segunda-feira, 27 de abril de 2009

ERA UMA VEZ...*

Havia uma contadora de histórias que o viu pela primeira vez. Pela primeira vez também ele foi visto. Ele ainda não sabia direito o que isto significava, mas gostou do que sentiu, ou melhor, do que começava a sentir.

Não sabia mais o que era sonhar, pensava que tinha a ver com seus pesadelos ou com algumas conversas que escutava: "cara, tu já viu o bagulho que peguei hoje? Fresquinho. Nota 10". "Eita, brilha como ouro". "E quantas atira por minuto? Quero uma dessas". Será isso sonho? Pensava que sim, porém não sabia mais...desde o dia que acordou com a casa em chamas. Foi tirado do sonho por um pesadelo e nele permaneceu por desconhecer outra realidade.

O medo ainda o invade e nessas horas não quer saber de nada nem de ninguém, quer todo mundo longe. Quer? Sim, é melhor, antes que eles saiam por conta própria, como tantas vezes. Medo da dor, do abandono, medo, sempre ele a atormentá-lo. Medo também era seu segredo. Queria ser um homem, mas era apenas um menino.

Desde aquele momento que ela chegou, tem dia reservado para algo bom. E toda vez é assim: ela chega, chama todo mundo. É engraçada, tem olhos doces e voz que muda de acordo com as personagens. As crianças sentadas a escutam de bocas abertas, menos ele que permanece de pé e de boca discretamente escondida nas mãos.

Passam as semanas e ele está lá, de pé, fingindo distração, mas lá e, certamente, ensaiando um sonho e construindo uma outra realidade. Uma realidade onde as pessoas possam abrir a janela e ver flores no lugar de entulhos, andar tranquilas ao anoitecer, após um dia de trabalho ou de escola. Uma realidade onde crianças são apenas crianças com pais de verdade ao lado. Onde sonhar é tão simples quanto comer e dormir em paz. Mas...este também é o sonho de uma contadora de histórias, aquela que o viu pela primeira vez, quando pela primeira vez ele foi visto.

E é assim que os sonhos se encontram.


Magna Santos

*Este é uma ficção, mas quem quiser ler algo real, leia "Os sonhos de Alexandre" no Palavras-pontes. Este vai para Luna Freire e todas as pessoas que dedicam um pouco ou muito do seu tempo a acreditar nas outras pessoas e tentar mudar o mundo dos que são banidos para o terreno da exclusão.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

ESTRANHO VISITANTE

Ele apareceu em uma manhã muito linda. Demorou chegar, mas veio. Feito o sol, resolveu clarear um pouco o ambiente. Tudo escuro, marrom, quase negro e ele ali, insistentemente claro, límpido. Chegou meio torto, aliás, muito torto, tremido até, tímido demais, medroso demais, coitado. Resolvi deixá-lo ali para ver o que aconteceria. Um pouco de generosidade minha era necessário, afinal, não é todo dia que temos um visitante tão ilustre.

Minhas amigas já o conheciam, só faltava eu. Não me disseram coisas boas sobre ele, na verdade, detestaram tê-lo como hóspede; mas, cá pra nós, nunca acreditei no que diziam. Para mim era pura implicância de mulheres temperamentais, simples, mas temperamentais. Uma coisa vi de pronto, ele não estava ali para agradar, embora também não vivesse para desagradar, era apenas sincero, não mentia a respeito de quem quer que fosse conhecer. Ele mostrava a realidade. Não tratava ninguém como criança, gostava da vida, da experiência de vida, não desconsiderava os anos vividos, muito pelo contrário, colocava-se inteiramente solidário a eles - os anos.

Agora estávamos ali, frente a frente, cara a cara, digamos assim. Decidi travar um diálogo. Antes, fitei-o com seriedade, embora feliz por tê-lo recebido. Apesar de tímido, surpreendeu-me a rebeldia. Olhou para mim altivo e firme, claro e lindo, apesar de torto e rebelde. Era totalmente diferente dos demais. Achei engraçado a disparidade e ri um sorriso meio amarelo, pois ainda estava difícil de engolir sua rebeldia. Os antigos conhecidos são todos tão calmos!

Lembrou-me que viria para ficar e que mesmo que não o quisesse agora, viria novamente. Pelo visto, estava acostumado a ser rejeitado, tadinho. Como sou hospitaleira, fiz-lhe um carinho de amiga, mas sentenciei:

_ Tu és lindo, meu querido. Aceito-te claro como és, pois gosto muito de ti, mas impossível tanta rebeldia. Que venha, então, depois, porém feito gente, igual aos demais. Não vou virar uma velhinha de cabelos encaracolados.

Assim, lamentavelmente, arranquei o meu primeiro cabelo branco aos 39 anos. Que venham os demais, que nasçam, mas, por favor, sem fazer alarde com rebeldias ou caracóis. Cheguem mansamente como os outros fios lisos...como são desde que nasci.

Magna Santos

segunda-feira, 13 de abril de 2009

QUANDO AS PALAVRAS SALVAM

Enquanto as crianças a esperam, tenta atinar para o que não sabe ainda. Faz dias que não se atreve a olhar para dentro de si com medo de ver o já revisado e não atualizado. Não espera mais aquele telefonema, não arruma mais as gavetas, tampouco se olha no espelho. Anda com medo de sonhar acordada. Já não espera mais nada.

Não ser mãe é assim: as crianças a esperam, não o contrário. Ampara a cabeça entre as mãos na tentativa de acolhê-la mais do que aos outros, quando então escuta uma voz pertinho: "tia". Não há mais tempo, precisa levantar-se.

Atende ao chamado por obrigação. Escolhe as peças pedagógicas, fantoches, máscaras e tudo mais. Ensaia uma coreografia engraçada e os pequenos se colocam próximos dela como se de fato fossem. Só que de fato são.

Segue a sina da contação. Demora a perceber a acolhida do sorriso. Ainda está distraída nas próprias colocações, afinal, o príncipe acaba de chegar e a bruxa ameaça acabar com a alegria.

_ Mas, tia, essa história não é assim.

_ Não? E como é?

_ Os anões expulsam a bruxa que cai no barranco.

_ E depois?

_ Depois colocam a princesa numa caixa de vidro

_ Por que?

_ Ora, tia, porque ela ainda estava viva para morrer!

_ "Ela ainda estava viva para morrer" - sussurra a última frase para si mesma - Ah...

Desta vez, não só a Branca de Neve foi salva.


Magna Santos

quarta-feira, 8 de abril de 2009

FELIZ PÁSCOA


Paz, amor e prosperidade a todos!

Desconheço a autoria do vídeo. Quem souber, por favor, informe. A música é O Homem de Roberto Carlos e o filme, Jesus.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

ABRINDO

Abril veio com força total. Parece que abriu mesmo as portas para uma infinidade de sentimentos, pensamentos, inquietações.

Nesta segunda-feira abriram-se também as torneiras do céu. Parecia que São Pedro queria lavar mais do que as ruas de Recife. De dentro do carro, observei diversas pessoas à espera da primeira condução do dia em meio à água. Um dilúvio ameaçava chegar. Carros parados, outros em movimento com o alerta ligado como a dizer: "olhem eu aqui, estou quase boiando". Sei não...o inverno este ano será difícil pelo que sugere. Um barquinho, por favor! 'Viver não é preciso, mas navegar é'. Desculpe-me, poeta, mas hoje o entendimento é exatamente este. Continuei com a sensação de que não deveria ter saído de casa. Mas esta acabou ao chegar ao trabalho; não poderia ter faltado.

Intervalo para almoço espremido em escassas horas. Só mesmo amigas para estender o tempo. Conversas que não acabam mais. Dividimos os medos, compartilhamos as esperanças, cutucamos as feridas e vimos com isso que o tumor é antigo, mas é curável, benigno, graças a Deus. Nada como enxergar a própria cegueira para começar a resguardar um pouco de luz.

Viva, portanto, abril, que começa celebrando a mentira e nos traz tantas verdades.

Sobrou-me a vontade de agradecer às minhas amigas "donas" de abril, as que em breve ficarão mais velhas, mais maduras, mais lindas.


Magna Santos