quinta-feira, 17 de junho de 2010

BEM-TE-VI, JUNHO!

Levanto os olhos e vejo o bem-te-vi solto no céu; brinca com o vento, que roça suas asas. Paira, plana e solta o gogó; com a chuva, busca abrigo. De longe, ainda escuto sua canção, outro lhe responde, depois outro e outro. Tenho uma atração por este canto e eles conversam numa intimidade que contagia...quase respondo, mas são seis horas da manhã, melhor não, os vizinhos não entenderiam. O céu rapidamente é pintado de cinza e a chuva cai esfriando o tempo. A canção continua.

Junho junho...das chuvas, do tempo molhado. De Santo Antônio, São João, São Pedro. Do pé na estrada, da mala lotada de alegria, de saudade, de vontade de estar junto, de homenagear quem merece, de escolher a roupa do batizado, de água na cabeça, de afeto renovado, de rede no alpendre, de manhã cedinho com o cacarejo das galinhas, o gado no curral, os passos no terreiro, o frio cortante que desce do Araripe para nos encolher. Junho dos tios, dos meninos de vovô, do velho de ontem que vive nas palavras dos filhos, netos, bisnetos e tataranetos.

Ah, junho! Bem-te-vi, junho!

Uma sonha em alimentar os pintos, outro em rever os primos, uma em deitar na rede e conversar até a boca secar e assim vamos vivendo até chegar. Não dispensarei acender a fogueira com ele, pena é não me esperar, tenho chegado atrasada demais nos últimos anos. Darei as voltas para queimar as mazelas do semestre e aquecer a esperança pro próximo. São João abençoará. Olharei para o pé de jasmim, lembrando de quem esteve lá. Ouvirei as mesmas histórias e as gargalhadas vão soar como da primeira vez, como ressoarão de um jeito antigo, escutando as novas lorotas. Me assombrarei com o crescimento dos meninos, com o braço quebrado de um, com a esperteza do outro, com o sorriso de sete meses de quem terá o cocoruto banhado em meus braços.

Sim, lembrarei de todos os apelidos, não esquecerei de nenhum. Os meninos de vovô chorarão por causa deles mesmos, chorararemos juntos, igual cascata. Já não posso pensar em mais nada. Trabalhar tem sido difícil, escrever, uma repetição e como sou repetitiva, meu Deus!

Enfim, nem sei de mim, dos próximos dias, das linhas que Sementeiras contará. Só sei que se as postagens atrasarem, paciência, estarei em dia com minha felicidade. Quando voltar, quem sabe, contarei. Nem sei...

Se não escrever até lá, bom São João! Que o corajoso João Batista abençoe a todos!


Magna Santos

sexta-feira, 11 de junho de 2010

DE QUATRO EM QUATRO ANOS...*

_ E aí, Freitas? Arrisca o placar de hoje?
_ Hein?!

Tentava emendar uma resposta, mas o resultado era sempre desastroso. Cultura nenhuma de futebol, interesse nenhum e sabedoria pior ainda. Não escapava das furadas, das demonstrações de que aquele mundo não lhe pertencia. E o que conversar, então, em época de Copa do Mundo? Arriscava:

_ Rapaz, encontrei o vinil do Fagner com aquelas músicas: Dois Querer, Vento Forte, lembra?
_ Hein?! Ah, tá. Sim, sim, lembro... Outro dia vi uma reportagem sobre ele. O cara é amarrado em futebol, adora uma bolinha. Só não estou lembrando agora a posição que ele joga...parece que é no ataque. Tu sabes?

“Deus do céu, que tormento!” – pensava. “Como vou fazer agora em plena copa do mundo?”

Decidiu mudar o enredo, melhor, decidiu se adequar a ele. Comprou revistas de futebol, leu todas com o mesmo apetite que revisava os balancetes do prédio. Apesar da insegurança, sentia-se um pouco mais preparado.

_ Freitas, estou reunindo alguns amigos lá em casa amanhã para assistirmos ao jogo do Brasil. Quero a presença de vocês lá, ok?
_ Fechado, Alfredo! – disse com uma certa alegria, pois iria entrar de vez para o time dos torcedores.

Alfredo era seu vizinho de baixo, talvez o mais entusiasmado por futebol que já conhecera. Era o “Armário”, como muita gente o chamava, apelido ganho por causa do porte gigantesco, um verdadeiro contraste com ele: o “Magro”, como também era chamado pelos mais chegados.

Animou-se verdadeiramente, mas jurou não dar vexame. Observaria tudo, vibraria, até xingaria se fosse preciso. Chegou primeiro do que todo mundo, inclusive, do dono da casa. Alfredo atrasara no trabalho e só chegou no Hino Nacional; não quis nem trocar de roupa, ficou daquele jeito mesmo: calça e camisa sociais, com sua respectiva caneta no bolso, sapato social etc. Fazia parte da superstição não trocar de roupa, depois do time entrar em campo. Porém resignara-se, estava animadíssimo.

A esposa do Magro não acreditava no que via. “Quanta animação!” Não reparava que a animação do marido era guiada pelo anfitrião. Sentado ao lado de Armário, estava lá, esforçando-se ao máximo para tomar gosto pela bolinha. De soslaio, ele respondia a tudo, imitando o vizinho. Levantava-se com os punhos fechados, gritava, xingava o juiz, até reclamava do escanteio não marcado, um verdadeiro torcedor. Primeiro tempo, intervalo, segundo tempo e todos lá: sofrendo. “Ô Brasil pra maltratar!”, diagnosticava com muita sinceridade, afinal, ainda faltavam 45 minutos.

Por diversas vezes, o Magro teve sustos com os gritos dos mais entusiasmados e gritava também, já no reflexo.

Chegou o momento que todos esperavam e nos segundos finais do segundo tempo: GOOOOLLLL! Neste instante mágico, quando os corações dos torcedores unem-se à própria bola....todos pularam, mais que isto, abraçaram-se com efusão. Esposas com esposas, amigos com amigos, Armário com Magro...foi quando este escutou um “tec”. “Não pode ser, quebrei a caneta de Alfredo!” Ainda bem que o jogo estava no final, seria necessário ir, antes que o anfitrião notasse uma mancha azul se espalhando no bolso...o vexame seria grande. Alguns iam ficar para comentar os comentários, mas ele inventou uma desculpa qualquer e subiu.

Estava satisfeito com o próprio desempenho. Convencera a todos, tanto que já ficou marcado assistirem ao próximo jogo na casa de outro amigo. Mas agora pensando bem, inventaria um boa desculpa. Estava bom demais um jogo por Copa. Era muita emoção, muito susto. Tomou um banho rápido e resolveu deitar-se um pouquinho, estava muito indisposto, o corpo parecia gemer.

_ Ai ai! – gemeu ao deitar-se - AAIIIII! - gritou.
_ O que foi, amor?
_ Não sei. Ai ai! – mão no peito.
_ Meu Deus, será que é um enfarte?
_ Deus me livre! AAAAIIIIIIIIIIIIIII! – gritou ao tentar levantar-se - Me ajude, amor! Me leve pro hospital.

Rapidamente, ou no tempo que deu, chegaram à emergência mais próxima.
_ Onde dói?
_ Aqui doutor.
_ Aqui?
_ AAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII!
_ Raio X.

O atendimento durou apenas o tempo de um intervalo. Em meia hora estavam em casa com o prognóstico e a desculpa que ele precisava: repouso. Motivo? Duas costelas quebradas.

Este vai para todas as pessoas que não gostam de futebol, como meu amigo "Magro" e pras que gostam também, como Dimas Lins - tão tricolor que criou o blog Torcedor Coral, antes mesmo do Estradar. Ou seja, dois legítimos representantes do que faz uma bola na vida do sujeito.

Magna Santos

*Qualquer semelhança com esta história, não é mera coincidência. Ela é baseada em fatos reais, com exceção dos nomes dos personagens, onde dei uma tapeadinha.

domingo, 6 de junho de 2010

A BÊNÇÃO, RECIFE

Imagens de suas pontes correm o mundo. De Veneza Brasileira foi batizada, mas o que não se sabe é quantos caminhos existem em Recife. Aconchego dos poetas, que repousam nas suas praças, se embriagam com sua beleza, encostam-se nos baobás em plena tarde para acordarem por algum guarda desavisado, à procura de manter a ordem pública.

Sim, Recife, tuas alas, tuas ruas que tantos já andaram, que pousaram os pés de Manuel Bandeira, de Antônio Maria, que agitam tantos outros no vai e vem do frevo, ou do "frevo" do cotidiano, do frenesi do teu trânsito que nos tira o sossego.

Perdemos as horas encontrando caminhos mais curtos e esquecemos da Avenida Caxangá, cortando bairros, da Avenida Norte, atravessando a sorte, rebatizada com um segundo nome para lembrar mais um cearense que te adotou. Lembramos apenas do Coque das páginas policiais, esquecendo que a história, há tempos, toma outro rumo nas mãos dos meninos que folheiam as páginas dos livros da Biblioteca Popular do Coque ou, simplesmente, afinam os ouvidos, escutanto histórias carinhosamente contadas por bocas abençoadas.

Sim, Recife, nos acostumamos com tua agonia e com tuas surpresas, constantemente nos fazendo olhar para o céu em plena segunda-feira. Bênçãos, Recife, para teus habitantes que são privilegiados com tuas árvores centenárias a fazerem túneis por tuas ruas. Bênçãos, Recife, tu jorras em forma de pontes, como a lembrar que não precisamos de muros. Bênçãos, Recife, nas encostas dos teus morros que desassossegados esperam o inverno e tuas chuvas calamitosas. Dignidade, Recife, para teus filhos pequeninos que estacionam nos sinais à espera do que eles nem sabem ainda, mas, certamente, suas mães - nas calçadas - têm certeza. Quanta dor, Recife, ao mirarmos olhos tão tristes, por já pedirem! Misericórdia, Recife, para que as balas se percam para sempre no espaço de ninguém, sem atingir ninguém, sem fazer sofrer mães, pais, famílias inteiras.

Ah, bênçãos, bênçãos...bênçãos é também poder andar por ruas que carregam palavras benfazejas: amizade, harmonia, aurora, concórdia...bairros que nos desejam: boa viagem, boa vista.

Sim, Recife, teus problemas não são apenas teus. Infelizmente, tens muitas outras companheiras espalhadas neste país, capitais que carregam infelicidades, mas tuas virtudes são singulares e sentidas por quem te vive como os teus rios. A água passa, o tempo passa, mas sempre terá uma ponte para atravessar, para ligar, unir...és ponte, Recife!

Magna Santos