sexta-feira, 5 de março de 2010

ANGÚSTIA

Começa com uma sensação esquisita de algo por fazer ou uma nítida impressão que se fez mal feito. Depois desce e entala na garganta, marejando em algumas lágrimas os pobres olhos que continuam abertos por pura teimosia. As mãos gelam, enquanto um coração descompassado permanece apertado entre duas mãos. Sim, duas mãos igualmente geladas e sádicas. Vontade de voltar para casa rapidamente. Mas o dia só começa e o relógio diz que ainda falta muito. De qualquer modo, não é exatamente à casa que se quer voltar. Se quer voltar para o conhecido, para o confortável, para o aconchego dos dias frios. Lá existe um jasmim no quintal e perfuma toda sala. O alpendre exala mansidão...vai ver que são as rosas que pintam coloridas a fachada, tão diferentes do cimento frio, do teto sem telha que se encontra.

O relógio se arrasta, porque ele é cúmplice da sua agonia. Faz e refaz uma lista sem fim. É muito para fazer, muitas pendências, nenhum plano, só pendências.

O café chega na hora do soluço e o gosto para tomá-lo lhe falta. Parece que não tem mais paladar. Sem gosto, sem apetite. Só um sabor ácido na boca...de alumínio, como deveria ser seu coração: duro e frio. Assim pensa, enquanto perde os olhos em algum ponto na parede. E continua pensando porque é o que lhe resta, antes que a noite caia. Hora de voltar pra casa, hora de dormir ou apenas deitar-se.

"Amanhã, certamente, será melhor" - lembra das palavras maternas. Sim, amanhã - pensa e espera. Apenas um minuto para meia noite. 30 segundos, 10...chegou. O amanhã chegou?


Magna Santos

9 comentários:

Hérlon Fernandes disse...

Até a angústia, mesmo tão dolorida e insistente, serve de parâmetro para sabermos o quanto também podemos enxergar a grandeza da essência do jasmim e da presença materna.
Nesta crônica angustiada você é capaz de desnudar a aura de Bem da sua própria alma.
Às vezes, a gente se veste de outros corações para escrever o que a gente (não) sente. Ficção ou realidade, tenho pena dessas almas que usam de sadismo para ferir um coração que é arauto da Fé, que é arauto da Vida.
Abraços iluminados.
P.S.: Os jasmineiros do Cariri estão todos em flor. Receba essa nossa primavera, amiga.

Dois Rios disse...

Oi, Magna!

Confesso que nunca havia lido algo tão exato, rascante e sufocante quanto a sua descrição sobre a angústia. São horas paradas, dias que não amanhecem, esperas torturantes. Dor...muita dor.

Transcrevo abaixo um poema de Graça Pires:

Hoje, confesso, acordei com vontade de ser feliz.
Amarrei, até, no pulso o amor-perfeito
que foi secando no meu peito e retomei a velha máxima:
não deixar que qualquer angústia atinja o coração.
Um castelo de areia, é tudo quanto quero
para acostar o meu barco de papel."


Muito obrigada pela sua gentil e carinhosa visita. Não retribui de imediato porque andei meio sem tempo para os novos e velhos amigos.

Gostei muito das suas crônicas. Você escreve muito bem. Voltarei.

Beijos,
Inês

Anônimo disse...

Cara comadre. Tem uma estória de um estudante de medicina que toca o coração de um homem que havia sofrido um trauma aberto do tórax, numa batalha. O órgão ainda batia e o fato de segurá-lo, com o soldado agonizando fez com que refletisse sobre a vida. Naquela época o coração era algo inatingível, hoje diariamente é manipulado pelos cirurgiões e fortalecido com palavras( além de textos). Você por um certo tempo, por exatas 24 linhas, dispostas em 4 paragrafos, segurou um coração.
Halano

Magna Santos disse...

Hérlon, como é bom poder ler suas palavras...outro dia, uma amiga (que pouco vem aqui)perguntou: "tem sempre um rapaz que traz palavras tão sensíveis, né, Magninha?". Era você.
E só tenho me nutrido de palavras doces como as suas pelas mãos generosas que aqui aparecem e falam. Não é ficção a troca que sentimos pelas palavras ricas de afeto.

Poxa, Inês, você demorou, mas chegou trazendo muito bem. Seja sempre bem-vinda! Muitíssimo obrigada pela sua generosidade.

Cumpade, e eu? O que se faz quando comentários como este teu suspende o nosso coração? Eita, nós...

Abraços e obrigada, gente.
Magna

Anônimo disse...

Oi Magna
Obrigada pelo supimpa!
Gostou dos docinhos ,né? Eu também, sou nutricionista mas aprecio a doçura da vida.
Aguardo você e sua mãe com o maior prazer.
Um grande beijo
Luisiana

Pachelly Jamacaru disse...

Abração minha querida amiga! Bom ver vc produzindo. Não abandone as fotos não viu!

Anônimo disse...

Fico feliz em ser tua amiga e convido todo mundo a conhecer sementeiras.
Tua capacidade de expressar o que estar sentindo e transformar em poesia é incrível; até a angústia fica leve.
Beijos mulher!!!!
Luiza

Magna Santos disse...

Luisiana, aguardo teu blog, não demore, tá?
Ah, e o prazer foi todo nosso. Mamãe saiu muito contente e eu mais ainda. Muitíssimo obrigada por tudo.

Pachelly, meu amigo, não tenho sua inspiração nas lentes. Tenho esquecido um pouco a máquina, mas vou tentar retomar.

Zinha, finalmente, consegues comentar aqui em Sementeiras. Que bom começar o dia lendo tuas palavras amigas. Agora, vamos trabalhar no teu blog, né, mulher? Mãos à obra!

Beijos!
Magna

tesco disse...

É triste constatar que o amanhã não segue o cronômetro. Esse amanhã em que tudo muda, as coisas são bem melhores, todo mundo fica feliz. Por isso o Creedence já cantava: "Someday never comes".
Mas, nós, otimistas, idealistas, metidos a poeta, sonhadores, não temos medo do amanhã e sempre esperamos coisa melhor. O que temos de fazer é levar nossa mensagem aos angustiados. Pelo menos, alivia.
_Beijos.