segunda-feira, 31 de maio de 2010

POR QUE, CEARÁ?

Por que sempre me vejo menina nos teus braços, quando tantos anos já me correram? Por que sinto tantas saudades mesmo contigo?

Por que tuas terras correm nas minhas veias igual a sangue?

Por que me emociono quando passo naquele limite que chamam de divisa, mesmo amando também teu vizinho?

Por que reconheço cada pedra e elas gostam de brincar na minha mão?

Por que tenho tantas saudades de gente que nem conheci, só por ouvir falar?

Por que teu céu tem tantas estrelas e a lua sempre incandescente?

Por que voltar também é bom?

Por que adormeci naquela rede mesmo com tanta coisa pra conversar?

Há quanto tempo o Araripe existe em ti?

Por que sinto saudade do banho de chuva, quando sapateava nas poças e buscava sempre a melhor bica para me molhar?

Por que teus filhos pequenos sempre têm olhos curiosos e sorrisos latentes, quando não escancarados?


Por que tuas crias todas não podem igualmente desfrutar do teu solo?


Magna Santos

segunda-feira, 24 de maio de 2010

SEM NOÇÃO

Chegou numa manhã, quando eu ainda cochilava. Chamou-me de preguiçosa e emendou com outras tantas palavras que meus ouvidos sonolentos registravam a conta gotas: "você não tem noção...não sabe do seu tamanho...eu não faço nada".

Palavras escritas de próprio punho e lidas com uma emoção disfarçada. Seus 14 anos engrossaram a voz, eu não abaixo mais os olhos para olhar os seus, mas ele ainda cabe no meu colo e sempre caberá, por mais que cresça.

Uma chacoalhada nos neurônios me fez assimilar direito o que ele dizia, dirigido a mim, mas também à avó: "vocês não têm noção do tamanho do meu amor por vocês...fazem tanto por mim e eu não faço nada...que continuem me ensinando o caminho certo". Encerrava sua declaração em pleno dia das mães. E ele ainda pensa que não faz nada.

Hoje, depois de alguns dias, o vejo animado me contando a última descoberta. Seus olhos têm o brilho particular da alegria. Vibro com este espaço que nos envolve, o qual foi construído ao longo dos anos à medida em que brincávamos de qualquer coisa, que o colocava para dormir, que o buscava na escola, que assistíamos a diferentes filmes, que a conversa rolava solta, enfim, cotidianos, graças a Deus, não desperdiçados. Gosto de saber que ele conta comigo, antes mesmo de me perguntar qualquer coisa; a pergunta é apenas necessária para o agendamento, mas o "saber que pode contar" já é certeza e isto é uma bênção para qualquer ser humano.

Assim, que venham os dias. Como ele disse, talvez eu não tenha mesmo noção e ele também não. Mas, no meu caso, é bom não tê-la para não me achar melhor do que sou e também para me surpreender, quando acordar de uma cochilada.


Magna Santos

domingo, 16 de maio de 2010

CRIAS

As minhas crias
Gostam de vir à noite

Sorrateiras
Espicham-se na cama
Me acordam dos sonhos
Me embalando em outros bem melhores

Os meus rebentos
Não os conheço
Às vezes, os pressinto
Quase sempre os escrevo

Nascem à noite
De madrugada
Na escuridão
E sempre um clarão vem me visitar
Quando estou com eles

As minhas ramas
Nascem da intuição
E uma certeza me dá
Não as escrevo
Com apenas duas mãos

...

Se tivesse uma assinatura
Escrevendo vários
Seria eu
Se tivesse uma identidade
Mantendo todos
Seria a minha

Mas só tenho eu
De vaidosa
Só tem a mim...

A outra mão...
Incógnita
Silente
Discreta
Presente


Magna Santos

sexta-feira, 7 de maio de 2010

SEM DIQUES

Quando somos crianças, uma enxurrada de coisas novas nos chegam às mãos, ao nariz, aos olhos, ouvidos, tudo. Conhecer o mundo é algo que assombra, que encanta, exclama, embeleza e também interroga. O coração não dá nome aos sentimentos. Temos que aprendê-los todos. Alegria é quando dá vontade de pular, tristeza, quando dá vontade de chorar encolhida, vontade é algo que nos coça o coração, amor é quando não cabemos em nós, saudade é "quando o amor fica". E por aí vai.

Hoje tive um dia assim...gostaria de um adulto para me orientar o coração. Ele está aos pulos, chorando, sem caber em si e também está em outro lugar que não no meu peito. Foram viajar e levaram-no junto. Empacotaram-no com uma rapidez que nem deu tempo de chorar. Fiquei olhando aquilo ainda na esperança de que mudassem de ideia. Nada. Não deu tempo de dizer o que queria, de chorar na despedida. Nada. Subi no elevador feito criança amuada, quando não lhe atendem os sentimentos. As lágrimas desciam teimosas e ainda agora saem dos olhos, quando lembro. Ao mesmo tempo, uma gratidão invade o coração que não consegue se decidir no que sentir. Ora alegre, ora saudoso, ora tudo.

A voz no telefone me conforta:
_ Magninha, infeliz daquele que não tem saudade!
_ Mas precisa ser tão urgente? Acabaram de ir...

E a voz continua tranquila, sem pressa, sem susto, sem angústia. Algumas palavras a mais e uma linda notícia me enche de esperança e felicidade, concluindo tudo o que sentia, sem desconfiar. Estou diante da plenitude e sua voz. Sim, é isto mesmo: plenitude.

_ Mas não precisa chorar. Vai chorar é, Magninha?

Então, lembro de que as lágrimas são feitas de mar. E não posso ficar sem expô-las, sem derramá-las. Não tenho diques. Não posso represá-las. Elas se derramam abundantes de felicidade. E talvez agora eu possa responder àquela voz com mais clareza:

Eu não choro porque preciso, choro porque não caibo.
Choro porque chorando
Me derramo
Choro porque a vida é muito boa
Os amigos são muito bons
Deus é Pai

Choro porque a esperança logra sempre o que anuncia
A intuição, o que insinua

Choro porque os corações são pontes
Que se esticam na medida da distância
Choro porque o relógio pode ser cruel em alguns momentos
Mas ele sempre passa
Passa sempre o tempo
Passam três meses, quatro, seis
Com cheiro de menino ou menina?
Choro
Porque nove meses é um tempo bom
Para se ver um filho.

Para meus amados que me deixaram mal acostumada nestes dias.
Para minha amiga que, como boa aluada, anda virando lua cheia de tanta felicidade e vai comemorar o seu primeiro dia das mães no próximo domingo.

Magna Santos

terça-feira, 4 de maio de 2010

HOJE

Hoje amanheci fresca como a chuva da minha infância
Desarrumei as gavetas, destrocei a cama
Esperei o sol nascer para lhe perguntar onde estava quando eu dormia

Hoje percebi que tenho 35 anos
36 ano que vem
Muita coisa pra fazer
Nenhum filho pra cuidar
Muitas crianças pra olhar...que não são minhas
Ao menos se ele se chamasse Pedro
Ao menos se ela se chamasse Clara
Ao menos se minha barriga mexesse
Ao menos hoje

Amanhã talvez não chegue como eu esperava
Ou chegará
Só saberei de hoje

Os idosos me esperam como a uma mãe
As crianças me aguardam como a uma tia
E eu vivo entre o esperar e o fazer
Só hoje
Pois é o tempo que tenho

O Ceará pode esperar por amanhã
Pernambuco não.
O jasmim plantado por minha vó me perfuma de lá
O gosto de pequi sobrevive mesmo nos tempos de seca

Calmo paraíso aquele que existe
Entre a minha rede e o meu coração.


Escrito em 2005.
Magna Santos