Havia uma contadora de histórias que o viu pela primeira vez. Pela primeira vez também ele foi visto. Ele ainda não sabia direito o que isto significava, mas gostou do que sentiu, ou melhor, do que começava a sentir.
Não sabia mais o que era sonhar, pensava que tinha a ver com seus pesadelos ou com algumas conversas que escutava: "cara, tu já viu o bagulho que peguei hoje? Fresquinho. Nota 10". "Eita, brilha como ouro". "E quantas atira por minuto? Quero uma dessas". Será isso sonho? Pensava que sim, porém não sabia mais...desde o dia que acordou com a casa em chamas. Foi tirado do sonho por um pesadelo e nele permaneceu por desconhecer outra realidade.
O medo ainda o invade e nessas horas não quer saber de nada nem de ninguém, quer todo mundo longe. Quer? Sim, é melhor, antes que eles saiam por conta própria, como tantas vezes. Medo da dor, do abandono, medo, sempre ele a atormentá-lo. Medo também era seu segredo. Queria ser um homem, mas era apenas um menino.
Desde aquele momento que ela chegou, tem dia reservado para algo bom. E toda vez é assim: ela chega, chama todo mundo. É engraçada, tem olhos doces e voz que muda de acordo com as personagens. As crianças sentadas a escutam de bocas abertas, menos ele que permanece de pé e de boca discretamente escondida nas mãos.
Passam as semanas e ele está lá, de pé, fingindo distração, mas lá e, certamente, ensaiando um sonho e construindo uma outra realidade. Uma realidade onde as pessoas possam abrir a janela e ver flores no lugar de entulhos, andar tranquilas ao anoitecer, após um dia de trabalho ou de escola. Uma realidade onde crianças são apenas crianças com pais de verdade ao lado. Onde sonhar é tão simples quanto comer e dormir em paz. Mas...este também é o sonho de uma contadora de histórias, aquela que o viu pela primeira vez, quando pela primeira vez ele foi visto.
E é assim que os sonhos se encontram.
Magna Santos
*Este é uma ficção, mas quem quiser ler algo real, leia "Os sonhos de Alexandre" no Palavras-pontes. Este vai para Luna Freire e todas as pessoas que dedicam um pouco ou muito do seu tempo a acreditar nas outras pessoas e tentar mudar o mundo dos que são banidos para o terreno da exclusão.