domingo, 15 de agosto de 2010

"UMA NOITE EM 67"

A telona realmente nos presenteia com belezuras dignas de serem repassadas. E isto mais uma vez aconteceu quando me sentei naquelas cadeiras da Fundação Joaquim Nabuco, dias atrás. "Uma noite em 67" é o título de um documentário(de Ricardo Calil e Renato Terra), cujo propósito evolui à medida que vemos. Ponteio, Alegria Alegria, Roda Viva, Domingo no Parque...nos trazendo de volta tempos que a música brasileira era instrumento de resistência, de liberdade, de inclusão, de lucidez, de revolução. Tempos que a plateia era outro artista a mostrar suas criações, sua opiniões, talvez o único espaço onde a voz da maioria valia alguma coisa, uma coisa é certa: fazia barulho. No auge da ditadura militar a opressão marcava presença constante.

Já quase saindo de cartaz, pois já é a 3ª semana de exibição, alardiei onde pude, mas algumas linhas precisavam ser escritas, considerando a beleza do documentário. A película é primorosa. Poder recuperar imagens faz realmente um bem danado à humanidade, ao menos, à minha humanidade. Há momentos na história que não se pode apagar e ter registrado é mais que necessário. Senão, como avaliaríamos o temor de Gil, senão vendo-o antes de subir ao palco? Nem mesmo sabendo da bebedeira, nem escutando-o falar sobre o motivo nos daria a real dimensão do ocorrido. Como perceber o "abuso" de Chico Buarque para com o rótulo de mocinho(estrategicamente ansiado por quem organizava o festival e também pelos milicos)? Como avaliar o magnetismo de Caetano, senão o vendo domar uma multidão senhora da vaia, embora algumas palmas, de fato, víssemos competitivas? Como não desejar que Nara Leão, Elis tivessem dito alguma coisa? Como aprender a técnica para se livrar de um "linchamento": 'absurdo, absurdo'? Como não enxergar a emoção nos olhares de Edu Lobo e Marília Medalha? Como não refletir nas mudanças que a vida traz? Mudanças de opinião, de gestos, de posição, de lado, de escolhas políticas...Caetano e Gil que o digam (ou não). Sim, como não questionar, se questionar?

Deu vontade de ser bem mais velha para ter vivido aquele tempo, mas, na verdade, nem era nascida, talvez, quem sabe, desejada. E entre desejos e anseios, fiquemos com a conclusão inevitável de um jovem de 23 anos, que ainda hoje merece toda nossa admiração:
"Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração..."


Magna Santos

Cinema da Fundação Joaquim Nabuco

16 comentários:

Arsenio disse...

Ah, Magna também sinto vontade de um tempo que não vivi.

Muito bom o seu post.

Abrangente, e ao mesmo tempo uma síntese dos anos de ouro dos festivais, do recrudescimento da ditudura, enfim, de uma época efervescente.

Mas aqui dou uma parada para falar de Chico Buarque. Baluarte dessa e de todas as épocas.

Nessa período, enquanto os jovens do Planeta ouviam Beatles (e com razão, diga-se), os daqui ouviam também Beatles, mas davam vez a Chico, Vandré, Edu, Gil, Mutantes, Tom, Vinicius, Caetano e cia.

Principalmente Chico. Porque mais do que seus companheiros de geração, acredito que ele tenha sido o principal responsável pelo fato de o Brasil ter continuado a produzir música brasileira após o período dos festivais.

O curioso é que Chico parecia um paradoxo ambulante. Muito jovem (23anos em 1967) pinta de galã e de genro dos sonhos, com suas camisas quadriculadas, ele tinha todas as ferramentas para ser um "herói" da "Revista do Rádio" ou da "Buzina do Chacrinha", fazendo par com Martinha ou Wanderléa.

Pois Chico, em vez disso, fazia poesia e fundamentalmente samba.

Não o samba da bossa nova, como seria de se esperar de alguém de sua idade, mas o samba tradicional e com a velha temática - amores de Carnaval, moças suspirando na janela, maridos que chegam tarde em casa e etc.

Era como se ele vivesse e escrevesse para o pessoal de 1930.
Não deu outra. A turma da intriga, começou a usar Chico para combater a tropicália e até a própria bossa nova, e ali também estourou o maniqueísmo tópico dos anos 60: se você gosta de fulano é alienado e portanto, idiota. Era assim.

Mas Chico, gênio da raça, além de fazer música e poesia, também teve que suar para se livrar de tais "bandeiras" ou estigmas.

Então, seu imenso universo lírico ("Bom Tempo", "Noite dos Mascarados", "Com açucar, Com afeto, "Quem te viu, quem te vê"), foi sendo construído em meio a uma década turbulenta em todos os sentidos, de onde que a gente só tem mesmo é que agradecer a Deus pelo fato dele existir.

Assim que o conheceram, Tom e Vinicius reconheceram nele um irmão mais novo - o que pela força poética e musical que os três tinham, era apenas inevitável.

Aos transeuntes que perguntavam a Vinicius nas ruas do Rio em 1966 o que havia de novo, o poeta respondia de imediato: "Chico Buarque de Hollanda".

E assim foi, é e sempre será.
Salve CHICO BUARQUE DE HOLANDA

bjos

Magna Santos disse...

Arsenio, assisti ao filme duas vezes, em uma delas, uma amiga me perguntou: "o que será da gente, quando Chico for embora?" (lembro que fiz esta pergunta em relação a Renato Russo na ocasião da morte dele. É um cara que faz muita falta). Saí com uma saudade danada de escutar Chico. Dei por mim que a maioria dos meus discos dele são de vinil, relembrando um tempo que o escutava todo santo dia. Agarrei-me com eles, fiquei babando aquelas letras que são só poesia. Vê-lo no documentário me trouxe mais admiração. Adorei o bom humor, as tiradas, a franqueza, sem frescura nem vaidade, ao menos não passou.
Sigamos.
Acabo de chegar do show do Ney. O cara é um excelente intérprete. Gosto também quando ele canta Chico, uma das minhas preferidas (na voz dele) é Tanto Amar.
Abração.
Magna

Clenes Calafange disse...

Magna, querida! Fico mesmo a pensar quanta coisa boa existiu naquela época. Sei que também temos coisas boas atualmente, mas cada época traz coisas distintas, não? Realmente seu post está fantástico. O Chico dispensa comentários. Eu acho que já cheguei a pensar o que será de nós quando ele se for. Quem terá as suas palavras e seu estilo? Ai, ai! Assim também são os demais que fizeram essa época. Todos tem suas peculiaridades que nos enriquecem até hoje, mas não sei se eu gostaria de ter vivido naquela época. Beijos!

Marina disse...

Será que o filme já saiu de cartaz? Adoro a música brasileira e com certeza vou adorar o documentário.

Obrigada por compartilhar, Magna.
Beijos.

Arsenio disse...

Sim, e nos festivais, o Brasil foi arrastado (perdoem o trocadilho) pelo "Arrastão" na voz eterna de Elis.

Arrastão, que hoje serve como título para notícias correntes nas manchetes do bandeira 2.

A música, uma parceria de Edu Lobo e Vinicius de Moares.

Naquela época, um veteranissimo Vinicius, unia-se ao jovem e talentoso Edu.

E, interpretanto essa canção, ELIS REGINA, que foi a grande cantora de sua geração - na minha opinião. Ela herdou o manto de Carmem Miranda, com uma animação e um élan vital de que não temos mais notícia.

Bethânia segue uma outra linha, e tem seu lugar assegurado no topo.

Mas fico com Elis.
Abraços

Magna Santos disse...

Marina, está sim até quinta-feira. Depois disso, não sei. Dá uma olhada no link do cinema no post.

Clenes, essa coisa de saudade do que não vivi, gosto de ter. Me transporta com mais precisão para um tempo que não é meu e ao mesmo tempo é, porque o tempo atravessa o mundo, o espaço, as pessoas e tudo o que lhes dizem respeito. Isto, talvez, também me faça ainda mais valorizar o "meu" tempo, este que também é teu e de todos que agora estão aqui neste mundo. Para chegarmos aqui, precisamos passar por "aquele" tempo. Talvez isto me faça viver meio assim "atemporal", sem ligar para padrões, nem modas.
Ah, eu gosto mesmo é do meu tempo, de todos os tempos. Esse que me faz dar uma mão a uma criança e outra, a um idoso.

Abração.
Fiquem com Deus.
Magna

Magna Santos disse...

Arsenio, já sei a solução: vamos fundar o movimento dos "sem festivais". A gente sai pelas ruas, cantando A Banda de Chico ou Ponteio de Edu? Sérgio Ricardo vai na frente para, qualquer coisa, ele abrir o caminho.
Abração.
Magna
Obs.:concordo, Elis era demais.

Marina disse...

Já olhei, Magna, obrigada. Marquei de ir amanhã (terça) mesmo, a única noite na semana que eu tenho livre.

Quando eu voltar, comento o que achei.
Beijos!!

Arsenio disse...

ehehe, é sempre bom, Magna. É uma ideia. Com Sérgio Ricardo na vanguarda dessa romaria, a gente se proteje e faz festa.

Dois Rios disse...

Magna, querida!

Eu vivi aquele tempo. Era uma menina ainda, recém chegada de Manaus e muito boboca para as questões políticas e sociais que pipocavam na alma dos ativistas como uma brotoeja. Ainda assim vivi, chorei e cantei intensamente com Chico, Cae, Gil, Nara e Sérgio Ricardo nos Festivais de Música da Record pré-Edir Macedo. Guardo daquele tempo lembranças de um espírito de luta pela liberdade e pelos ideias que esmaeceram com o passar dos anos.

Beijos saudosos,
Inês

p.s. Andei meio sumidinha porque o frio que está fazendo no rio tem me deixado mais preguiçosa do que o habitual, rsrs...

Marina disse...

Demais o documentário, Magna. Foi interessante ver os cantores lá, antes de eles serem "reis" ou celebridades intocáveis.

Magna Santos disse...

Inês, então você teve o que nós estamos "roendo" aqui de saudades. Maravilha! Quem sabe você não era uma das jovenzinhas que eu vi no documentário "se acabando" de chorar. Se não fosse tu, seria eu, porque impossível viver uma época daquela sem emoção.

Marina, talvez eu vá ver uma terceira vez(quinta-feira), pois preciso acompanhar uma pessoa muito querida. Desse jeito, vou decorar até as falas.

Beijos.
Magna

Hérlon Fernandes disse...

"Podem me prender,
Podem me bater;
Podem até me deixarem sem comer
Que eu não mudo de opinião!"

Deu pra ouvir Nara no show Opinião! Fiquei com muita vontade de ver o documentário, Magna!
Saudades de suas sementes! Estou voltando aos poucos!
Beijos.

tesco disse...

Um dia desses, neste mês mesmo, estava revendo "Domingo no parque" no You tube. Aí é que me dei conta da época fantástica que atravessamos. Era muito interessante termos anualmente uma eclosão de criatividade na música, com letras, melodias e arranjos que se eternizam.
Esse festival de 67 foi uma coisa estupenda mesmo, além dos quatro primeiros, citados pela Magna, teve ainda "A estrada e o violeiro", de Sidney Miller, agraciada com o prêmio de 'Melhor letra', e "O cantador", de Dori Caymmi-Nelson Motta, defendida por Elis.
Era um rebuliço essa época de fim de ano, graças aos festivais. Não havia transmissão direta (iniciada 5 anos depois), mas os 'video-tapes' transmitiam toda a emoção dos eventos.
Não sou saudosista, creio que temos de viver o momento e fazê-lo girar à nossa velocidade, mas essa observação da Inês me deixou ensimesmado: Não é que era a Record a principal ponta-de-lança dessa alegria? E, pelo menos nominalmente, é a mesma do Edir Macedo!
Vai tempo, dá uma viradinha, vai!
Beijos.

Dimas Lins disse...

Magna,

Por sua influência, amanhã estarei assistindo ao documentário. Sou fã da Música Popular Brasileira ( meu blog que o diga) e acho que na décado de 70 ela teve o seu maior momento.

Ao ouvir certos cantores e composições de hoje, tenho a impressão que a música brasileira perdeu um pouco da qualidade.

A propósito, o Estradar amanhã completa 3 anos. Para comemorar a data escrevi um texto comemorativo para o dia.

Abraços,

Dimas Lins

Magna Santos disse...

Eita, Hérlon que bom você de volta. Volte, volte mesmo! Tem muita coisa pra ser vista, escrita e vivida.

Roberto, fiquei com uma vontade danada de ver Elis, mas não passa no documentário.

Dimas, depois quero saber o que achou. Caso eu vá, é capaz de nos conhecermos por lá amanhã. Pelo menos, eu já vi tua foto. Espero que goste, aliás, sinceramente, acho que não tem como você não gostar, curtindo música como você curte. Estradar é, de fato, uma pérola neste mundo de blogs, sempre trazendo boa escrita, associada a música de qualidade. Que esses três anos se reproduzam por inúmeros pela frente. Parabéns!

Obrigada.
Abraços.
Magna