domingo, 27 de março de 2011

FILA DE ESPERA

Encontrei um escritor numa fila de espera. Estávamos lá para sorrir e aprender um pouco mais sobre interpretar. Ensaiei uma pessoa descontraída a conversar desinibida como se velha conhecida fosse. Convenci tantos e do escritor sobrou-me livros, todos em sua velha algibeira. Ele parecia adivinhar que eu gostava das letras. Eu que nada falara sobre elas, que disfarçara a timidez por entre lorotas de desenganados.

_ Um ingresso, pelo amor de Deus!

_ Já estamos há uma hora a esperar.
_ Olha a fila de idosos.
_ Olha a fila!

Quando a alegria se resume a olhar para os últimos da fila, é porque perdemos a noção do tempo ou simplesmente a noção.

O fato é que o espetáculo transferiu-se para a calçada. Multidões, reclamações, hesitações...água, chicletes, jujubas.

A fila aumentava e diminuía na medida da paciência e da esperança. E eu lá permaneci, o escritor e eu como se nada tivéssemos para fazer.

Os ingressos chegaram, mais pessoas também, a porta se abriu...foi quando a esperança cedeu lugar à certeza em plena entrada.


Magna Santos

domingo, 20 de março de 2011

O NADA E O POETA

E o poeta emudeceu
Tornou-se caule

Dos seus pés brotaram flores
Da sua cabeça, raízes

E assim ficou por vários dias
Vertical invertido

"Minhas palavras

Estão se quebrando

Partidas

Anuladas

Findas..."


O vento respondeu:

Não, poeta

Estão caindo

Acolhidas pela terra
Para brotarem
...
Em seguida.



Para Gustavo de Castro (blog Razão Poesia). As palavras aspeadas foram dele, porque o poeta sempre visualiza as próprias letras.

Magna Santos

terça-feira, 15 de março de 2011

PAI?

Pai, corre, vem ver que legal, parece de verdade. Parece a última brincadeira que fizemos lá na areazinha de trás. Vem, pai, vem ver. Estou até lembrando de como montamos a cidade, colocamos os barquinhos, os carros, até aquela lancha que você gosta. Arrumamos os prédios, enfeitamos árvores e brincamos o dia inteiro de cidade. Lembra, pai?

Você trouxe os aviõezinhos que o primo Teco não queria mais. Fizemos até um aeroporto. Eita, como foi bom, não foi, pai? Fizemos tudo com ruas, avenidas, sinais. Deu um trabalhão danado, não foi, pai? E o senhor dizia: "Você vai ver o resultado, filho. Poderemos criar e bolar qualquer coisa!"

E foi mesmo, pai, bolamos o dia todo. Até mamãe ficou zangada, porque dei trabalho pra tomar banho e almoçar. E o senhor dizia a ela: "estamos brincando de ser grandes, querida".

Pai? Pai? O que foi, pai?

Você não acha que parece quando terminamos a brincadeira, jogando aqueles dois baldes cheios de água em cima? Não lembra que saiu arrastando tudo?

É, mamãe chamou o senhor de louco, mas a gente estava apenas se divertindo e depois limpamos tudo, não foi, pai?

Pai?
O que foi, pai?
Por que o senhor está assim?
Por que está chorando?
Quer que eu desligue a tv?
Isso aí não é de verdade, pai.

...
É?


Que Deus abençoe e fortaleça todos os nossos irmãos japoneses.

Magna Santos

domingo, 13 de março de 2011

O DEVORADOR DE POESIA

Sua mãe nutria ouvidos
Mãos
Sentidos
Coração...

Seu pai caminhava
Junto a ele
...

Ver os poetas
Rever alguns
Dos muitos livros
Degustados na boa praça
Na simplicidade da vida

Pirulitou o primeiro
Há tempos
Desembalou em confeitos
Há muito

Nutrição enriquecida:
Pessoa
Quintana
Gullar
Patativa
Drummond
Tantos outros...
Pareciam guiá-lo
No apetite
E na vida

Hoje não sofre gastrite
Nem estomatite
Muito menos indigestão
Devora-os todos
Mas sempre os oferece
Belos
Profundos
Benfazejos
Como todos eles são
Os poetas

Aprendeu a comer com os olhos
A oferecê-los com dedos
E boca

Ao seu redor
Sempre um banquete
Ao seu lado
Sempre um garfo
Uma faca
Afiada
Como toda poesia é.


Para o generoso amigo Arsênio Meira Júnior.

Magna Santos

sexta-feira, 11 de março de 2011

CINZAS

As cinzas se espalharam pela via
Entre coros e desvarios
Ficou a retidão da passarela
Agora rua

Passos curtos voltam a trafegar
Largos
Estreitos
Apressados
Sonolentos
Tantos
Mais

Voltou a realidade
Voltou a praça
A banda a passar
Sem fantasias
Só alegorias
A imaginar


Magna Santos

quarta-feira, 9 de março de 2011

LACRIMEJANDO

Os cílios longos sempre me livraram de conjuntivites. Nunca soube o que era isso, mas eis que um vírus desbravador, igual aos antigos bandeirantes, me dá o ar da graça e também a oportunidade dos olhos avermelhados, inchados e lacrimejantes. Aliás, do olho, por ora está só no esquerdo, graças a Deus.

Acordar com o olho em lágrimas me lembrou quando eu chorava por apenas um...mas isto é outra história. Bom mesmo foi ver, estes dias, borboletas aos montes, rever gente querida e pensar que há muitas folias que não podemos imaginar, mas sustentar com nossas mentes ferozes e vorazes por bons sonhos.

Acordei com um olho doente, é certo, porém o outro continua são. O que me faz pensar que, enquanto tenho aos pares, acumulo vantagens. Assim, melhor cuidar de colocá-los pra dormir nesta noite que acelera as horas. Daqui a pouquinho uma menina completará uma data também par: 12 anos e nada pagará participar da sua alegria e animação por estar crescendo em busca dos sonhos germinados também aos pares, numa progressão geométrica espetacular.

Os dias, amigos, têm se fartado de mim. As letras têm adormecido sorrateiras nos meus dedos, mas a vida, embora não escrita, tem se deixado viver e me empurrado pra ela, mesmo que às vezes eu tente fazê-la dormir...não tem jeito, ela sempre dá um jeitinho de me acordar, mesmo que com o olho vermelho.


Magna Santos