domingo, 31 de maio de 2009

FALTA

Seu peito seca
O leite acabou
O dia também se fez noite
E ele não chora mais

Um choro, por favor
Para suas noites
Uma febre
Uma dor
Um calafrio

Seus pés não vão ao quarto vizinho
Não há barulhos infantis por entre as paredes
Só o silêncio
Acorda as manhãs

Não fosse os bem-te-vis
Nada faria sentido

Sim
O bem criou mesmo asas
E voou



Magna Santos

domingo, 24 de maio de 2009

ENCONTRO



O diálogo com outros terrenos nos deixam mais férteis, mais serenos e, por vezes, mais plenos. Assim, deixo o que escrevi a partir de duas fotografias de Pachelly Jamacaru, já publicado em seu blog no último dia 11. Pachelly é um artista que capta a beleza e tem o dom de fotografá-la, escrevê-la e também musicá-la. Sou, particularmente, tocada por suas imagens. Estas duas, em especial, me chegaram como um carinho no coração, trasbordando em lágrimas, emoção e muitas lembranças. Nem toda poesia está escrita, a grande maioria está para ser vista, sentida e vivida. Com a permissão do conterrâneo Pachelly, publico as fotografias, porém existem muito mais no seu blog(acesso do lado direito). Vamos às imagens e algumas palavras minhas:


A MENINA E O ESPELHO DA SERRA

Lá no alto da serra vive uma menina feliz
Uma menina
E sua boneca
E seu pai
E sua mãe
À noite dormem abraçados
Pela manhã acordam assombrados
De tanta cor e luz.
Há muitas frestas nas telhas
Quebradas com o tempo
Há tantas outras nas paredes
Que a tinta branca esconde

Outro dia a menina perguntou:
_ Mãe, o que é espêi?
_ O que, menina?
_ Espêi, mãe, o que é?
A mãe sorriu e a pegou pela mão
Foram pela estrada estreita
Onde a menina distraída chutava pedrinhas
E brincava com as borboletas
Ao chegar do outro lado do "lagoin"
(como a menina chamava)
A mãe pediu:
_Olha, fia
E a filha olhou e viu
...
E nunca mais esqueceu.

Muito obrigada, Pachelly Jamacaru.
Magna Santos

segunda-feira, 18 de maio de 2009

DONA INSPIRAÇÃO

Há dias que a espero, mas ela finge não me ver. Aliás, é sempre assim: quanto mais a queremos, mais a perdemos. Melhor é deixá-la ir, por si só terá vontade de voltar um dia.

Sempre temperamental, chega quando quer, não adianta espernear. Alguns dizem que já a possuem naturalmente. Não consigo entender e me controlo para não julgá-los mentirosos. Talvez não sejam, talvez não. Talvez o problema seja meu que ainda não ganhei sua simpatia incondicional. Sim, terá que ser incondicional, pois o que farei nos dias que a preguiça não deixar pensar? No dia em que as palavras gargalharem em vez de sorrirem, gritarem ao invés de sussurrarem?

Ah, bendita inspiração que acontece quando menos esperamos, que nos surpreende sem nenhuma caneta, cotoco de lápis, muito menos papel e com uma memória incapaz de reter o já sabido, quanto mais o inusitado...

Santa inspiração que gosta das noites, quando o silêncio vem nos visitar. Gosta daquela solidão instantânea, passageira, quando os momentos parecem se alongar ou refletir a beleza das ruas, das praças, das gentes.

O relógio se arrasta e a fuga é inevitável. Impossível não viajar nos pensamentos, nos sonhos, nas ilusões. A falta dela nos deixam volúveis, enche um barril inteiro de ausências, ao ponto de estar aqui sem saber como terminar esta conversa, mantida por força dos dedos. Perdoem-me a escassez de assunto e essas palavras tão evasivas. Quando ela voltar mais complacente, há de deixar os seus rastros neste terreno de sementes. Por ora aceito humildemente a sua falta e peço: paciência.

Magna Santos

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A FUGA

O menino queria fugir. Preparou a bolsa com seus pertences favoritos, ou diria, seu tesouro: um pião, 10 bolas de gude, 5 chicletes, o último gibi. A mãe assistia a tudo em meio a cálculos de contas a vencer em poucos dias. No entanto, observando a movimentação do pequeno, deixou de lado calculadora, papéis e preocupações financeiras; eles podiam esperar.

_ Queres ir aonde, Serginho?

_ Para longe.

_ Onde? insistiu

_ Naquele lugar que é depois daquela curva.

_ Pois bem, meu filho, mas você está esquecendo duas coisas.

_ O que, mãe?

_ Primeiro nossa foto. Não se pode ir embora sem fotos. Depois, precisa lanchar para seguir viagem.

O menino concordou sem demora. Escalou a primeira prateleira da estante e retirou a foto: ele, o pai, a mãe e dindin, seu cachorro. Depois olhou-a demoradamente, guardou na mochila e sentou-se à mesa, esperando algo para comer.

A mãe fez um ritual inusitado na cozinha: ligou o som em uma música bem divertida, buscou apetrechos e começou a rebolar manipulando os ingredientes. O menino também assistia a tudo, tentando apenas observar, mas aos poucos começou a batucar com os dedos. Dindin parecia entender tudo, com seu rabo ministrando euforia. A mãe, ao som da batucada, ía cada vez mais misturando: sabor e ritmo, enquanto o filho mesclava som, sorriso, fome e alegria em porções generosas.

Fartaram-se ao pôr do sol até que Serginho pareceu lembrar-se de algo. Guardou as bolas de gude e o pião. Nada mais de chicletes, ele e a mãe mascaram todos. De mãos dadas com ela, seguiu para o quarto a fim de escutar o gibi antes de dormir.

A fuga? Ah, ela poderia esperar para depois...e de novo.


Magna Santos