imaginando como deveria ser confortável. O desconto do colégio, conseguido graças ao bom desempenho escolar, era fundamental para me deixar naquela escola, como também para me colocar os pés no chão, sem dockside mesmo, estava ótimo! O meu sapato era maravilhoso para correr até o ponto do ônibus. Pra que outro?

Pois bem, nesta altura da vida, sem ter que responder a tantos "pra quês", ontem adquiri o meu dockside. O vendedor riu com certo desdém, quando confessei ser meu sonho de adolescente. Eu nem sabia que ainda existia. O sonho não, o dockside. E como sonho só vale se for colorido, calcei algo assim vermelho e rosa e saí por aí. As sapatilhas usadas guardei na mesma embalagem do meu sonho e os coloquei nos pés. Foi quando percebi que quando calçamos mesmo os nossos sonhos, andamos seguramente mais confortáveis e, sem dúvida, é inevitável pular de alegria.


Magna Santos

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O LOUCO EMPOEIRADO

Costumava ler Gibran* como quem lê gibi, por diversão, até o dia em que parou no Louco. Viu-se nas ruas como o personagem a gritar e encontrar o sol sob os olhares perplexos da multidão. Viu-se como em uma miragem. Assustou-se! Jamais poderia dar-se ao inusitado, era contido demais, previsível demais. Nunca mais leu um livro sequer do poeta, nem O Profeta foi capaz de seduzi-lo. Nada.

Detestava surpresas e naquele dia, algo o angustiava. Os colegas de trabalho haviam prometido comemoração no seu aniversário. Logo ele que não era chegado a festas?! Deus do céu, nunca teve tanta vontade de faltar ao trabalho como naquele dia. Maldito aniversário que chegou. Poderia ter demorado um pouco mais. Pelo menos até se ambientar melhor no trabalho ao ponto de recusar qualquer convite sem perigo de ser classificado como esnobe. Agora estava sem saída. Teria de aceitar toda graça, qualquer cumprimento e festividade. Este era o preço por ter apenas 28 anos, estar numa terra estranha e vir ocupar a vaga cobiçada de alguém bem quisto.

O elevador demorava horrores, finalmente chegando para umas dez pessoas entrarem. Último andar não é brincadeira, demora outra eternidade. Passa pelo corredor numa rapidez invejável a qualquer esportista. Chega finalmente à sala, senta, suspira, fecha os olhos, antes de abri-los assustados com a primeira batida na porta. Outro suspiro, era apenas a servente que havia atrasado a limpeza diária. "Esse dia demorará a passar", pensa. Cuidou logo de pensar uma desculpa para o almoço. E para noite? Não terá como escapar, todos já sabem que ele vai direto para casa, não conhece ninguém ainda na cidade. Ele, que costumava ter uma resposta pronta nos momentos mais delicados da empresa, enrolava-se numa situação tão simples. É um homem precoce para trabalho, ascendendo muito cedo e rápido, graças a sua competência, dinamismo e senso de oportunidade, mas era devagar demais para o restante. Todos sabem de muita coisa sobre ele, desde que sua avó, em uma das viagens, resolveu aparecer de surpresa na empresa e conhecer, por conta própria, todos os seus colegas. Que vexame! Todos riram gostosamente com as histórias da velhinha moderna, enquanto ele disfarçava um sorriso amarelo com mil motivos para a avó se ausentar rapidamente.

Enquanto se perdia nas lembranças, o tempo passava. Já estava acostumado a fazer mil coisas ao mesmo tempo, sempre foi assim. Sua mãe não entendia como ele conseguia e o motivo disto, afinal, tudo sempre foi tão calmo, tão parado na sua casa. O tempo era abundante, mas o menino desde cedo estava lá, querendo ser centenas de gentes, revirando outros tantos para fazer do dia um dia produtivo.

Enfim, as horas foram passando, as pessoas entrando e saindo para resolver também mil problemas, expor outras tantas situações. Era um dia realmente daqueles. O almoço foi reduzido a um cafezinho e sem companhia. Aliás, que companhia? Nenhuma recordação, nenhum sussuro sobre a data, nada. Nenhum telefonema, nenhum email. Absolutamente nada. Cadê a comemoração prometida? Cadê os parabéns pra você? Cadê o dia? Acabou. O céu se pintou daquele rosa peculiar ao pôr do sol, mas, olhos fixos, observava apenas a pilha de papéis sobre a mesa. Voltou sozinho para casa, sem gritos, sem sussuros, sem velas, sem.

E o Louco empoeirado, esquecido na antiga estante.


Magna Santos

*Gibran foi veículo de muitas preciosidades. Parece ter vivido o que escreveu ou, seria o contrário, escreveu o que viveu. O fato é que por causa do seu compromisso, chegou a se prejudicar para não ser incoerente, conforme livro de sua amiga Bárbara Young(Gibran, esse homem do Líbano). Fica aqui um link para quem ainda não o conhece e tem curiosidade.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

PESADELO

Silêncio
Eles dormem
Todos dormem

A escuridão lá fora...
Rodas em movimento
Postes se acendem
Mostrando o caminho
Esquinas e mais esquinas
Vazias de gente

Todos dormem

O pesadelo espreita aqueles que roncam
Assustam-se com eles
Eles se assustam

Os sonhos não são lembrados
Esquecidos
Ficam no sono
Como se não sonhassem
Como se desaparecessem
Ao dormirem

Silêncio!
Preciso de sono
Ou de um carro
Para chegar a algum lugar
Para me deter em algum canto


Magna Santos

terça-feira, 13 de julho de 2010

DESPERTA-DOR

As águas me levaram junto com as telhas, portas, janelas, paredes da minha casa. Nem parece que passei anos para construir o que tenho, tinha. Restou o despertador maluco a me avisar da hora veloz. Acabou tudo num instante, o instante do aperreio, do desespero, das crianças desamparadas, perdidas, dos velhos sem resistência para nadar, para subir nos lugares mais altos. Uma avalanche de água inundou nosso mundo. Falam que a tv mostrou tudo. Duvido. Não havia ninguém aqui, além de nós. Pensei em falar, mas novamente o despertador tocou na hora do choro, fazendo-me lembrar do muito por fazer. Por onde começar? Como?

Minha mulher já não tem o mesmo olhar de antes, minha filha descoberta chora, quando acorda em meio a cacos e adormece ainda procurando a boneca Soninha, levada pela enxurrada. À noite, a escuridão é pior, o frio também. Velas chegam nos caminhões. Escrevem-se neles 'rapidão cometa' para nos acalmar.

Entre lama e pedras, restos de tudo. Sobrou nosso olhar, nosso silêncio.


Vítimas se avolumam em abrigos improvisados. Pernambuco e Alagoas sofrem com a destruição nas últimas enchentes. Quem tem a oportunidade de passar pelas cidades sofridas, fala que os jornais não são capazes de transmitir a dor das pessoas. Olhos perdidos é o que mais se vê. Fica aqui os acessos à Defesa Civil de Pernambuco e mais sobre Alagoas. Neles há muita informação, inclusive, as contas bancárias para doações seguras, no caso dos que estão distantes.


Magna Santos

quinta-feira, 8 de julho de 2010

LUDOVICO

Esqueceram a cacimba no lugar
Mudaram as cercas
Cavaram a estrada de sulcos compridos
Estreitaram
Colocaram tijolos na casa de taipa
O olho d'água chorou
Distribuíram meninos em casas distintas
Quebraram a porteira
Plantaram flamboyant

O jasmim continua lá

A cozinha abriu-se em outra porta
Fecharam a janela
Aumentaram o alpendre
Nasceram mais meninos
A luz chegou
O candeeiro apagou
As estrelas diminuíram
As velhas rezadeiras também

O jasmim continua lá

Alguns pés já não marcam o terreiro
Outros tantos já nasceram
Outros seguiram
Cresceram

E o jasmim continua lá

Continua como continua
As ripas da casa
Como continua a mesma pisada
De quem não vive sem um aperto de mão
Um abraço
Um aceno
Um choro entalado na garganta na hora da despedida.


Magna Santos

segunda-feira, 5 de julho de 2010

MUDA DE UM PÉ DE SERRA

Após retornar de viagem, mais uma muda me chegou, primeiro lida ao telefone, para depois me vir às mãos. A voz quase entalou ao escutá-la, mas era também aniversário do autor e urgia eu terminar os parabéns para depois pensar no choro. Mais uma vez, arrisco-me a publicá-la sem autorização, pois tenho aprendido que emoção boa deve ser compartilhada. Aqui está, então, um dos acontecimentos que muita felicidade me deu nos útimos dias: a comemoração dos setenta anos de minha mãe, cuja oportunidade reforçou a gratidão pelo meu avô(meu avohai) - velho lunduzento muito amado, pela minha avó - mão amorosa, cuja semente cheira a jasmim - enfim, por todos os seus rebentos.

A emoção foi tamanha que me calou os dedos, daí tomar emprestado os do meu irmão (dizem que é primo) para explicar meu silêncio. Como ele já me disse que Sementeiras é também minha sala de visita, tomo esta liberdade. Obrigada, cumpade. Talvez, nos próximos dias, eu publique algumas linhas que saíram a pulso sobre o Ludovico - meu pé de serra mais caro.


PRESENTE DE ANIVERSÁRIO

Festa de aniversario era confraternização, era uma celebração pelos frutos de uma semente saída da violência da Aurora, desbravou a Amazônia e os seus seringais, desceu rio abaixo numa canoa e descansou num chalé às margens do rio salgado, terminando por se firmar no solo fértil da antiga ilha dos macacos, que em homenagem a um aristocrata passou a ser Ludovico.

Festa, reunião de gente que se gosta, mesmo que às vezes esqueça disso, junta com coisas como o velho jasmim-laranja - irmão também - e aqueles bancos antigos de momentos tristes e alegres, cúmplices das nossas conversas. E o alpendre velho como sempre nos abrigando, nos abraçando com as suas lembranças de todos e de tudo. Não tínhamos alguns que poderiam responder “presente”, mas acho que sorriam chorando, assim como os seus.

Eita, meu querido, meu amado velho lunduzento, nem o conheci fisicamente, mas sinto a sua herança dentro do meu peito, o amor pelos nossos. E o apreço pela sua retidão moral, indiscutível caráter, afeito ao trabalho e ao cuidado com a família. Nunca o vi com os braços cruzados para trás, temperando a garganta com a fronte franzida, nos dias de destempero, mas até tal sabor provei sem conhecê-lo, pois o trago comigo.

Os seus rebentos já passaram dos sessenta, setenta e outros dos oitenta, mas continuam sendo o Ciço Camaleâo, o Oi de Cobra Morta, a Oi de Pitomba Lambida, a Galinha Carijó, o Quebra queixo, a Maria Pimenta, o Venta de Bezerro Novo, o Zé Coquin, o Malota, todos, embora distantes, por vezes, ao aproximarem-se demonstram todo amor que sempre os uniu, principalmente nas dificuldades. São todos crianças crescidas cercadas por suas proles.

Não tenho palavras para expressar a alegria de fazer parte desta saga, mas despertado pela iniciativa de dois brilhantes irmãos de berço e coração, sendo primos de sangue, sei da necessidade de celebrarmos sempre a nossa história, a nossa união, o nosso amor por nós mesmos. E deixarmos a carcaça da ignorância, as farpas dos conflitos e o egocentrismo de lado. É tempo de oxigenar as relações desses rebentos, para que possam envelhecer com o mesmo sentimento que cresceram.


Halano

quinta-feira, 17 de junho de 2010

BEM-TE-VI, JUNHO!

Levanto os olhos e vejo o bem-te-vi solto no céu; brinca com o vento, que roça suas asas. Paira, plana e solta o gogó; com a chuva, busca abrigo. De longe, ainda escuto sua canção, outro lhe responde, depois outro e outro. Tenho uma atração por este canto e eles conversam numa intimidade que contagia...quase respondo, mas são seis horas da manhã, melhor não, os vizinhos não entenderiam. O céu rapidamente é pintado de cinza e a chuva cai esfriando o tempo. A canção continua.

Junho junho...das chuvas, do tempo molhado. De Santo Antônio, São João, São Pedro. Do pé na estrada, da mala lotada de alegria, de saudade, de vontade de estar junto, de homenagear quem merece, de escolher a roupa do batizado, de água na cabeça, de afeto renovado, de rede no alpendre, de manhã cedinho com o cacarejo das galinhas, o gado no curral, os passos no terreiro, o frio cortante que desce do Araripe para nos encolher. Junho dos tios, dos meninos de vovô, do velho de ontem que vive nas palavras dos filhos, netos, bisnetos e tataranetos.

Ah, junho! Bem-te-vi, junho!

Uma sonha em alimentar os pintos, outro em rever os primos, uma em deitar na rede e conversar até a boca secar e assim vamos vivendo até chegar. Não dispensarei acender a fogueira com ele, pena é não me esperar, tenho chegado atrasada demais nos últimos anos. Darei as voltas para queimar as mazelas do semestre e aquecer a esperança pro próximo. São João abençoará. Olharei para o pé de jasmim, lembrando de quem esteve lá. Ouvirei as mesmas histórias e as gargalhadas vão soar como da primeira vez, como ressoarão de um jeito antigo, escutando as novas lorotas. Me assombrarei com o crescimento dos meninos, com o braço quebrado de um, com a esperteza do outro, com o sorriso de sete meses de quem terá o cocoruto banhado em meus braços.

Sim, lembrarei de todos os apelidos, não esquecerei de nenhum. Os meninos de vovô chorarão por causa deles mesmos, chorararemos juntos, igual cascata. Já não posso pensar em mais nada. Trabalhar tem sido difícil, escrever, uma repetição e como sou repetitiva, meu Deus!

Enfim, nem sei de mim, dos próximos dias, das linhas que Sementeiras contará. Só sei que se as postagens atrasarem, paciência, estarei em dia com minha felicidade. Quando voltar, quem sabe, contarei. Nem sei...

Se não escrever até lá, bom São João! Que o corajoso João Batista abençoe a todos!


Magna Santos

sexta-feira, 11 de junho de 2010

DE QUATRO EM QUATRO ANOS...*

_ E aí, Freitas? Arrisca o placar de hoje?
_ Hein?!

Tentava emendar uma resposta, mas o resultado era sempre desastroso. Cultura nenhuma de futebol, interesse nenhum e sabedoria pior ainda. Não escapava das furadas, das demonstrações de que aquele mundo não lhe pertencia. E o que conversar, então, em época de Copa do Mundo? Arriscava:

_ Rapaz, encontrei o vinil do Fagner com aquelas músicas: Dois Querer, Vento Forte, lembra?
_ Hein?! Ah, tá. Sim, sim, lembro... Outro dia vi uma reportagem sobre ele. O cara é amarrado em futebol, adora uma bolinha. Só não estou lembrando agora a posição que ele joga...parece que é no ataque. Tu sabes?

“Deus do céu, que tormento!” – pensava. “Como vou fazer agora em plena copa do mundo?”

Decidiu mudar o enredo, melhor, decidiu se adequar a ele. Comprou revistas de futebol, leu todas com o mesmo apetite que revisava os balancetes do prédio. Apesar da insegurança, sentia-se um pouco mais preparado.

_ Freitas, estou reunindo alguns amigos lá em casa amanhã para assistirmos ao jogo do Brasil. Quero a presença de vocês lá, ok?
_ Fechado, Alfredo! – disse com uma certa alegria, pois iria entrar de vez para o time dos torcedores.

Alfredo era seu vizinho de baixo, talvez o mais entusiasmado por futebol que já conhecera. Era o “Armário”, como muita gente o chamava, apelido ganho por causa do porte gigantesco, um verdadeiro contraste com ele: o “Magro”, como também era chamado pelos mais chegados.

Animou-se verdadeiramente, mas jurou não dar vexame. Observaria tudo, vibraria, até xingaria se fosse preciso. Chegou primeiro do que todo mundo, inclusive, do dono da casa. Alfredo atrasara no trabalho e só chegou no Hino Nacional; não quis nem trocar de roupa, ficou daquele jeito mesmo: calça e camisa sociais, com sua respectiva caneta no bolso, sapato social etc. Fazia parte da superstição não trocar de roupa, depois do time entrar em campo. Porém resignara-se, estava animadíssimo.

A esposa do Magro não acreditava no que via. “Quanta animação!” Não reparava que a animação do marido era guiada pelo anfitrião. Sentado ao lado de Armário, estava lá, esforçando-se ao máximo para tomar gosto pela bolinha. De soslaio, ele respondia a tudo, imitando o vizinho. Levantava-se com os punhos fechados, gritava, xingava o juiz, até reclamava do escanteio não marcado, um verdadeiro torcedor. Primeiro tempo, intervalo, segundo tempo e todos lá: sofrendo. “Ô Brasil pra maltratar!”, diagnosticava com muita sinceridade, afinal, ainda faltavam 45 minutos.

Por diversas vezes, o Magro teve sustos com os gritos dos mais entusiasmados e gritava também, já no reflexo.

Chegou o momento que todos esperavam e nos segundos finais do segundo tempo: GOOOOLLLL! Neste instante mágico, quando os corações dos torcedores unem-se à própria bola....todos pularam, mais que isto, abraçaram-se com efusão. Esposas com esposas, amigos com amigos, Armário com Magro...foi quando este escutou um “tec”. “Não pode ser, quebrei a caneta de Alfredo!” Ainda bem que o jogo estava no final, seria necessário ir, antes que o anfitrião notasse uma mancha azul se espalhando no bolso...o vexame seria grande. Alguns iam ficar para comentar os comentários, mas ele inventou uma desculpa qualquer e subiu.

Estava satisfeito com o próprio desempenho. Convencera a todos, tanto que já ficou marcado assistirem ao próximo jogo na casa de outro amigo. Mas agora pensando bem, inventaria um boa desculpa. Estava bom demais um jogo por Copa. Era muita emoção, muito susto. Tomou um banho rápido e resolveu deitar-se um pouquinho, estava muito indisposto, o corpo parecia gemer.

_ Ai ai! – gemeu ao deitar-se - AAIIIII! - gritou.
_ O que foi, amor?
_ Não sei. Ai ai! – mão no peito.
_ Meu Deus, será que é um enfarte?
_ Deus me livre! AAAAIIIIIIIIIIIIIII! – gritou ao tentar levantar-se - Me ajude, amor! Me leve pro hospital.

Rapidamente, ou no tempo que deu, chegaram à emergência mais próxima.
_ Onde dói?
_ Aqui doutor.
_ Aqui?
_ AAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII!
_ Raio X.

O atendimento durou apenas o tempo de um intervalo. Em meia hora estavam em casa com o prognóstico e a desculpa que ele precisava: repouso. Motivo? Duas costelas quebradas.

Este vai para todas as pessoas que não gostam de futebol, como meu amigo "Magro" e pras que gostam também, como Dimas Lins - tão tricolor que criou o blog Torcedor Coral, antes mesmo do Estradar. Ou seja, dois legítimos representantes do que faz uma bola na vida do sujeito.

Magna Santos

*Qualquer semelhança com esta história, não é mera coincidência. Ela é baseada em fatos reais, com exceção dos nomes dos personagens, onde dei uma tapeadinha.

domingo, 6 de junho de 2010

A BÊNÇÃO, RECIFE

Imagens de suas pontes correm o mundo. De Veneza Brasileira foi batizada, mas o que não se sabe é quantos caminhos existem em Recife. Aconchego dos poetas, que repousam nas suas praças, se embriagam com sua beleza, encostam-se nos baobás em plena tarde para acordarem por algum guarda desavisado, à procura de manter a ordem pública.

Sim, Recife, tuas alas, tuas ruas que tantos já andaram, que pousaram os pés de Manuel Bandeira, de Antônio Maria, que agitam tantos outros no vai e vem do frevo, ou do "frevo" do cotidiano, do frenesi do teu trânsito que nos tira o sossego.

Perdemos as horas encontrando caminhos mais curtos e esquecemos da Avenida Caxangá, cortando bairros, da Avenida Norte, atravessando a sorte, rebatizada com um segundo nome para lembrar mais um cearense que te adotou. Lembramos apenas do Coque das páginas policiais, esquecendo que a história, há tempos, toma outro rumo nas mãos dos meninos que folheiam as páginas dos livros da Biblioteca Popular do Coque ou, simplesmente, afinam os ouvidos, escutanto histórias carinhosamente contadas por bocas abençoadas.

Sim, Recife, nos acostumamos com tua agonia e com tuas surpresas, constantemente nos fazendo olhar para o céu em plena segunda-feira. Bênçãos, Recife, para teus habitantes que são privilegiados com tuas árvores centenárias a fazerem túneis por tuas ruas. Bênçãos, Recife, tu jorras em forma de pontes, como a lembrar que não precisamos de muros. Bênçãos, Recife, nas encostas dos teus morros que desassossegados esperam o inverno e tuas chuvas calamitosas. Dignidade, Recife, para teus filhos pequeninos que estacionam nos sinais à espera do que eles nem sabem ainda, mas, certamente, suas mães - nas calçadas - têm certeza. Quanta dor, Recife, ao mirarmos olhos tão tristes, por já pedirem! Misericórdia, Recife, para que as balas se percam para sempre no espaço de ninguém, sem atingir ninguém, sem fazer sofrer mães, pais, famílias inteiras.

Ah, bênçãos, bênçãos...bênçãos é também poder andar por ruas que carregam palavras benfazejas: amizade, harmonia, aurora, concórdia...bairros que nos desejam: boa viagem, boa vista.

Sim, Recife, teus problemas não são apenas teus. Infelizmente, tens muitas outras companheiras espalhadas neste país, capitais que carregam infelicidades, mas tuas virtudes são singulares e sentidas por quem te vive como os teus rios. A água passa, o tempo passa, mas sempre terá uma ponte para atravessar, para ligar, unir...és ponte, Recife!

Magna Santos