quinta-feira, 24 de setembro de 2009

OUVINDO GESTOS

Nesses dias que a cabeça anda vazia, só me resta um zumbido insistente no ouvido direito. Ou esquerdo? Ou os dois? É, a gripe realmente deixou sequelas. Vou ao otorrino que tem nome de bebida e vejo que nem sempre sei dizer o que sinto, se escuto bem ou mal...e saio de lá com 3 exames para fazer, porque médico não adivinha, ora bolas, no máximo, desconfia.

Embora tenha pedido pro médico repetir uma ou duas perguntas durante a consulta, só hoje, ao atender o telefone, percebi que um ouvido escuta melhor do que outro. Tudo bem que não somos simétricos em tudo, mas estou começando a desconfiar que minha audição não anda lá essas coisas. Porém se acalmem, porque estou longe de falar aos gritos para ouvir melhor. É só uma percepção sutil. Desta vez, ir ao médico me deixou com uma vontade enorme de escutar até sussuro de formiga, bater de asas de muriçoca, papel caindo ao vento etc. Estou me esforçando. Caso eu consiga ouvir qualquer destes, compartilho com vocês. Pena é não saber dizer direito o colorido de alguns sons. Bem que Pachelly Jamacaru poderia me ajudar com alguma fotografia de sons, com a criatividade dele, certamente conseguiria demonstrar em imagens o que o som traz em sensações.

Ando talvez atrasada em algumas conclusões, só agora me ocorreu que o som tem imagem. Sim, acho que este é o sentido da libras - língua brasileira dos sinais. Imagino que todos já sabem como é o aplauso em libras. São as mãos para cima e tremendo. Assim escrevendo não tem a menor graça, bonito mesmo é ver. Acabo de encontrar um site com um
dicionário da libras. Lá vemos cada palavra ou, diria, cada som. Dêem uma olhada na palavra saudade. É linda. É uma mão fechada circulando o coração...e, creio, é assim mesmo. Já o preconceito são duas mãos abertas, achatando algo imaginário - outra imagem bem fiel. Ah, e poesia? É algo que vem do centro do peito e sobe com emoção, espalhando-se.

Acredito que a falta sempre traz compensações. No mês passado, trocamos umas ideias nos comentários (em 'quanto vale') sobre ela - a falta - companheira antiga de todos nós. E hoje a vendo sob o ângulo bem específico da deficiência física, entendo que ela pode ser uma oportunidade de desenvolver outros talentos, sentidos ou dons. Imagino que não deve ser fácil, sobretudo, na convivência com os que têm. Os audientes, que somos nós, talvez não percebam a importância do gesto, muito menos do toque, embora vislumbrem cada som do menor ao maior volume, do grave ao agudo. Percepções que geram conclusões, amigos, porque somos seres de falta sim, uma falta existencial que nos empurra pra frente, nesta incansável busca de completude.

Ah, mas eu não quero trazer lições, muito menos "filosofia". Eu queria mesmo era compartilhar esta minha pequena percepção, ocasionada por uma insignificante falta. Enquanto gestos geram palavras e oportunidade de comunicação para alguns, as palavras aqui apenas querem dizer de gestos que talvez nos faltem, ou melhor, me falte. Mas, deixem eu ir lá no dicionário da libras para saber como poderei desejar um bom dia com as mãos, afinal, acabo de descobrir que elas têm voz.

Que Deus abençoe, então, nossos ouvidos e nossas mãos!


Magna Santos

8 comentários:

Pachelly Jamacaru disse...

Um desafio e tanto! Mas, se é interessante é! Partirei do princípio de que a imaginação tem pesos e medidas, valores enfim, os quais que lhes atribuímos, físicos e metafísicos!
São valores diferenciados para uns e para outros!
Uma fotografia que represente um som é inversamente proporcional ao som que transmite cores!
A precepção é a variável!
Veremos no que vai dá isso! Não é uma promessa, mas será uma busca!

Abraço, que a saúde te contemple!

Pachelly Jamacaru disse...

Corrigindo: "a percepção"

tesco disse...

Libras tem um sério porém: As palavras não têm ligação com as outras. Isso acarreta um esforço
muito grande em decorar, pelo menos, cinco mil palavras independentes. E como adivinhar que 'o champanha do coração' não é amor, e sim poesia? _Beijos.

Anônimo disse...

Linda mensagem!
Sensibilidade a flor da pele, ou melhor do ouvido ou melhor ainda..do coração! Bj Ana Cristina

Dimas Lins disse...

Magna,

Talvez tuas palavras sejam o som do coração. Desconfio que para ouvi-las é preciso ler baixinho, com menos intensidade que um susurro.

Como você, também ouço melhor com um ouvido do que com o outro. Também percebi isso ao telefone. Talvez tenha gasto mais um que o outro. É hora de reequilibrar as coisas.

Quanto a falta, um amigo me inspirou a tentar entender a diferença entre a falta e a saudade. Fiz o que pude.

Dimas

Cadinho RoCo disse...

É muito interessante percebermos o quanto fazemos para que possamos nos comunicar.
Cadinho RoCo

Ana disse...

Pois é amiga, compartilho da tua suposta falta. Por enquanto, ainda não pela ausência de sons, que como bem disseste podem ser ouvidos ou sentidos de diversas maneiras, mas pela falta de discernimento. Só agora entendi o zumbido no ouvido, mas bem que você poderia ser sugestionada pela imagem do capitão gancho com aquele tic-tac insuportável. De toda maneira, melhor assim, surda, mas de um só ouvido. Fiquei curiosa sobre o nome do médico, Afrin? Enfim, para aquelas pessoas que dizem não gostar de fazer nada correndo, cuidado, impossível sair vivo da vida, com ou sem pressa. Bjs

Magna Santos disse...

Aninha: Guaraná. Este é o nome do médico. Ainda não fiz os exames...olha a pressa, Magna. Sei não, Aluada, toda vez que preciso ter pressa, penso na tartaruga...a danada vive uns 200 anos. Suspeito que ela sabe das coisas.
Cadinho: acho que ainda não sabemos direito o quanto fazemos para nos comunicar, mas creio que vamos aprendendo. A respeito disso penso se alguma resposta de comentário minha é lida por vocês, por exemplo.:)Vamos em frente.
Dimas: gosto sempre de tuas palavras. Vamos combinar uma coisa: se nos conhecermos pessoalmente, informamos o ouvido melhor e aí tá tudo certo. (brincadeira)
Pachelly: foi brincadeira, mas se levar a sério, acharei ótimo. Sua arte é sempre bem-vinda.
Ana Cristina: acho que tenho aprendido com você a ouvir com o coração, afinal, aqueles pequenos sempre solicitam mais que ouvidos...e você, graças a Deus, tem conseguido.
Tesco: não conheço nada de libras, mas fiquei pensando se a nossa "língua" também não tem outras tantas particularidades, talvez até tão ou mais complicadas que a Libras.

Obrigada, amigos, pelas palavras.
Abraços.
Magna