Há viagens que rendem. Esta rendeu. Salvo-conduto para andar em paz pelo resto do ano. Portanto, impagável.
No alto dos meus 39 anos, me vejo às vezes bem menina, embora noutras velha me pareço. Devo sofrer de um distúrbio ainda a ser catalogado. Se tiver sorte, entrarei pra história, quando conseguir decifrar meu próprio caso. Não, melhor passar a bola pra minha analista, talvez a oportunidade seja dela.
Nunca tive nenhum problema em relação ao passar do tempo, nenhum rasgo de vaidade ou sei lá o quê para esconder idade. O tempo passa e, para mim, isto sempre foi muito natural. Assim, vivi, estudei, por força do próprio trabalho, pesquisei, anos atrás, construindo hipótese confirmada, no final, sobre as temidas palavras que passeiam pelo caminho do envelhecimento. Associei à ideologia e Althusser me ajudou deveras nos meus pensamentos, além de Luria, o chato do Lacan e tantos camaradas que nos instigam a pensar melhor. Portanto, teoria não me faltava.
Porém, o que são teorias comparadas às vivências em família? Lá vai uma cena besta, banal, mas que me rendeu boas considerações: não sei mais o que estávamos a conversar, nem o que se passava na minha cabecinha chata para sair com esta pérola no meio dos meus iguais:
_ Eu achava que demorava tanto chegar os 40. Antigamente, pensava mesmo que uma pessoa de 40 anos tinha tanta idade! Hoje em dia os mais jovens não pensam assim.
Os olhos admirados da minha cunhada me interrogaram aos risos:
_ Como é? Antigamente? Não, minha filha, antigamente não, ainda hoje.
Surpreendentemente, a minha impressão era só minha. Ninguém concordou comigo. Mas será o Benedito? Meu sorriso amarelo não era pário pra risadagem que se formou, muito menos para inúmeros exemplos surgidos aos montes e de várias bocas ao mesmo tempo. Deus do céu, quase se formou um debate, tendo a mim como alvo, logicamente. Como não ía perder a diversão, teimei, reforcei o que nem eu mais acreditava só para ver a coisa pegar fogo. Eu gosto mesmo é do barulho.
A celeuma perdurou, mas amansou até no dia seguinte reacender em um ambiente onde os adolescentes dividiam o espaço conosco. Eles lá jogando o velho jogo de baralho chamado "burro" e nós cá, conversando miolo de pote. Um certo "nós cá" bem que tentou infiltrar-se no jogo, mas foi avisada pela outra: "te manda que tu és tia". Esta informação não podia dar noutra coisa, senão em mais risadas e teimas. Mas, por força das circunstâncias, renunciei a qualquer intuito de jogo. Enquanto conversava, retorcia a cabeça à mesma linha do ombro e observava com vigor a atividade "joguística".
_ Magna, tô avisando: tu tás doida para ficar com torcicolo. Olha pra cá, "tia".
E agora vocês podem perguntar onde isso tudo, afinal, foi parar. Em lugar algum, amigos. Bem, continuo com minhas teimas (pois gosto da graça), alguma teoria sem maior relevância (embora com mais uma palavra para computar: 'tia'. O torcicolo? Ah, já estou bem, obrigada, mas da pomada cataflam não restou quase nada.
Magna Santos