segunda-feira, 27 de junho de 2011

ABSTINÊNCIA

O que é esta falta
Esta agonia que dá
Esta ânsia por palavras
Pelo silêncio derradeiro

Que me faz acompanhada
E protegida do abandono?

O que é que se faz
Com este aperto no peito
Este sentimento
Ao mesmo tempo intenso
Embora louco
Sem nexo
Nem sentido
Sentindo...
Até quando?

Quarenta e um anos de vida
E este embaraço
Retrato
De minhas canções loucas
Com letras lamuriosas
Românticas, chorosas
De refrão persistente
Avassalador
...
Para onde foi meu boi
Que não voltou?
Por que a cuca se escafedeu?
Para onde ela foi
Que me esqueceu?

...

“Dorme, dorme, menininha,
Já chegou a escuridão...”
*



Magna Santos



* musiquinha adaptada do poema 'Mãe Preta' de Patativa do Assaré.

domingo, 26 de junho de 2011

ENTRE FOGOS E PIPOCAS

Os fogos estouram lá fora, já se foi o São João, mas o barulho ainda persiste, contrastando com uma cidade deserta, quase fantasma se não fosse pela nossa própria presença. O cinema também descarta o deserto e assistir a uma película depois de um convite adolescente é algo assim de Deus. O último foi Avatar, quando o 3D me fez espantar um mosquito que achava estar no meu nariz. Risos até hoje:

_ Madrinha, não tem nada aí.
_ Ah...

Desta vez a censura foi 16 anos e ele já tinha assistido ao número 1. Filme em volumes e as explicações do lado para me atualizar em relação ao enredo. Maravilha! Quero mesmo é estar ignorante para receber estas informações ao pé do ouvido, tomando ovo maltine ou comendo pipoca com refrigerante, num típico programa de domingo em plena sexta-feira.

Então penso, com um sorriso no rosto, que quando um adolescente sente-se à vontade para chamar a madrinha para um cinema, é uma pista que a plantação foi segura e prazerosa, graças a Deus. O que mais querer? Só mesmo aproveitar e curtir o momento, agradecendo e trabalhando para termos mais oportunidades para perguntar e escutar tais palavras:

_ E aí, amigão, o que achou?
_ Massa, madrinha! Bom demais!

Bom demais mesmo, meu filho! Muito muito bom!


Magna Santos

domingo, 19 de junho de 2011

PRIMEIRO ENCONTRO

Sentou-se à minha frente
Como quem espera um acontecimento
Desafiou-me a pensar
Responder...

E eu fiquei gaguejantemente
Nervosa
Presente
Nas minhas próprias faltas

Sonhei com uma bolsa
Insistentemente bagunçada
Igual a vida

_ Repara na tua bolsa
Reparei
...
E saí reparada
_ Em ponto de bala
Até a próxima vez.

Magna Santos

domingo, 12 de junho de 2011

ENTRE UMA NOTA E UM PASSO

Teve algumas frustrações na vida, mas as primeiras contáveis foram marcantes, as incontáveis também, claro. Aos cinco anos, já sabia o que era seca ao fitar os olhares fatigados dos familiares, mas agarrada à chupeta pensava: "como existe alguém capaz de viver sem um consolo*, meu Deus!". Para ela, era algo inimaginável. Como era também surreal, uma menina, num pé de serra, sonhar com aulas de piano e de balé. Pois bem, o primeiro foi mais fácil de realizar e toda semana estava lá: chupeta à boca, dedinhos embalados pelos exercícios da professora. Entrar naquela casa já era uma festa: sua arquitetura moderna, seus corredores enormes, a escada em curva, lembrava um castelo. Sua professora, então, era uma doce criatura, fazendo-lhe acreditar que era possível ser uma boa pianista. E ela ía às aulas, igual Branca de Neve, cantarolando. Mas, eis que a cumplicidade de uma mãe e uma professora mudaria algo. Um belo dia, ao sorrir e mostrar à professora o dente mole que tanto sua mãe teimava em arrancar, este foi retirado sem dó nem piedade e não houve jeito de fazê-la voltar às aulas, nunca mais. Nunca mais também retornou a chupeta à boca. Ficou sem consolo, sem dente e sem vontade alguma de tocar piano.

Retirada da sua terra, anos mais tarde, retomou o sonho de bailarina, quando foi matriculada em uma pequena escola de balé. As aulas lhe davam outro gás, chegava em casa, ensinando todos os passos a quem quisesse aprender. Porém as aulas lhe tiravam alguma força física, porque, sem exceção, cada dia de aula correspondia a uma queda, uma cicatriz. Ninguém entendia, muito menos ela. E, ao final de um mês, a zelosa mãe perguntou preocupada à professora se a filha levava jeito pra coisa. Eis a resposta fatídica que colocaria uma pá de terra sobre seu sonho de bailarina: "ela é muito esforçada". Mãe sertaneja, sofrida, viúva, sacrifício para subsistência, filha no balé? Só se fosse com muito talento e sem nenhum acidente. Esforço ela teria que ter de sobra para outras tarefas da vida.

Hoje leva a vida, acurando sua escuta para os sonhos e medos alheios. Segue vivendo, diverte-se com a vida. Entre uma nota e outra, um passo e outro, adora contar histórias, sobretudo, hilariantes, fictícias ou não, como esta.


Magna Santos

*consolo=chupeta, na região do cariri cearense

segunda-feira, 6 de junho de 2011

DIA DESSE

Um dia desse ele estava correndo pela casa
Assombrando a irmã com ares de atacante
Um dia desse salvávamos o mundo
Dos destruidores contumazes e sanguinolentos
Um dia desse pensei que ele fosse imune
A arranhões
Escorregões
E machucados

Pensei que ele era feito de aço
Com minha mente de vidro...
Precisava

O tempo mostrou os ossos e a carne
A cuca pesada e a leveza necessária

Mas dia desse não duvidarei que salvará o mundo
Quando dois pequenos olhos luminosos clamarem:
_ Pai, vovó tá alagando a casa toda. O cano estourou. Vem consertar, pai.

Quem é capaz de duvidar de uma criança, não acredita em mais nada
Eu acredito.


Magna Santos