sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

NA GARUPA*


Quatro filhos, sete netos, um bisneto a caminho. Estes são os frutos de 74 anos de vida e muitas pedaladas para manter o sustento da família. No percurso para a cidade, vai lembrando de quantas vezes já o fez. Sabia de cada curva do caminho, cada pedregulho, ladeira, cercas que íam mudando à medida que ía avançando e ultrapassando as propriedades. Aprendeu logo cedo a distinguir a condição do proprietário pelas cercas dos terrenos. As de pau-a-pique falavam de um tempo antigo, da época de criança, mas ainda resistentes entre os mais pobres. O arame não tardou a aparecer e, mesmo liso ou farpado, exibia a necessidade de preservar as riquezas dos donos.

Olhos pequenos espiavam de longe os vastos terrenos que a vida não lhe dera. Também não podia reclamar, saúde não lhe faltava para plantar em terras alheias, sustentando a família inteira.


Os meninos foram crescendo e tomando rumo próprio, mas nenhum tinha sua disposição. Alguns, lastimando a sorte, arriscaram a travessia da estrada em busca de melhores dias, travessia há tempos feita por ele. Amarga experiência lhe trouxe de volta sem um tostão e muitas mazelas. Acabou perdendo o pouco que pensava ter, mas "valeu a experiência", era o que sempre dizia.


De todos os anos vividos, o melhor era aquele: Rosinha finalmente voltara pra casa. Seu xodó, seu tesouro! Talvez porque perdesse as contas de quantas vezes acompanhou a mulher nas rezas para salvar a filha que havia nascido "doentinha" - como todos diziam, talvez porque era a única "filha mulher" ou talvez mesmo porque vê-la fugir de casa com um sujeito sem rumo lhe partiu o coração de pai. Assim, depois de sua fuga, criou um rosário próprio, uma jura, uma promessa antecipada pela volta de Rosinha e em todos os aniversários da filha, ía à igreja agradecer a Deus pela filha e pedir pela sua volta.
Quantas vezes voltou tarde da noite, porque sentia-se meio desalentado, perdido, sem direção por saber que sua casa ainda estava sem ela...

Hoje não. Sobrava-lhe uma imensa gratidão e, como uma espécie de reverência, encostou a bicicleta ao pé da porta e sentou-se na garupa, na tentativa de dizer a Deus que agora sabe...agora sabe que nunca esteve sem direção. Agora sabe que sempre fora guiado.



Magna Santos


*A publicação da foto foi previamente autorizada pelo fotógrafo Pachelly Jamacaru, cujo talento já me forneceu muitas oportunidades de viajar pelas palavras e criar histórias como esta.

2 comentários:

Pachelly Jamacaru disse...

E eu que tenho andado meio ausente na Net, abro o SEMENTEIRA e encontro os causos e contos Magnos de Magna!

Ninguém perde por visitar o SEMENTEIRA!

Imenso abraço, boas folias!
Pachelly J.

Magna Santos disse...

Obrigada duplamente, amigo.
Boas folias para você. Que elas te inspirem ainda mais a encontrar a beleza escondida aos olhos comuns.
Abração.
Magna