sexta-feira, 4 de novembro de 2011

NOVO ENDEREÇO

Queridos amigos, leitores e demais semeadores, comunico novo endereço do Sementeiras:

http://sementeiras.com.br/

Obrigada por tudo. Espero vocês lá.

Abraço!


Magna Santos

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

QUANDO PONTES SALVAM*

Os noticiários inflamam a esperança com manchetes vermelhas
Antes da ponte
Aglomeram-se sirenes e curiosos

Desejosos por saberem do desconhecido

A textura do ar revela mais que oxigênio

A cor das águas denota o sofrimento do peixe

Sim, progresso, sim


Enquanto isso lá no Coque

Pessoas teimam em viver

Ao redor de vários livros

Refazem o percurso perdido no grito

Agora se tem carinho

Atenção
Afeto...

E a menina-ponte se afeta
E eles se apertam no chão para ouvir melhor
Não

Sonhar melhor

Não

Sentir melhor


Descobrir, enfim, que o final
é sempre feliz.

Para Luna Freire do Palavras-pontes


Magna Santos

*a foto foi emprestada do blog da Biblioteca Popular do Coque

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

MILAGRE

O espetáculo começava todo santo dia, porém algo especial marcou presença naquele raiar de sol. O circo estava com as portas abertas - sua tenda aberta - sem restrições. A cidade foi toda convidada: "venham todos, venham todos! O espetáculo precisa começar!". Repetidamente, uma voz infantil proclamava estas palavras em um lento carro de som. Era de um encantamento e felicidade que em cada rua, vilarejo, ponte, igreja, beco, o som era acompanhado de soluções:

Uns praticavam sorrisos
Visualizavam gratidões.
Mendigos nutriam-se de esperança
Policiais, de paz.
Empresários-lentidão.
Encarcerados-alegria.
Bombeiros-tranquilidade.
Meninos-de-rua-afeto.
Piratas-tesouros-espontâneos.
Mães/pais-conclusões...

O mantra persistente ecoava: "venham todos, todos venham!".

E foi assim que, no final do dia, estavam realmente todos. Juntos. Presentes. Unidos.

E uma lágrima desceu serena pela face do dono do circo. Finalmente, ele realizava à noite, o que havia lido ao nascer do sol:

"O milagre

Dias maravilhosos em que os jornais vêm cheios de poesia
e do lábio do amigo brotam palavras de eterno encanto
Dias mágicos em que os burgueses espiam,
através das vidraças dos escritórios,
a graça gratuita das nuvens". (Mário Quintana)

Magna Santos

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

FRESTAS

Lacrei as portas
Fechei as janelas
Visguei fechaduras
Apaguei luzes
Não saí mais

Ele entrou pelas frestas
Abriu as cortinas
Aqueceu minha casa
Leu minhas entranhas
Soube tudo de mim

Tanta coisa de uma vez
Tanta coisa...

Tempo, tempo, tempo, tempo...

Hoje não acerto mais o trinco
Estou à espreita
Com medo
(Desejo)
Que ele volte

Já desarrumei as gavetas
E voltei a arrumá-las uma porção de vezes
Me ocupo de pequenas tolices
...
Quem sabe, assim, eu esqueço
Quem sabe
Assim
Esmoreço


Magna Santos

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

ESTÁTUA VIVA

Não me escreva cartas velhas, cheias de cera antiga. Nem ouses me dizer palavras caducas. Faz tempo que não escuto nada além da minha própria voz...agora penso o que vou fazer com este sonho, este pesadelo. Não tenho alternativa.

A mala continua na cozinha, por falta de apetite e, talvez, por excesso de vazio. Ao menos, de lá, lembro da última vez que nos demos as mãos. Sim, foi naquele dia em que resolvemos rever todas as fotografias. Nossos pais, avós, todos lá. Amigos, filhos sonhados, presentes. Viagens, casas...tantas que habitamos. Tantas, tantas! Cadê nós? Onde nos perdemos? Onde? Ah, eu não sei... mais uma coisa que nunca hei de saber. Talvez mesmo não queira. De que adiantaria? Continuarias me acusando pela tua infelicidade. Continuarias me sentindo distante. Eu, logo eu, que nunca dormi sem te desejar boa noite. Achas sempre pouco tudo que fiz. Sempre quiseste mais. Sempre queres mais.

Pois bem, esta deixo-te como despedida. Não me procures. Não mais. Não adianta ir naquele café. Não estarei mais lá. Muito menos naquele banco, onde costumávamos levar nossas dores. Não estarei mais na praia, olhando o horizonte. Nem passeando como perdido no jardim botânico. Deixo-te a esperança de encontrares plantas novas. Mas, não me procures. Sou o velho jardineiro que, em noite de lua nova, te ofereceu o antigo jasmim. Sim, tolice! Não me procures. Eu também não me encontraria mais.

Certamente, nosso amor não morreu, senão esta carta de nada falaria. Porém de que adianta um amor vivo, mas estático? Estátua viva. Isto é o nosso amor. Vivemos da graça de quem nos circunda, da generosidade dos transeuntes. Sobrou muita poeira e uma cãimbra lancinante a dizer do muito que nos esquecemos. Estátuas vivas...o que somos.


Magna Santos

domingo, 25 de setembro de 2011

BUARQUEANDO

"Não era o momento dele rebentar
Como fui levando não sei lhe explicar, fui assim levando, ele a me levar"...
"E todos os meus nervos estão a rogar
E todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz suplicar":
"Deixe em paz meu coração(...)pode ser a gota d'água"!
...
"Atravessou a rua com seu passo tímido"
...
"Amou daquela vez como se fosse a última".


De meu, restou a pontuação. Dois pontos, exclamação, reticências e ponto final. Igual a vida, afinal, embora faltando as vírgulas e interrogações...tão necessárias.


Magna Santos

terça-feira, 20 de setembro de 2011

TERRA

Tomou emprestado da vizinhança, as estrelas
Amparando o largo céu...
Ela sabia
Antes de qualquer um
Sabia antes mesmo de saber que sabia

Só não sabia onde estava o filho
Que se foi furar pés em espinhos


Terra

Lembrou de todas as dores
Porque elas nunca se foram
Latejam permanentemente nos rostos
Dos novos e velhos do seu povo

Brancos que dividiram terras
Exterminaram caças
Desertaram corações
Queimaram em nome de Deus
Comercializaram céus e chãos...

Venderam esperanças
Compraram solidões

Restou cercas e aperto no peito
Leito
E muitas
Muitas pontes por construir.


Magna Santos

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

HORIZONTE

Ela me considera jovem
Eu, com uns mil anos de idade
Ela me considera jovem
Voz
Corpo...
Jovem
Eu
Velha como o horizonte

_ Quem és tu, meninazinha infeliz? Quem és tu? - poderia perguntar, fitando-me os olhos.

E eu
Num supremo esforço
Responderia nada
Ficaria muda, calada, estática
...
Para ser contemplada
...
Igual ao horizonte.


Magna Santos

terça-feira, 6 de setembro de 2011

SOU

Nestas frestas de telhado
Nestes buracos de rotas
Secas
Mal traçadas
Igual a um pergaminho
Puído
Pelo tempo


Não
Eu não sou nada
Exatamente
Naquilo que acredito
Eu não sou nada
Sou aquilo
Esse outro que me assombra
A cada madrugada.


Magna Santos

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

DEGUSTE

Quatro meses para o final do ano. O tempo encolhe à medida que ela vive. Tanto ainda por fazer e nem imagina quando poderá. Hoje resolveu acabar com as inimizades. Almoçou com um desafeto e o viu colocar folhas no lugar da carne. A alimentação de alguém deve dizer algo a mais. Não seria simples dieta, quem sabe a tentativa de tornar-se mais leve.

Pensando bem, a alimentação dela era bem pesada. Não tem dó do estômago, a não ser pelo fato de mastigar demais. Toma goles de suco entre as garfadas e não hesita na hora da sobremesa. A balança bem que lhe é tolerante, porém já passou das medidas há muito tempo.

Saiu andando pela rua a fim de fazer a digestão. Acompanhou-se do desafeto e viu o sinal abrir, fechar e abrir novamente. A conversa estava tão boa que não tinham pressa. Resolveram sentar à praça e por lá ficaram durante toda tarde.

O que aconteceu não se sabe naquele setembro, mas conta-se que depois desse dia, duas mãos continuam teimando em se unir ao pôr-do-sol.


Magna Santos

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

PEDREIRA

As luzes sagradas de Recife me esperam. Gente dorme lá embaixo, enquanto exulto em chegar. Poucos sabem da minha existência e isto pouco importa. Os que sabem me dizem coisas boas e boa mesmo é a vida, as cores, o tempo.

Retorno de uma cidade limpa, belíssima, quase impecavelmente arquitetada para encher os olhos e a vida dos seus habitantes. Poucos pedintes pela rua...poucos? Acaso um só não seria muito em qualquer lugar?

Parece que ainda estamos complacentes a uma lógica perversa.

Alguém comenta na jardineira*: "se tem coisa feia nesta cidade, eu não vi". Aponta-se, então, um barraco. É, desconfia-se que há gente a sofrer.

E sou salva por Leminski na sua pedreira curitibana:
Magna Santos

*tradicional ônibus turístico de Curitiba

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

REPUBLICAÇÃO DE ANIVERSÁRIO

É incrível como o tempo, este eterno conselheiro e juiz, tem corrido. Já se foram três anos de Sementeiras e nem ao menos atinei para o que isto significa. Tenho apenas desconfianças, devido a qualidade das palavras que colhi através dos comentários, dos contatos e encontros com tanta gente linda que tenho conhecido, através e a partir do Sementeiras. Por favor, sintam-se todos homenageados com a republicação desta crônica, a qual escrevi em 2008 me banhando em lágrimas, justo na hora do almoço; um verdadeiro vexame, eu diria, pois tive que me recompor rapidinho para poder trabalhar. As palavras nem sempre escolhem hora nem lugar para saírem dos dedos. E estas foram um abraço no meu único irmão - de sangue - com o qual tenho aprendido, desde que nasci...por tudo o que a gente já viveu nesta vida e, certamente, ainda vamos viver.
A todos vocês o meu muitíssimo obrigada por tudo.

Sem mais delongas, fiquem com Deus e com o:

SUPER-HERÓI DE BOTAS
Ontem o menino me mostrou um maço grande de canos de alumínio a serem mexidos e remexidos para virarem um varal. Não é suficiente o já pronto, o improvisado, o arranjado. Feliz ele se sente mesmo é em projetar, bolar, meter a mão na massa, do modo mais simples das pessoas de bem, que vêem nas próprias mãos fábricas inusitadas para suprirem necessidades pequenas ou grandes. Em vão as tentativas para demovê-lo da idéia, não há argumentos suficientes para lhe tirar este trabalho, que, desconfio, será um prazer. Quanto tenho aprendido com ele! Quanto ainda minhas mãos hesitam, vacilam...

As suas, ao contrário das minhas, desde cedo trabalharam, mas também brincaram, traquinaram. Bicicleta, cavalo, bola, latas, pedras, armadilhas, baladeira, carrinho de lata, bola de gude, desde cedo a atividade era grande. Mãos e pés ensaiavam o dinamismo constante que seria sua vida. E não parou mais. Canivete para as valentias, logo podadas pela mãe; treinos de um super-herói, que depois descobriu onde estavam as verdadeiras armas. Alguns ajustes para não perder o roteiro, o prumo, para também fortalecer o que, mais tarde, deveria estar mais forte. Assim, o colete para coluna e as botas ortopédicas lhe ajudaram a se manter firme, a pisar melhor.

Menino bom, que cedo inventou de pedir ao avião que passava: "avião, me manda um irmão!". Foi contrariado com a chegada de uma irmã, aprendendo que nem tudo vem conforme se pede. Também aprendeu a dor da despedida logo cedo, o que o fez engolir carboreto no lugar de bombons, fato incompreensível para a menina do avião que adorava uns confeitos, uns doces. Mesmo com tanta incompreensão, ele cedia aos pedidos dela e, de vez em quando, amarrava toalha no pescoço para voar melhor em busca de alguém em apuros. Era a dupla dinâmica a voar pela casa, pulando de cama, sofá, cadeira, salvando o mundo inteiro.

É, este é você. Não, você é muito mais do que isso. Teus pés caminham firmes esse tempo todo, embora o cansaço às vezes te visite. Sabes que não estás sozinho e isso é muito bom. Aos poucos tenho aprendido os valores que há tempos já compreendes. Desconfio que a menina do avião começa a aterissar. Espero caminhar ao teu lado qualquer dia desses e poder te ajudar nessa estrada. Por ora, apenas te ofereço o que posso te dar: o meu amor. Ainda te vejo com toalha nos ombros e hoje carregando consigo tantas preciosidades para meu coração.

Voa, voa alto!

Quando o varal estiver pronto, aproveita para estender a paz, a alegria e a esperança. Estaremos ao teu lado para apreciar a paisagem.

Que Deus te abençoe e te proteja sempre!


Magna Santos

sábado, 13 de agosto de 2011

GUGUI

Perguntei a ele sobre poesia
Respondeu
Sobre metafísica
Outra resposta
Endereço de bares, cafés, happy hour...
Forneceu
Teorizou
Ah, gugui, tu sabes demais!

Mas Puxinanã é um perigo perguntar ao Gugui
Complicado demais
Pai dos analfabetos virtuais
Ancestrais da ignorância
Tu não sabes de tudo, Gugui

Outro dia, digitei um poema inteiro para atinar onde estaria
Ele mexeu, remexeu
Nada respondeu.
Desconfio que ainda averigua

Só queria dizer, assim, simplesmente, que encontrar amigos nem sempre é conseguido
Às vezes é complicado
A gente também mexe, remexe e nada responde

Reconhecê-los?
Às vezes trava e a memória da obediência arrisca:
Melhor apelar aos antigos

Ontem, Gugui acertou
O riso venceu
O abraço vicejou
A emoção aflorou
A dúvida morreu

Num pedaço da Argentina, conhecemos
Quanto as palavras valem a pena
(Que nem é tanta pena assim)
Um bebe para a coragem chegar
Uma a cria no divã
Outra, na cidade, rodopia um dia inteiro
Outros, meramente, chegam

E assim se desenhou nossa noite
E se pintou de três cores:
A preta foi iluminada com lanternas e velas
A vermelha consumida com bebidas astrais
A branca...
Ah, a branca...
A branca foram dos papéis
E do branco do olho de cada um.


Especialmente, para meus queridíssimos Geó, Dimas, Fabiana e Valda.
Para Lena, Ducaldo e Edjane por nos aturar a alegria incontida, graças a Deus.



Magna Santos

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

DISTÂNCIA

Essa estrada toda pela frente
Deveria ter mais pontes no caminho
Mas se estende infinitamente
Como se não tivesse tamanho, sim
Dimensão
Quilômetros não se medem
Contam-se no tempo
Que acelera o que deveria demorar
E retarda o que o coração urge

O que sei é de ouvir falar
O que não vi é o que a imaginação comanda
Não quero ser apenas uma lembrança
Nem somente uma voz ao telefone


Magna Santos

terça-feira, 2 de agosto de 2011

PEQUENA ALEGRIA

Quarta fila do Teatro Guararapes. Primeira a querer saber sobre o show, segundo funcionário da bilheteria. Mal contive a alegria. Quarta fila. Gil estará lá, sem chance para o "ou não" costumeiro. Estará sim e eu também, se Deus quiser. Eu e minha turma. Geraldo Maia abrirá o espetáculo. Primo do meu amigo Domingos, também digno e ótimo de se escutar.

_ Magninha, Geraldo Maia abrirá o show! Vai ser perfeito.
_ Geraldo Maia?
_ Sim, ele é ótimo.
_ Sei quem é Geraldo. Ele estava dando uma palhinha na feijoada do Domingos, que te falei.
_ Não acredito!
_ Foi. Não se avexe não. Dia 13 você escutará os dois: Geraldo Maia e Gilberto Gil.

Depois do dockside, foi aberta a temporada para os pequenos sonhos. Desconfio que não somos apenas o que fazemos, mas também o que ouvimos, o que queremos ouvir. Foi a música, mais do que os livros, que me embalou desde pequena. Não aprendi um instrumento sequer, como já contei aqui, porém, desde pequena, ela vive sustentando todos os momentos. Saudade, medos, preconceitos, conceitos, Deus, festa, alegria, tristeza, raiva...sou capaz de cantarolar algo sobre cada coisa. Gil com sua Refazenda, despedindo-se de Drão, 'falando com Deus', 'matando a sede' num Domingo no Parque, são algumas das músicas, situações vividas. E, quando as coisas velhas teimavam em aprisionar, apesar do meu Lamento Sertanejo, a Novidade vinha me dizer o quanto valia a pena e eu voltava a Andar com Fé.

Ah, meus amigos, perdoem essa pieguice incontrolável. Sou mesmo uma criança com doce nas mãos ou uma apaixonada vendo o Luar. É só minha alegria. No dia 13 faremos uma Procissão para aquele desorganizado estacionamento do Centro de Convenções, com a velha ansiedade sobre o tempo que se escorre, porém, lembrarei do Tempo Rei e tudo ficará em Paz.


Fiquem com um pouco de Galeano (presente lindo de Boca que costuma frequentar este espaço). Talvez ele consiga dizer o que não pude aqui:

A função da arte/1

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que
descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas
altas, esperando.

Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia,
depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a
imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.

E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao
pai: — Me ajuda a olhar!
Eduardo Galeano


Magna Santos

quarta-feira, 27 de julho de 2011

VENTO

O vento fez festa no dia.

Vento de agosto ainda em julho, despenteando as pessoas na rua. O cabelo molhado pesa na sua brincadeira, mas desassossegado tenta e consegue.

O vento também levantou os jornais de quem ainda tentava dormir na calçada, desmantelando a madrugada, já manhã, de quem sonhava em meio a pesadelos reais.

Vento de agosto em julho anuncia uma chuva fina que cai só para sujar os vidros e melar a tarde de quem esperava o sol.

Vento que sopra pra longe também os desgostos de quem se destempera, porque a noite veio cedo demais.

Vento sopra pra longe e traz para perto o ar renovado. Para dentro dos pulmões daquele que conta piada, como quem conta verdades ancestrais. Pulmões arejados com gargalhadas antigas.

Assim fica fácil ser feliz sem motivo...

Esse vento que leva e traz...


Magna Santos

quarta-feira, 20 de julho de 2011

MURO

Dez minutos de atraso foram suficientes para perceber o quanto o atraso é permanente na sua vida. Ela estava sempre à espera, disfarçadamente controlada, como um bombeiro a dois passos de uma bomba. Não importa se o coração quase sai pela boca, importante são as mãos não tremerem, o juízo concatenar ideias, as pernas andarem. Para onde?

Faz anos permanece em círculos. Vive sentada num muro imaginário, onde só os passarinhos a visitam e, vez ou outra, uma borboleta distraída.

Atende pelo nome de fulana, sem sobrenome nem nada que a possa expor. Tem que se preservar até a última gota...de sangue, esse mesmo que também não sabe o tipo e que passeia nas suas veias, graças ao sistema autônomo.

Autonomia é um tabu que aprendeu quando criança. Disseram-lhe que não sabia de nada e ela acreditou. E até hoje fica sem saber e acreditando piamente que não pode, não merece e não vai. Por isto, fica, criando raízes ao invés de asas.


Magna Santos

segunda-feira, 18 de julho de 2011

DIMASLINS.COM

Há dias atrás tomei um susto ao telefone:

_ Magna, vou acabar com o Estradar.

Era Dimas Lins, com o qual já me acostumei a tecer ricas conversas sobre escrita, projetos, sites, papos sempre envolvidos em espontaneidade e disposição.

Julguei, num átimo, que ele pararia de escrever, tendo em vista acompanhar um pouco os momentos de relativa inquietação, decorrente da sua falta de tempo para a escrita, junto com a borbulha de projetos na cabeça, interrogações e reticências que nunca chegavam a um ponto final. Logo respondi no reflexo, com a habitual delicadeza que só tenho com os amigos:

_ Tu não inventa não, Dimas.

Ele sorriu discretamente e me explicou do que se tratava. Confesso que sou meio tonta para assimilar ideias que venham a acabar com algo que gosto muito, como é o caso do Estradar - irmão um ano mais velho do Sementeiras. A lição do desapego ainda estou a aprender e demorei horrores até visualizar a proposta de Dimas que, mais uma vez, dava um banho de novas e salutares ideias.

Assim, tenho a honra de comunicar a mudança do Estradar para um site inovador, cheio de um traquejo e criatividade próprios do dono. Estradar se mudará de mala e cuia para Dimaslins.com, um site onde a literatura continuará sendo aperfeiçoada, nutrida, detalhada, esculpida por mãos trabalhadoras e dedicadas: as mãos do nosso Dimas. Lá ele apresentará muito mais do que crônicas e contos, acrescentará novos projetos, sempre instigantes e, de quebra, o leitor entrará em contato com um talento que ele pouco verbaliza, mas que esbanja discretamente, quando cria o design dos blogs dos amigos, como foram o caso do
Estuário, Inscritos em Pedra, Blog dos Perrusi, Torcedor Coral e...vem mais por aí. Como criar e agregar é o seu forte, ele ainda propõe a blogs de qualidade literária, já existentes, conectarem-se, formando uma rede, que venha a oferecer aos leitores letras variadas, numa espécie de ciranda, onde os respectivos autores se darão as mãos, "trocando" publicações, divulgando também os endereços envolvidos.

É por estas e outras que cada ligação que recebo do Dimas é um curso intensivo. Aprendo que qualidade é o motivo primeiro, crescer, o segundo. Disto temos a noção do que o novo site nos trará. Se o antigo Estradar era excelente, o Dimaslins.com, certamente, será um acréscimo necessário ao ciberespaço para as pessoas que buscam qualidade.

Portanto, sem mais delongas, fiquem com mais este endereço:
http://www.dimaslins.com/

Magna Santos

terça-feira, 12 de julho de 2011

CÉU E TERRA

O céu desce à terra todos os dias
Coberto de asas
Esfumaça-se nas nuvens
Aconchega-se nas flores
E pousa entre colinas,
Mares
Terras

Sim, o céu desceu à terra
Um novo bebê nasceu
E outro
Após outro…
E outro ser subiu
Para descer depois que criar asas

O céu desce à terra
Por entre fios de telefones
Emails
Portas abertas
Sorrisos de amigos
Fraternos
Camaradas

Céu
Terra

Faces do sorriso de Deus.


Magna Santos

Inspirado na escrita do poeta Domingos Sávio do blog No Toitiço

domingo, 10 de julho de 2011

FRUSTRAÇÃO

Frustração é encontrar uma vaga para o carro
Estacionar
Tempos modernos...
Vagas lá fora:
Faltas lá dentro


Vontade represada
É dar só um abraço
Ao invés de quatro.

Para os amigos Domingos Sávio, Edgar Mattos, João Carlos de Mendonça e Arsênio Meira Junior.

Magna Santos

domingo, 3 de julho de 2011

A POESIA E OS CINCO ANÕES

Trouxe os cinco anões: Zangado, Soneca, Atchim, Dengoso e Mestre. Ainda bem que trouxe o Mestre, não saberia o que fazer sem ele. Estão todos aqui na minha cabeceira, nesta ordem e estáticos à espera de que lhes fale da Branca de Neve. Mas ela está lá na sala, olhos vidrados, fotografando e filmando, sem ligar se estou aqui com sono, sozinha, escrevendo estas poucas linhas, antes de chamá-la novamente para brincar.

Minhas letras parecem poesia? Não são. Neste exato instante, a poesia está na minha sala, em pessoa. Daqui a pouco brincarei com ela de adedonha, dominó e o que mais quiser. Amanhã a poesia viaja e me deixará por inescapáveis 15 dias. Terei de rebolar para vê-la outra vez. Diz que me liga da estrada, me dirá que está com saudades, informará que me ama com uma emoção de choro entalado na garganta, porém, como nada ela deixa preso, logo soltará uma lágrima, assim como um grito de alegria:

_ Tia, foi massa, tia! Muito legal, mãe! - (é, a poesia anda a me chamar de mãe)

E aí eu a ouvirei contar como foi o dia, o passeio nas dunas, o mergulho na piscina ou no mar.

Mas agora, a poesia acaba de entrar no meu quarto, chega com olhos curiosos, ouve o que tenho a dizer e gosta, porque sorri. E concluo, num segundo, que ela...ela sempre estará aqui.


Magna Santos

sexta-feira, 1 de julho de 2011

SILENCIOSO

Liguei para o poeta
Não atendeu.


Silencioso
Como quem escreve uma tese
Que ainda não sabe
Demora a saber...

Só sei que ressuscita de tempos em tempos
Como se nada tivesse acontecido
Ou tudo
Quem sabe?

E volta a inscrever
Seus versos certeiros
Sedutores

Flerta com todas as palavras
Adere
Quando vê uma exclamação
Que não usa
Mas adere
...
Em nome da vírgula
Da interrogação.


Para Josias de Paula Jr. do Inscritos em Pedra - o nosso Poeta Geó.


Magna Santos

segunda-feira, 27 de junho de 2011

ABSTINÊNCIA

O que é esta falta
Esta agonia que dá
Esta ânsia por palavras
Pelo silêncio derradeiro

Que me faz acompanhada
E protegida do abandono?

O que é que se faz
Com este aperto no peito
Este sentimento
Ao mesmo tempo intenso
Embora louco
Sem nexo
Nem sentido
Sentindo...
Até quando?

Quarenta e um anos de vida
E este embaraço
Retrato
De minhas canções loucas
Com letras lamuriosas
Românticas, chorosas
De refrão persistente
Avassalador
...
Para onde foi meu boi
Que não voltou?
Por que a cuca se escafedeu?
Para onde ela foi
Que me esqueceu?

...

“Dorme, dorme, menininha,
Já chegou a escuridão...”
*



Magna Santos



* musiquinha adaptada do poema 'Mãe Preta' de Patativa do Assaré.

domingo, 26 de junho de 2011

ENTRE FOGOS E PIPOCAS

Os fogos estouram lá fora, já se foi o São João, mas o barulho ainda persiste, contrastando com uma cidade deserta, quase fantasma se não fosse pela nossa própria presença. O cinema também descarta o deserto e assistir a uma película depois de um convite adolescente é algo assim de Deus. O último foi Avatar, quando o 3D me fez espantar um mosquito que achava estar no meu nariz. Risos até hoje:

_ Madrinha, não tem nada aí.
_ Ah...

Desta vez a censura foi 16 anos e ele já tinha assistido ao número 1. Filme em volumes e as explicações do lado para me atualizar em relação ao enredo. Maravilha! Quero mesmo é estar ignorante para receber estas informações ao pé do ouvido, tomando ovo maltine ou comendo pipoca com refrigerante, num típico programa de domingo em plena sexta-feira.

Então penso, com um sorriso no rosto, que quando um adolescente sente-se à vontade para chamar a madrinha para um cinema, é uma pista que a plantação foi segura e prazerosa, graças a Deus. O que mais querer? Só mesmo aproveitar e curtir o momento, agradecendo e trabalhando para termos mais oportunidades para perguntar e escutar tais palavras:

_ E aí, amigão, o que achou?
_ Massa, madrinha! Bom demais!

Bom demais mesmo, meu filho! Muito muito bom!


Magna Santos

domingo, 19 de junho de 2011

PRIMEIRO ENCONTRO

Sentou-se à minha frente
Como quem espera um acontecimento
Desafiou-me a pensar
Responder...

E eu fiquei gaguejantemente
Nervosa
Presente
Nas minhas próprias faltas

Sonhei com uma bolsa
Insistentemente bagunçada
Igual a vida

_ Repara na tua bolsa
Reparei
...
E saí reparada
_ Em ponto de bala
Até a próxima vez.

Magna Santos

domingo, 12 de junho de 2011

ENTRE UMA NOTA E UM PASSO

Teve algumas frustrações na vida, mas as primeiras contáveis foram marcantes, as incontáveis também, claro. Aos cinco anos, já sabia o que era seca ao fitar os olhares fatigados dos familiares, mas agarrada à chupeta pensava: "como existe alguém capaz de viver sem um consolo*, meu Deus!". Para ela, era algo inimaginável. Como era também surreal, uma menina, num pé de serra, sonhar com aulas de piano e de balé. Pois bem, o primeiro foi mais fácil de realizar e toda semana estava lá: chupeta à boca, dedinhos embalados pelos exercícios da professora. Entrar naquela casa já era uma festa: sua arquitetura moderna, seus corredores enormes, a escada em curva, lembrava um castelo. Sua professora, então, era uma doce criatura, fazendo-lhe acreditar que era possível ser uma boa pianista. E ela ía às aulas, igual Branca de Neve, cantarolando. Mas, eis que a cumplicidade de uma mãe e uma professora mudaria algo. Um belo dia, ao sorrir e mostrar à professora o dente mole que tanto sua mãe teimava em arrancar, este foi retirado sem dó nem piedade e não houve jeito de fazê-la voltar às aulas, nunca mais. Nunca mais também retornou a chupeta à boca. Ficou sem consolo, sem dente e sem vontade alguma de tocar piano.

Retirada da sua terra, anos mais tarde, retomou o sonho de bailarina, quando foi matriculada em uma pequena escola de balé. As aulas lhe davam outro gás, chegava em casa, ensinando todos os passos a quem quisesse aprender. Porém as aulas lhe tiravam alguma força física, porque, sem exceção, cada dia de aula correspondia a uma queda, uma cicatriz. Ninguém entendia, muito menos ela. E, ao final de um mês, a zelosa mãe perguntou preocupada à professora se a filha levava jeito pra coisa. Eis a resposta fatídica que colocaria uma pá de terra sobre seu sonho de bailarina: "ela é muito esforçada". Mãe sertaneja, sofrida, viúva, sacrifício para subsistência, filha no balé? Só se fosse com muito talento e sem nenhum acidente. Esforço ela teria que ter de sobra para outras tarefas da vida.

Hoje leva a vida, acurando sua escuta para os sonhos e medos alheios. Segue vivendo, diverte-se com a vida. Entre uma nota e outra, um passo e outro, adora contar histórias, sobretudo, hilariantes, fictícias ou não, como esta.


Magna Santos

*consolo=chupeta, na região do cariri cearense

segunda-feira, 6 de junho de 2011

DIA DESSE

Um dia desse ele estava correndo pela casa
Assombrando a irmã com ares de atacante
Um dia desse salvávamos o mundo
Dos destruidores contumazes e sanguinolentos
Um dia desse pensei que ele fosse imune
A arranhões
Escorregões
E machucados

Pensei que ele era feito de aço
Com minha mente de vidro...
Precisava

O tempo mostrou os ossos e a carne
A cuca pesada e a leveza necessária

Mas dia desse não duvidarei que salvará o mundo
Quando dois pequenos olhos luminosos clamarem:
_ Pai, vovó tá alagando a casa toda. O cano estourou. Vem consertar, pai.

Quem é capaz de duvidar de uma criança, não acredita em mais nada
Eu acredito.


Magna Santos

segunda-feira, 30 de maio de 2011

ZERO

Zero é nada
E mais um pouco

Ou o tudo calado
É o improdutivo
Ou produtivo
Desdenhado

Zero de comentários...
Zero bronca

Silêncio que afeta de acordo com o dia

E o substantivo vira verbo:
Zerei tudo
Só não zero o calendário.


Magna Santos

segunda-feira, 23 de maio de 2011

PERCURSO

Estudo a sonoridade primordial
Aquela que identifica sussurros, choros, sorrisos...
Um Eu inteiro
Inteiro?

Estudo a melancolia das ruas
Contida em quatro paredes
E um coração

Estudo o encanto
Que se instala sorrateiro
Quando se compreende
Se enxerga
O até então ofuscado
Pelas pupilas dilatadas do medo

Estudo
Enquanto não posso mudar o destino...
Ao menos assim
Terei passado o tempo
Que ainda não chegou
Futuro prometido
Pelo suor
Pela insônia
Pela insistência
Pela vida


Magna Santos

quinta-feira, 19 de maio de 2011

APELO À CHUVA

Fui acostumada, quando criança, a te esperar com ansiedade, te festejar com alegria, sapateando nas poças que fazias no meu quintal. Corria atrás de bicas para aflição de uma mãe cuidadosa, que temia uma gripe na filha pequena.

Com tua chegada, meus tios sorriam, porque era certeza de colheita farta e mesa abastecida. Eras, portanto, bem-aventurança.

Hoje, longe do meu torrão e já crescida, fujo de ti. Vejo-te da janela e dentro permaneço, indiferente à variedade de biqueiras que ostentas nas casas vizinhas. Sem gripe, com saúde, restou-me algum medo por te ver alagando ruas, vilarejos, cidades inteiras. Inundas até as famílias que, junto com tua água, afogam a esperança e o sossego.

Preocupa-me tua presença como quem hospeda um amigo à beira de um colapso. És e não és bem-vinda. És e não és querida. Uma certa tensão impera no ar.

Porém as vozes alegres dos meus distantes dão-me notícia de que também os visitastes. Novamente: colheita garantida, suor respondido.

Então, daqui te aceno como quem te dá mesmo um tchau: vai embora para onde és bem vinda, vai para onde és sinônimo de bem-aventurança.


Magna Santos

segunda-feira, 9 de maio de 2011

REMOTO CONTROLE

Muitos nessa altura buzinam anunciando o time vencedor. Ela, que acaba de ler o Poema em Linha Reta do Pessoa, não se identifica com o buzinaço, nem tampouco com o silêncio dos derrotados. Não se identifica com esse gosto pela disputa, embora, muitas vezes, se comporte como uma briguenta contumaz.

Ah, se soubessem do aperto que sente no peito, certamente teriam piedade dela. A raiva indigesta perambula sem achar abrigo, porque não há de encontrar no seu coração benfazejo que se angustia por não poder dominá-la.


A náusea a consome há dias. Vomitou injúrias acumuladas na hora errada. Foi julgada como fútil e desequilibrada. Perdeu a razão. Entristeceu-se tanto que teve mais raiva ainda. Defesa de quem viveu na selva por muito tempo. Hoje não vive mais, porém guarda-lhe a experiência.

Quando terá sossego não sabe. Quando pensará antes de falar...já fez isso tantas vezes que pensou que podia ousar. Errou. Pecou pelos extremos. Foi de um polo a outro num átimo que lhe custou a paz.

Resta-lhe o controle nas mãos. Há de mudar de canal. Há de sintonizar com o dia, com o sol e o tempo bom. Chega de trovoadas dentro do peito.


Magna Santos

quinta-feira, 5 de maio de 2011

COISAS...

Há determinadas coisas
Capazes de serem expressas apenas na poesia...
E eu nem sei dizer quais
Até as chamo de coisas
Mas não existem como tais.


Magna Santos

segunda-feira, 2 de maio de 2011

RIMA E SOLUÇÃO

Olhos estupefatos presenciaram duas torres irem abaixo como prédio de dominó. Milhares de pessoas mortas por qual objetivo? Tempo das cavernas?
Milhões de pessoas se aglomeram comemorando a morte de alguém. Mesmos olhos estupefatos presenciam a cena. Tempo das cavernas?
Não. Tempo em que a dor ainda tem valido mais que o amor.

OsAMA
ObAMA
Rima que atrai
Rima que revela
O ainda não buscado

Somos todos rimas de alguma solução, querido Drummond.


Magna Santos

domingo, 1 de maio de 2011

BRISA

Hoje senti uma paz inominável
De que não quero viver em ti
Sim
Não quero
Pasmem todos os corações
Praguejem todas as amigas
Não quero mais
E não sei explicar o que aconteceu
Talvez o silêncio que me fala
Talvez a dúvida que me dá certeza
De que não és mais

Teu tempo passou em mim

Uma paz...
Como a sementeira que só despeja a semente
Para dias futuros nascer
Como a gota humilde que cai da chuva
Em noite de inverno
Como a mãe que se despede da cria
Sabendo-se apenas mãe
Não amor eterno

Fui
Passou
Meio que deixando rastro
Pegadas ainda fortes
Pistas de algo ainda fresco
Ainda perto

Passou


Magna Santos

domingo, 24 de abril de 2011

SONHO DE PÁSCOA*

_ Não faz "cosquinhas" na minha barriga. É onde eu tenho mais. Pára. Vem, Paulinho, me ajuda com ele. Sobe nele, puxa os cabelos. Pára, Jesus, pára!
...
...
_ Não, Jesus, não pára! Não pára nunca mais!


Magna Santos

*Não dá pra ler a autoria desta belíssima ilustração. Em email recebido da amiga Nanda, diz apenas que o autor quer permanecer anônimo, apenas assinando: "Jesus Painter". Caso alguém saiba, favor informar. O artista merece todos os créditos, além do meu agradecimento por retratar tão bem um Ser tão feliz.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

PEQUENO RECADO A BANDEIRA*

Esqueci teu aniversário, lembrei apenas do índio que compartilha o dia teu. Tu, pequeno como te julgavas, deve se alegrar por partilhar a data com estes esquecidos de tudo. Eles que um dia foram muitos, como testamento, não deixam nem terra nem água, pois não consideram nada como seus. Deixam, como tu: a vida, a lida e o muito do que não têm.

Assim, Bandeira, em nome de todos os esquecidos, que teu nome seja asteado em todas as estações, sobretudo no inverno, aquecendo os desabrigados.

Assim seja.


Magna Santos

*É pra Bandeira, mas a publicação deste vai, especialmente, para meus generosos amigos do blog No Toitiço e o poeta Tadeu Rocha, cujo pedido acabo de responder com esta publicação.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

MIRA

Mais uma vez, as palavras viajam.
Preferem o silêncio, o aconchego dos ares que as levem para bem longe.
Difícil ter a palavra certa na hora adequada.
Difícil também responder em silêncio a quem julga necessitar de discursos, explicações.
Nem sempre sei o que dizer...nem o que não dizer.
Nem sempre sei ficar em silêncio, mas simpatizo com os momentos, quando as palavras saem pelos olhos.
Quando a dor é grande, pretende-se remédios milagrosos.

Olhos perdidos me chegam, denunciando que há muito vagueiam.
Só me enxergam, quando me fitam para não errarem o alvo.
Viro mira.
Finjo uma morte que sorri ao ver que os olhos perceberam.
E é bom morrer assim.

Chega o fim e ele às vezes é custoso.
Faltou o bombeiro, a polícia, o caminhão...
Tanta coisa...
Arrisco risos para quem me devolve irritação.
Na próxima, ele verá que sobrevivi e poderá perdoar-se e me perdoar as faltas e o desejo incontido de ampará-lo.

Sim, os medos continuam.
Os desejos também.


Magna Santos

quinta-feira, 14 de abril de 2011

SEM BÚSSOLA

Depois de um dia deparando-me com a dor alheia, sobrou-me pouca coisa ou quase nada para ofertar a quem quer que seja. Escapo para os amigos, antigos amores, só solidão. Escapo para o ocaso, só compaixão.

Escapo entre dores e amores.

Chego aqui e esta terra úmida tem tanto de mim...


Deito e descanso.

Ao menos Oswaldo me dirá algo amanhã. Ao menos ele poderá me falar que "a vida é bola de gás, segura a corda com a mão". E caso eu não consiga entender, ele completará:


"A estrada sempre tem luz
o amor tem sempre razão
quando a alegria conduz
não importa qual direção"

Por isto, vou esquecer da bússola e vou, vou me deixar ir.


Magna Santos

domingo, 10 de abril de 2011

PREGUIÇA

Nessa preguiça em que me encontro
Viver é fácil

Deslizo

Escorrego
De todas as dores e desconfortos


Nesta preguiça
Encontrar-me é difícil
Pensar também

Falar impossível
Cantar mais ainda

Deito e assisto
Ao nada que produz
Um levitar de ares ao redor de mim

Respiro como se pensasse
Como se
Falasse
Como se
Cantasse

E assim fico
Esquecida de mim



Magna Santos

sexta-feira, 8 de abril de 2011

RECICLADO

Piedade, meu Deus!
Eu não sabia do fim

O asfalto na cara é o que me resta

Deste mundo sofrido

Pessoas me perguntam

Sem que eu atine
Respostas
Algo aconteceu...
Só uma buzina
Uma luz

São minhas lembranças


Piedade, piedade!

Já não escuto nada
O asfalto na cara esfria

Meu corpo inteiro


Piedade, Criador!

Cada garrafa, papelão, papel
Vale o tempo perdido
Agora reciclado

Piedade, meu Deus!
Onde ela está agora?

...
E eu?
...

Onde estou?



Magna Santos

sábado, 2 de abril de 2011

VERDADE

Verdade é
Tatuagem com convicção
Depois de um tempo
...
Vê-se que o dragão

Poderia ser uma flor
Ou apenas

Uma semente

...
Talvez.



Magna Santos

sexta-feira, 1 de abril de 2011

MENTIRA

Mentira é o não
Inconformado
Por ser não.

Desistente de si mesmo.



Magna Santos

domingo, 27 de março de 2011

FILA DE ESPERA

Encontrei um escritor numa fila de espera. Estávamos lá para sorrir e aprender um pouco mais sobre interpretar. Ensaiei uma pessoa descontraída a conversar desinibida como se velha conhecida fosse. Convenci tantos e do escritor sobrou-me livros, todos em sua velha algibeira. Ele parecia adivinhar que eu gostava das letras. Eu que nada falara sobre elas, que disfarçara a timidez por entre lorotas de desenganados.

_ Um ingresso, pelo amor de Deus!

_ Já estamos há uma hora a esperar.
_ Olha a fila de idosos.
_ Olha a fila!

Quando a alegria se resume a olhar para os últimos da fila, é porque perdemos a noção do tempo ou simplesmente a noção.

O fato é que o espetáculo transferiu-se para a calçada. Multidões, reclamações, hesitações...água, chicletes, jujubas.

A fila aumentava e diminuía na medida da paciência e da esperança. E eu lá permaneci, o escritor e eu como se nada tivéssemos para fazer.

Os ingressos chegaram, mais pessoas também, a porta se abriu...foi quando a esperança cedeu lugar à certeza em plena entrada.


Magna Santos

domingo, 20 de março de 2011

O NADA E O POETA

E o poeta emudeceu
Tornou-se caule

Dos seus pés brotaram flores
Da sua cabeça, raízes

E assim ficou por vários dias
Vertical invertido

"Minhas palavras

Estão se quebrando

Partidas

Anuladas

Findas..."


O vento respondeu:

Não, poeta

Estão caindo

Acolhidas pela terra
Para brotarem
...
Em seguida.



Para Gustavo de Castro (blog Razão Poesia). As palavras aspeadas foram dele, porque o poeta sempre visualiza as próprias letras.

Magna Santos

terça-feira, 15 de março de 2011

PAI?

Pai, corre, vem ver que legal, parece de verdade. Parece a última brincadeira que fizemos lá na areazinha de trás. Vem, pai, vem ver. Estou até lembrando de como montamos a cidade, colocamos os barquinhos, os carros, até aquela lancha que você gosta. Arrumamos os prédios, enfeitamos árvores e brincamos o dia inteiro de cidade. Lembra, pai?

Você trouxe os aviõezinhos que o primo Teco não queria mais. Fizemos até um aeroporto. Eita, como foi bom, não foi, pai? Fizemos tudo com ruas, avenidas, sinais. Deu um trabalhão danado, não foi, pai? E o senhor dizia: "Você vai ver o resultado, filho. Poderemos criar e bolar qualquer coisa!"

E foi mesmo, pai, bolamos o dia todo. Até mamãe ficou zangada, porque dei trabalho pra tomar banho e almoçar. E o senhor dizia a ela: "estamos brincando de ser grandes, querida".

Pai? Pai? O que foi, pai?

Você não acha que parece quando terminamos a brincadeira, jogando aqueles dois baldes cheios de água em cima? Não lembra que saiu arrastando tudo?

É, mamãe chamou o senhor de louco, mas a gente estava apenas se divertindo e depois limpamos tudo, não foi, pai?

Pai?
O que foi, pai?
Por que o senhor está assim?
Por que está chorando?
Quer que eu desligue a tv?
Isso aí não é de verdade, pai.

...
É?


Que Deus abençoe e fortaleça todos os nossos irmãos japoneses.

Magna Santos

domingo, 13 de março de 2011

O DEVORADOR DE POESIA

Sua mãe nutria ouvidos
Mãos
Sentidos
Coração...

Seu pai caminhava
Junto a ele
...

Ver os poetas
Rever alguns
Dos muitos livros
Degustados na boa praça
Na simplicidade da vida

Pirulitou o primeiro
Há tempos
Desembalou em confeitos
Há muito

Nutrição enriquecida:
Pessoa
Quintana
Gullar
Patativa
Drummond
Tantos outros...
Pareciam guiá-lo
No apetite
E na vida

Hoje não sofre gastrite
Nem estomatite
Muito menos indigestão
Devora-os todos
Mas sempre os oferece
Belos
Profundos
Benfazejos
Como todos eles são
Os poetas

Aprendeu a comer com os olhos
A oferecê-los com dedos
E boca

Ao seu redor
Sempre um banquete
Ao seu lado
Sempre um garfo
Uma faca
Afiada
Como toda poesia é.


Para o generoso amigo Arsênio Meira Júnior.

Magna Santos

sexta-feira, 11 de março de 2011

CINZAS

As cinzas se espalharam pela via
Entre coros e desvarios
Ficou a retidão da passarela
Agora rua

Passos curtos voltam a trafegar
Largos
Estreitos
Apressados
Sonolentos
Tantos
Mais

Voltou a realidade
Voltou a praça
A banda a passar
Sem fantasias
Só alegorias
A imaginar


Magna Santos

quarta-feira, 9 de março de 2011

LACRIMEJANDO

Os cílios longos sempre me livraram de conjuntivites. Nunca soube o que era isso, mas eis que um vírus desbravador, igual aos antigos bandeirantes, me dá o ar da graça e também a oportunidade dos olhos avermelhados, inchados e lacrimejantes. Aliás, do olho, por ora está só no esquerdo, graças a Deus.

Acordar com o olho em lágrimas me lembrou quando eu chorava por apenas um...mas isto é outra história. Bom mesmo foi ver, estes dias, borboletas aos montes, rever gente querida e pensar que há muitas folias que não podemos imaginar, mas sustentar com nossas mentes ferozes e vorazes por bons sonhos.

Acordei com um olho doente, é certo, porém o outro continua são. O que me faz pensar que, enquanto tenho aos pares, acumulo vantagens. Assim, melhor cuidar de colocá-los pra dormir nesta noite que acelera as horas. Daqui a pouquinho uma menina completará uma data também par: 12 anos e nada pagará participar da sua alegria e animação por estar crescendo em busca dos sonhos germinados também aos pares, numa progressão geométrica espetacular.

Os dias, amigos, têm se fartado de mim. As letras têm adormecido sorrateiras nos meus dedos, mas a vida, embora não escrita, tem se deixado viver e me empurrado pra ela, mesmo que às vezes eu tente fazê-la dormir...não tem jeito, ela sempre dá um jeitinho de me acordar, mesmo que com o olho vermelho.


Magna Santos

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

NA GARUPA*


Quatro filhos, sete netos, um bisneto a caminho. Estes são os frutos de 74 anos de vida e muitas pedaladas para manter o sustento da família. No percurso para a cidade, vai lembrando de quantas vezes já o fez. Sabia de cada curva do caminho, cada pedregulho, ladeira, cercas que íam mudando à medida que ía avançando e ultrapassando as propriedades. Aprendeu logo cedo a distinguir a condição do proprietário pelas cercas dos terrenos. As de pau-a-pique falavam de um tempo antigo, da época de criança, mas ainda resistentes entre os mais pobres. O arame não tardou a aparecer e, mesmo liso ou farpado, exibia a necessidade de preservar as riquezas dos donos.

Olhos pequenos espiavam de longe os vastos terrenos que a vida não lhe dera. Também não podia reclamar, saúde não lhe faltava para plantar em terras alheias, sustentando a família inteira.


Os meninos foram crescendo e tomando rumo próprio, mas nenhum tinha sua disposição. Alguns, lastimando a sorte, arriscaram a travessia da estrada em busca de melhores dias, travessia há tempos feita por ele. Amarga experiência lhe trouxe de volta sem um tostão e muitas mazelas. Acabou perdendo o pouco que pensava ter, mas "valeu a experiência", era o que sempre dizia.


De todos os anos vividos, o melhor era aquele: Rosinha finalmente voltara pra casa. Seu xodó, seu tesouro! Talvez porque perdesse as contas de quantas vezes acompanhou a mulher nas rezas para salvar a filha que havia nascido "doentinha" - como todos diziam, talvez porque era a única "filha mulher" ou talvez mesmo porque vê-la fugir de casa com um sujeito sem rumo lhe partiu o coração de pai. Assim, depois de sua fuga, criou um rosário próprio, uma jura, uma promessa antecipada pela volta de Rosinha e em todos os aniversários da filha, ía à igreja agradecer a Deus pela filha e pedir pela sua volta.
Quantas vezes voltou tarde da noite, porque sentia-se meio desalentado, perdido, sem direção por saber que sua casa ainda estava sem ela...

Hoje não. Sobrava-lhe uma imensa gratidão e, como uma espécie de reverência, encostou a bicicleta ao pé da porta e sentou-se na garupa, na tentativa de dizer a Deus que agora sabe...agora sabe que nunca esteve sem direção. Agora sabe que sempre fora guiado.



Magna Santos


*A publicação da foto foi previamente autorizada pelo fotógrafo Pachelly Jamacaru, cujo talento já me forneceu muitas oportunidades de viajar pelas palavras e criar histórias como esta.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

MARGARIDAS*

"Somos origem, filhos dessa terra. Então ninguém pode me perguntar: até que ano você morou aqui? Somos filhos dessa terra! Eu não vou perdoar nunca os branco por ter colocado, partido nosso coração, nosso território, porque quando nós tava isolado na mata, se nós morria era de velhice, quando não era mordida de cobra. Hoje nosso pajé, nós não temos mais. Se tivesse nosso pajé, taria hoje, agora, no momento dizendo pra mim: teu filho tá em tal canto. E como nós não temo, nós tamo passando por uma dificuldade" (Margarida Tenharim).

Com nome de flor, a índia desabafa a dor de mãe, antes do filho ser reencontrado momentos depois. Naquele instante a dor é dela, espelhando, na realidade, a dor de um povo. A aldeia procura aflita pelo moço com problemas mentais, perdido na mata. Filho que parece ser de todos. É assim que o índio parece sentir. Lá, naquela aldeia, ninguém 'ajuda' ninguém neste sentido cultural que nos faz colocar o problema "do outro" fora de nós e ganhamos o título de solidários, quando por ventura nos mobilizamos para participar da solução. Não, lá o problema é mesmo de todos e a solução também.

Assim, mesmo com os óculos imperdoáveis do homem branco, pude ver que, quando a dor é dividida(compartilhada), o afeto é multiplicado e a esperança também.

E minhas interrogações continuam a teimar insistentes, após ouvir Margarida:
Quantos séculos precisaremos para atingirmos a maior idade?
Para andarmos com nossos próprios pés?
Pensarmos com nossas cabeças?
E sentirmos
Sim
Sentirmos
Com o coração do outro?

Perdão, Margarida.


Magna Santos
* escrito a partir de reportagem de André Tal da Tv Record sobre a Transamazônica, com destaque nos efeitos na vida dos índios Tenharins (ver matéria). Também ler a ótima crônica de Inácio França no Caótico, através da qual tive conhecimento do assunto.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O CRAVO E A ROSA

O cansaço chegou no final do dia. Temo não escurecer à noite. Preciso de sono para esquecer dos problemas e dos infortúnios. Vejo a menina passar com gosto de ontem. Espera-se a mesma conta chegar, com o dinheiro gasto no bolso do paletó. Desde que o ganhei não tenho mais sossego. Apenas fui trocando de modelo ao longo dos anos, mas todos tem o mesmo cheiro e peso do primeiro: responsabilidade, pressa, suor.

Acordo 5 da manhã com jeito de quem está ao meio dia. Saio apressado em busca de algo que ainda não sei. Corro a 80 por hora e em meia estou no escritório. Devagar demais para o desassossego. Deito papéis de jornais em pilhas cada vez maiores. As notícias precisam ser separadas por ordem de importância, mas a página fúnebre me diz de alguém que rodopiou nos meus sonhos e deixei estacionada na frente de um altar de nuvem.


De repente a vejo entrar novamente, subir ao altar, sorrir e chorar ao me ver partir. Mudei de cidade, de emprego, esqueci endereços, o relógio correu, retornei à cidade, mas nada resolveu a lágrima que ficou encravada no meu olhar naquele dia. Minha filha mais velha chama-se Ana e minha mulher nem desconfia porque a chamo de Anita. Péssima forma de redenção. Agora só me resta um soluço no peito e uma página gélida entre os dedos.

O cravo não servirá mais para perdir perdão como antes, quando me atrevia a envolvê-lo com a letra da velha música infantil, como referência a apelidos que recusávamos, embora brincássemos com eles na intimidade. Sempre funcionava: ela me olhava com ternura, beijava o cravo, sorria e, às vezes, cantava na melodia da antiga canção: "a rosa não vai mais chorar".


Despertei, no final do dia, em pé sobre seu túmulo...por séculos me demorei ali e acordei de mim. Agora lá estava...com as mãos preenchidas de cravos.


Magna Santos

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

CARTA A DEUS

Não acredito que fizeste o mundo em 6 dias
Mas acredito ser uma bela história de ninar:
No final o mundo estava sempre bom
E isto é maravilhoso!
Equivale dizer que és um ótimo contador de histórias
Porque criaste todas elas

Só mesmo tu para imaginar
Só mesmo tu para entender todas as faces de um rosto

A última gota de orvalho me serviu de lágrima
Quando compreendi as asas nos pássaros

Não sei se sou bem aquilo que imaginaste
Nem tampouco o que quiseste quando me criaste
Mas sei que me permites ser como sou
E eu te agradeço
E me esforço para fazer do que sou, algo melhor
Confesso: é um trabalho bem difícil
E não saberei mesmo fazer em 6 dias
Quem sabe 6 séculos, milênios, talvez.

Ah, eu queria poder soluçar aos risos para te ter a cada segundo!

Por último, queria muito te agradecer pelos poetas
Por sempre, no final de 6 dias,
Eles me salvarem
Quando olho e vejo
Com meus olhos cegos

Que o mundo...
O mundo não está bom.



Magna Santos