quinta-feira, 29 de setembro de 2011

ESTÁTUA VIVA

Não me escreva cartas velhas, cheias de cera antiga. Nem ouses me dizer palavras caducas. Faz tempo que não escuto nada além da minha própria voz...agora penso o que vou fazer com este sonho, este pesadelo. Não tenho alternativa.

A mala continua na cozinha, por falta de apetite e, talvez, por excesso de vazio. Ao menos, de lá, lembro da última vez que nos demos as mãos. Sim, foi naquele dia em que resolvemos rever todas as fotografias. Nossos pais, avós, todos lá. Amigos, filhos sonhados, presentes. Viagens, casas...tantas que habitamos. Tantas, tantas! Cadê nós? Onde nos perdemos? Onde? Ah, eu não sei... mais uma coisa que nunca hei de saber. Talvez mesmo não queira. De que adiantaria? Continuarias me acusando pela tua infelicidade. Continuarias me sentindo distante. Eu, logo eu, que nunca dormi sem te desejar boa noite. Achas sempre pouco tudo que fiz. Sempre quiseste mais. Sempre queres mais.

Pois bem, esta deixo-te como despedida. Não me procures. Não mais. Não adianta ir naquele café. Não estarei mais lá. Muito menos naquele banco, onde costumávamos levar nossas dores. Não estarei mais na praia, olhando o horizonte. Nem passeando como perdido no jardim botânico. Deixo-te a esperança de encontrares plantas novas. Mas, não me procures. Sou o velho jardineiro que, em noite de lua nova, te ofereceu o antigo jasmim. Sim, tolice! Não me procures. Eu também não me encontraria mais.

Certamente, nosso amor não morreu, senão esta carta de nada falaria. Porém de que adianta um amor vivo, mas estático? Estátua viva. Isto é o nosso amor. Vivemos da graça de quem nos circunda, da generosidade dos transeuntes. Sobrou muita poeira e uma cãimbra lancinante a dizer do muito que nos esquecemos. Estátuas vivas...o que somos.


Magna Santos

12 comentários:

ONG ALERTA disse...

O amor deve ser vivvido a cada dia...beijo Lisettte.

Canto da Boca disse...

Ah, Magna, não sei se reflete o meu momento, mas a leitura que faço é de um amor que finda, que míngua. Projetos esfacelados, braços que se desenlaçam... Caminhos que se bifurcam.
Existe uma certa frieza no sopro do adeus, o adeus é sempre tão frio, tão dorido.
Rusgas no coração nos olhos, na vida, assim percebo uma despedida. E assim percebi o seu texto. E lindo, e me tocou no âmago!

E deixo um beijo grande!

Magna Santos disse...

Boca, bom te ouvir as impressões. Foram estas mesmas as intenções. Já disseste tudo, como disse também lá no Canto, onde tentei comentar por 3 vezes e nada. Tentarei depois. Beijão bem grandão pra ti!

Lisette, na verdade, creio que tudo mesmo vivemos a cada dia, senão...
Obrigada.
Beijo!

Magna

Anônimo disse...

... a mala continua na cozinha, por falta de apetite e, talvez, por excesso de vazio. Eita Magna. É um poema dentro do outro, uma canção que puxa a outra e nos embala mesmo na canção desta despedida. Poemaço.
Abração

domingos

EDGAR MATTOS disse...

Este transeunte, feito de cera antiga, quisera confortá-la com a graça de um comentário, mas só dispõe de palavras caducas que passam ao largo da sua Poesia. Portanto, resta-me prestar-lhe a solidariedade da minha mudez...

Magna Santos disse...

Edgar, meu caro amigo, às vezes a poesia se disfarça e passa serena como se não falasse nada, dizendo tudo.

Eita, Domingos, e mais não digo.

Só digo que fico feliz demais em encontrar vocês aqui, queridos mosqueteiros.
Obrigada.
Abração!
Magna

Poeta Carlos Maia disse...

Eita Magna!!!!

Que maestria, que delicadeza, que ir no fundo do ser!!!

Mais não posso dizer, porque vc já disse tudo!!! A não ser a saudade que bate fundo no peito!!!

Beijos no grande coração!!!!

Magna Santos disse...

Obrigada, Carlos. Eu também não posso nada te dizer, a não ser te agradecer pela generosidade.
Beijão!
Magna

Anônimo disse...

Olá.
Adorei seu Blog.
Estou te seguindo...
me segue?

beijos

http://rgqueen.blogspot.com/

Ilaine disse...

"O que fazer com este sonho..."

Venho lá da Boca e encontrei um adeus nunca dito... um adeus, no entanto, praticado. Chego aqui e encontro estas "Sementeiras" de palavras que estão a propagar uma despedida. É "um amor que não morreu...", mas também não encontra futuro.

Ah, querida Magna! Você, a Boca... poetisas - uma semeadura de belos textos! Que marcam!

Beijo

Hérlon Fernandes disse...

Magna,

adoro textos em forma de cartas porque o tom confessional, mesmo quando não nosso, convence. Também já escrevi tantas cartas de despedidas, com angústias minhas e não minhas, e o fiz por uma necessidade de desaguar alguma coisa que me amarrava a garganta, a alma.
Sua descrição é tocante, é viva, é humana.
Oxalá os nossos amores sempre tivessem leveza de movimentos e não se aprisionassem na fria imobilidade de uma estátua.

Abraços caririenses temperados com o exotismo da Amazônia.

São Francisco de Assis te proteja, neste dia que é dele.

Magna Santos disse...

Obrigada a todos vocês, amigos, pelas palavras.

Ilaine, interessante esta coincidência entre este escrito e o de Boca. Isto, creio, deve-se não a uma coincidência de situações de vida(ao menos não é o meu caso), mas à própria vida.

Certamente, Hérlon, como te disse por email, nem sempre o que escrevemos diz de nós, ou seja, dos nossos sentimentos, porém, de um jeito ou de outro, falamos sim, à medida em que empatizamos com esse movimento todo que é a vida. Obrigada por me lembrar de Francisco.

Abraços em todos.
Magna