quarta-feira, 28 de abril de 2010

PARAÍSO

Pois bem, chegava exausta do trabalho. Subi os andares, imaginando que qualidade de companhia seria com tanto cansaço e alguma tristeza. Toquei o 'blim-blom' meio desmotivada, carregando um pouco da semana nos ombros, do tempo curto, da cabeça cansada. Uma voz lá de dentro me surpreende com o oposto do que sentia:

_ Tia, tia! Já vai, tia - grita com muita ansiedade.

Abraços restauradores e apertados dos meus dois amores. Um corre para o quarto estudar as muitas matérias do ensino médio, a outra - que havia estudado a tarde inteira - permanece eufórica: mais sorrisos, pulos de alegria. Só umas três horas passaria com ela, mas, pela sua alegria, parecia ser o mês inteiro.

_ Tia, vamos nos divertir! Tia, vem cá, tia, olhe só aqueles livros. Vamos ler, tia, vamos ler. Vai ser muito legal!

É linda esta urgência de criança; longe da adulta, ela se move em função da alegria que vem da simplicidade, de aproveitar o belo, o engraçado, o inusitado, as descobertas. Ah, e esta urgência é contagiante! Não demorou para eu esquecer de tudo o que levava nos ombros. Na verdade, parece que uma mão invisível tirou tudo, como quem corta a cordinha de um balão que sobe veloz. Uma mão não, uma mãozinha e bem visível. Senti-me nos ares.

Como boa adulta, dei um tempo na urgência. Antes preparamos a mochila pro dia seguinte, pois "primeiro a obrigação", ao que ela completou: "é, aí vamos ficar livres". E ficamos mesmo.

A coleção de livros escolhida foi um show à parte: "A criação do mundo das palavras". Linda! E aí saímos lendo e vivendo, teatralizando, pois é impossível fazer algo com ela que seja simplesmente uma única coisa. Lia e ela interpretava e vice-versa. Ela dava uma de Deus, quando criou as coisas(substantivos), depois as qualidades(adjetivos), os movimentos(verbos) etc. Ríamos de cair no chão. Seus olhos brilhavam de encantamento e de alegria e eu fiquei no paraíso por exatas três horas.

Foi então que percebi que o meu mundo acabava de ser recriado e que eu podia descansar sim no sétimo dia, porque tudo que havíamos feito era muito bom.

Ela dormiu abraçada às bonecas e eu...aos sonhos dela.


Magna Santos

5 comentários:

Hérlon Fernandes disse...

Que conforto!
Você é cercada por tesouros e abençoada por reconhecê-los assim!
Abraços.

naire disse...

Delicado como você!
Tudo na vida é uma questão de merecimento. Sem dúvida, você mereceu o paraíso.
Beijo

Ana Montenegro disse...

Linda reflexão Magna. Como rejuvenescemos na companhia desses pequenos que nos amam. Bjs

Dois Rios disse...

Está tudo tão amplamente dito no seu ótimo texto, Magna, que só me cabe afirmar que se cada um de nós tivesse a sorte diária de partilhar, mesmo que por alguns instantes, da graça e da leveza de uma criança, viveríamos, então, abraçados aos sonhos delas.

Beijo,
Inês

Dois Rios disse...

Magna querida!

Você sempre tão gentil e suave com as suas palavras!

Muito obrigada pelas poesias em forma de comentário, que você deixa no Dois Rios.

Vim aqui certa de que iria encontrar um novo texto. Ficarei aguardando.

Um terno beijo,
Inês