quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O CRAVO E A ROSA

O cansaço chegou no final do dia. Temo não escurecer à noite. Preciso de sono para esquecer dos problemas e dos infortúnios. Vejo a menina passar com gosto de ontem. Espera-se a mesma conta chegar, com o dinheiro gasto no bolso do paletó. Desde que o ganhei não tenho mais sossego. Apenas fui trocando de modelo ao longo dos anos, mas todos tem o mesmo cheiro e peso do primeiro: responsabilidade, pressa, suor.

Acordo 5 da manhã com jeito de quem está ao meio dia. Saio apressado em busca de algo que ainda não sei. Corro a 80 por hora e em meia estou no escritório. Devagar demais para o desassossego. Deito papéis de jornais em pilhas cada vez maiores. As notícias precisam ser separadas por ordem de importância, mas a página fúnebre me diz de alguém que rodopiou nos meus sonhos e deixei estacionada na frente de um altar de nuvem.


De repente a vejo entrar novamente, subir ao altar, sorrir e chorar ao me ver partir. Mudei de cidade, de emprego, esqueci endereços, o relógio correu, retornei à cidade, mas nada resolveu a lágrima que ficou encravada no meu olhar naquele dia. Minha filha mais velha chama-se Ana e minha mulher nem desconfia porque a chamo de Anita. Péssima forma de redenção. Agora só me resta um soluço no peito e uma página gélida entre os dedos.

O cravo não servirá mais para perdir perdão como antes, quando me atrevia a envolvê-lo com a letra da velha música infantil, como referência a apelidos que recusávamos, embora brincássemos com eles na intimidade. Sempre funcionava: ela me olhava com ternura, beijava o cravo, sorria e, às vezes, cantava na melodia da antiga canção: "a rosa não vai mais chorar".


Despertei, no final do dia, em pé sobre seu túmulo...por séculos me demorei ali e acordei de mim. Agora lá estava...com as mãos preenchidas de cravos.


Magna Santos

2 comentários:

Arsenio disse...

Eita, Magna..
Esse poema em prosa...
Parafraseando Drummond:

"Eu não devia te dizer
mas essa cravo
mas essa lembrança
botam a gente comovido como o diabo. "

bjão, minha amiga.

Magna Santos disse...

Há uns 3 anos assisti a um documentário(não consegui descobrir o nome) pela metade, mas foi suficiente para me comover demais. Abordava os sentimentos, tropeços e dificuldades dos familiares nas visitas aos presidiários. Forte e lindo. Uma mãe, antes da visita, falando da falta que sentia e da própria incapacidade de sorrir, conversar como antes, cantar como antes, acabou cantarolando "o cravo e a rosa". Pense num negócio lindo, Arsênio! Ela não conseguia cantar sem chorar...já viu o resultado para o "prato de papa" aqui...
Foi quando percebi que determinadas músicas infantis dizem mesmo muito de nós.
Beijão pra você, meu irmão. Você e seus presentes tão preciosos!
Magna