Nesses dias que a cabeça anda vazia, só me resta um zumbido insistente no ouvido direito. Ou esquerdo? Ou os dois? É, a gripe realmente deixou sequelas. Vou ao otorrino que tem nome de bebida e vejo que nem sempre sei dizer o que sinto, se escuto bem ou mal...e saio de lá com 3 exames para fazer, porque médico não adivinha, ora bolas, no máximo, desconfia.
Embora tenha pedido pro médico repetir uma ou duas perguntas durante a consulta, só hoje, ao atender o telefone, percebi que um ouvido escuta melhor do que outro. Tudo bem que não somos simétricos em tudo, mas estou começando a desconfiar que minha audição não anda lá essas coisas. Porém se acalmem, porque estou longe de falar aos gritos para ouvir melhor. É só uma percepção sutil. Desta vez, ir ao médico me deixou com uma vontade enorme de escutar até sussuro de formiga, bater de asas de muriçoca, papel caindo ao vento etc. Estou me esforçando. Caso eu consiga ouvir qualquer destes, compartilho com vocês. Pena é não saber dizer direito o colorido de alguns sons. Bem que Pachelly Jamacaru poderia me ajudar com alguma fotografia de sons, com a criatividade dele, certamente conseguiria demonstrar em imagens o que o som traz em sensações.
Ando talvez atrasada em algumas conclusões, só agora me ocorreu que o som tem imagem. Sim, acho que este é o sentido da libras - língua brasileira dos sinais. Imagino que todos já sabem como é o aplauso em libras. São as mãos para cima e tremendo. Assim escrevendo não tem a menor graça, bonito mesmo é ver. Acabo de encontrar um site com um dicionário da libras. Lá vemos cada palavra ou, diria, cada som. Dêem uma olhada na palavra saudade. É linda. É uma mão fechada circulando o coração...e, creio, é assim mesmo. Já o preconceito são duas mãos abertas, achatando algo imaginário - outra imagem bem fiel. Ah, e poesia? É algo que vem do centro do peito e sobe com emoção, espalhando-se.
Acredito que a falta sempre traz compensações. No mês passado, trocamos umas ideias nos comentários (em 'quanto vale') sobre ela - a falta - companheira antiga de todos nós. E hoje a vendo sob o ângulo bem específico da deficiência física, entendo que ela pode ser uma oportunidade de desenvolver outros talentos, sentidos ou dons. Imagino que não deve ser fácil, sobretudo, na convivência com os que têm. Os audientes, que somos nós, talvez não percebam a importância do gesto, muito menos do toque, embora vislumbrem cada som do menor ao maior volume, do grave ao agudo. Percepções que geram conclusões, amigos, porque somos seres de falta sim, uma falta existencial que nos empurra pra frente, nesta incansável busca de completude.
Ah, mas eu não quero trazer lições, muito menos "filosofia". Eu queria mesmo era compartilhar esta minha pequena percepção, ocasionada por uma insignificante falta. Enquanto gestos geram palavras e oportunidade de comunicação para alguns, as palavras aqui apenas querem dizer de gestos que talvez nos faltem, ou melhor, me falte. Mas, deixem eu ir lá no dicionário da libras para saber como poderei desejar um bom dia com as mãos, afinal, acabo de descobrir que elas têm voz.
Que Deus abençoe, então, nossos ouvidos e nossas mãos!
Magna Santos
Que Deus abençoe, então, nossos ouvidos e nossas mãos!
Magna Santos