segunda-feira, 29 de março de 2010

MUDA EM FLOR

Enquanto me ajeito para dormir, resolvo dar uma última olhada nos emails e abro a caixa de entrada, como quem abre a porta de casa. Lá há uma muda especial, viçosa, vigorosamente linda que acaba de chegar. Foi deixada com muito carinho e com uma saudade...dessas que falamos para não estourar.

Assim, para não estourar também, vou me arriscar a mostrá-la em Sementeiras. Digo me arriscar, pois não tenho a autorização do autor, que tem suas reservas, assim como eu. Eu, que nunca publiquei texto de ninguém aqui, hoje abro uma exceção e me arrisco. Desculpe a audácia, meu irmão, mas sua muda é obra-prima, talvez seja importante a partilha. Se não quiseres, excluo na hora. Uma coisa te digo, meu cumpade: sou totalmente suspeita e também estou com muitas saudades. Aí vai a muda que já chegou em flor:

SAUDADES

Saudade de vocês, de gente que se gosta por se gostar, pelo único interesse: o bem-estar do próximo. Saudade de conversar, de dizer o que sinto, de ouvir o que preciso, goste ou não. Saudade de vocês, dos conselhos com compromissos, dos risos sem compostura, da alegria de ter estado junto em situações cômicas e difíceis, sempre lembradas com alegria.

Saudade de vocês, saudade é bom e faz valorizar até coisas inumeráveis, inestimáveis, coisas mágicas, coisas reais, com sabor de café e cheiro de jasmim-laranja, de balanço de rede ou de firmeza postural dos quase centenários bancos do alpendre velho. Ah, alpendre velho, onde me sento com um velho com a disposição de menino e me aconselha, enquanto balança a cadeira e se queixa do inverno.

Saudade de vocês, quando vejo um outro Tio se emocionar ao ver que aumentaram os casais de campinas. Não há dinheiro que me pague as manhãs de domingo naquele alpendre velho, onde pisou um patriarca lunduzento que deixou uma herança de carater indiscutível. Onde eu selava o banco e me imaginava pegando gado no mato, ganhava vaquejadas e me fazia também ser vaqueiro, embora minha professora dissesse que só podia ser médico ou bancário.

Saudade de vocês, de uma redezinha amarela, onde eu dormia na sala perto da rede de Bá. De uma casa onde eu tinha uma Tia que eu dizia gostar mais do que a minha Mãe. E a minha Mãe dizia que era pra eu gostar mesmo!

Saudade de vocês, ao lembrar da prima de cabelo de índia e de um primo da bicicleta, do gravador e de uma máquina de tirar retrato (o herói de botas), que eu não sabia se eram primos ou irmãos, pois quantas vezes eu ouvia meu Pai dizendo que eram seus filhos também!

Saudades que foram parar acho que num caminhão azul lá... no "ricifi". "Que quando eu crescer eu vou puntá eles!"

Saudades de vocês, eta vocês, vocês que só aumentam e aumentam minhas saudades. Primeiro com a primeira notável que me adotou como primo também. E dela surgiu um nem tão pequeno, mas um grande apegado ao nosso alpendre velho e outra pequena coração valente, que me faz sentir o melhor médico do mundo. Saudades e como é bom ter saudades, saudade que me dá saúde.

Então acho que somos soldados, talvez a solda da família, assim nos uniu, fazendo uma engenharia onde só funciono na dependencia de outras peças. Acho que a saudade é o lubrificante para "eu-peça" possa funcionar melhor.

Halano.

domingo, 28 de março de 2010

ESPELHO, ESPELHO MEU...

Há dias em que o melhor é não sair da cama. Hoje, por exemplo, dores por todo o corpo, uma ressaca de doer os ossos. E olha que ele ontem apenas discutiu com ela. "O que não faz uma mulher, quando não quer mesmo enxergar...tantas provas, sinais, tudo tão visível, lógico, claro... cega!" - concluiu.

Pois bem, na véspera, após perambular bastante, encerrou sua noite em pé à beira do penhasco, onde o casal costumava ir para lembrar da brevidade da vida e da urgência dos dias. Lá ficou sozinho, imaginando escrever dezenas de poesias para ela. Parecia um louco de tanto que se demorou no mesmo lugar, na mesma posição...em transe. Foi despertado por um transeunte que chegou de mansinho e o agarrou pelas costas. Quase morreu de susto, pensando ser sequestro. Depois quase morreu de rir e constrangido saiu, justificando, ou melhor, tentando explicar sua posição, seus pensamentos e tranquilizando o bem intencionado rapaz de que estava 'tudo bem, tudo bem...até a linha do trem'. "Ai, Deus do céu, esse meu humor negro ainda vai me colocar em apuros".

Agora estava ele para mais um dia. "Vou calibrar os pneus, antes de ir ao trabalho. Devo pegar o velho trânsito, mesmas manchetes no jornal, mesmo bom dia aos colegas...Vamos lá, já é hora. Entrar noutro transe aqui pensando já é coisa mesmo de doido". E, assim, ele começou sua rotina. Rápido levantou-se. Tomou o banho com alguma urgência, após fitar no relógio a hora adiantada e lembrar da reunião importante na empresa. Pressa, pressa, sempre ela. Desta vez, não deu tempo nem para um cafezinho.

"Melhor deixar a calibragem para outro dia".

Saiu em disparada. Na cabeça um só pensamento: chegar rápido. 20 quilômetros o separavam do trabalho, nunca chegara em tão pouco tempo.

"Que trânsito ótimo!"

Respirou aliviado ao estacionar o carro. A rua, sempre tão concorrida, estava quase um deserto, não, estava mesmo um deserto. "Que estranho!"

Enquanto anda do seu carro à entrada do prédio, o celular toca insistentemente. "Mas o que Tito quer a uma hora dessa?" O vidro espelhado da empresa, neste instante, refletiu sua figura apressada; a porta automática resolveu não abrir. Fechada. "Ora bolas!" Decidiu atender ao celular.

_ Cara, onde é que tu estás? Só está faltando você. Jogar sem goleiro é meio difícil, né, meu irmão? Fernando passou na tua casa para te pegar, interfonou e nada.
_ Ham? - disse, ao mesmo tempo que, enfim, compreendia o porquê do trânsito livre, da rua vazia, da brevidade para chegar, da pouca gente no percurso, da porta fechada...tantas pistas...cego! Em plena manhã de domingo, se encontrava na entrada do trabalho. "Que vexame!"

Olha ao redor, o vigilante era a única testemunha. Acena totalmente sem graça e dá meia volta, como quem erra um caminho conhecido.

Desligou o celular após um desajeitado: "tô chegando", porém ficou a pensar: "que danado de bola eu irei agarrar hoje, depois de uma furada dessa?"

É, de fato, tinha que concordar: "o que uma pessoa não faz, quando não quer enxergar!"

Magna Santos

quinta-feira, 18 de março de 2010

ROBERTO CARLOS RAMOS*

Hoje vi um menino crescer ativo, sofrido, doído e, por fim, feliz.
Hoje o vi nos trilhos em busca de um trem atrás de si.
Hoje prestei atenção na dor de alguém e imaginei tantas outras dores
Hoje chorei porque ele teve pouco e é muito.

Meninos e meninas de um Brasil com vários e de raros
Brasis incansáveis da lavadeira que acorre ao primeiro comercial...
Quanta responsabilidade dos publicitários

Quanta responsabilidade!
O que vender?
Pra quem?
Quem vai perder?
E ganhar?
Quem vai?

Cheguem aos montes
_ Tragam as vasilhas!
_ Levem pesadelos
_ Paguem com sonhos

Ou seria o contrário?

Há pouco o vi correr na rua
Construir histórias mirabolantes
Para crianças hilariantes

É, a vida surge sempre
Quando se tem uma chance
Uma só
De graça...
Comprando com esperança
Pagando com perseverança

E fé
Lucro líquido
E certo.



Magna Santos

* Este é o nome de um menino, cuja vida é contada no filme brasileiro: "O contador de histórias". Há mais sobre o "menino", clicando aqui.

sexta-feira, 5 de março de 2010

ANGÚSTIA

Começa com uma sensação esquisita de algo por fazer ou uma nítida impressão que se fez mal feito. Depois desce e entala na garganta, marejando em algumas lágrimas os pobres olhos que continuam abertos por pura teimosia. As mãos gelam, enquanto um coração descompassado permanece apertado entre duas mãos. Sim, duas mãos igualmente geladas e sádicas. Vontade de voltar para casa rapidamente. Mas o dia só começa e o relógio diz que ainda falta muito. De qualquer modo, não é exatamente à casa que se quer voltar. Se quer voltar para o conhecido, para o confortável, para o aconchego dos dias frios. Lá existe um jasmim no quintal e perfuma toda sala. O alpendre exala mansidão...vai ver que são as rosas que pintam coloridas a fachada, tão diferentes do cimento frio, do teto sem telha que se encontra.

O relógio se arrasta, porque ele é cúmplice da sua agonia. Faz e refaz uma lista sem fim. É muito para fazer, muitas pendências, nenhum plano, só pendências.

O café chega na hora do soluço e o gosto para tomá-lo lhe falta. Parece que não tem mais paladar. Sem gosto, sem apetite. Só um sabor ácido na boca...de alumínio, como deveria ser seu coração: duro e frio. Assim pensa, enquanto perde os olhos em algum ponto na parede. E continua pensando porque é o que lhe resta, antes que a noite caia. Hora de voltar pra casa, hora de dormir ou apenas deitar-se.

"Amanhã, certamente, será melhor" - lembra das palavras maternas. Sim, amanhã - pensa e espera. Apenas um minuto para meia noite. 30 segundos, 10...chegou. O amanhã chegou?


Magna Santos