terça-feira, 17 de março de 2009

A AVE POESIA DE ASSARÉ

Pouca gente no cinema. Parece até que quase ninguém conhece Patativa do Assaré. Pena. Entre os poucos presentes, um clima de descontração marcou os minutos anteriores ao início do filme. Vai chegando mais gente. Observo um homem com casaco na mão, senta no outro extremo das poltronas. O documentário começa com cenas de despedida a Patativa no auge dos seus 93 anos de idade.
Daí por diante é só alimento. Rever o poeta falando, assistir a imagens do seu cotidiano...tão familiar. Passou outro filme na minha cabeça. Sem dúvida, aquela visita a Patativa em 2001 foi uma das melhores coisas que poderia ter feito. Nunca fui chegada a tietagens, nunca tive ídolos e continuo sem tê-los. Porém, em uma das viagens a Brejo Santo, situada a pouco mais de cem quilômetros de Assaré, um dos amigos questionou como nunca havíamos conhecido o poeta. De fato, só teríamos a ganhar, pois sempre o admiramos.

Após a paisagem exuberante do Araripe, cheguei a Assaré ainda manhã, acompanhada de parentes e alguns amigos. Carregávamos filmadora, máquina fotográfica, livros e uma porção de expectativas. As perguntas? Ficamos quase mudos. Nem precisava falar diante da eloquência do camponês poeta. Ele com seu cigarro, resistiu aos argumentos do meu primo médico com a poesia em punhos, quase fazendo o doutor acreditar que o fumo faria bem e não mal, como todos sabemos. Saí da visita com fama de exploradora de idosos, pois me foi difícil largar Patativa. Para quem nunca tinha tietado, aprendi rapidinho. Como deve sofrer um ídolo! Fiz ele autografar livros, tiramos fotos, abracei-o, e por fim, me declarei: "ah, Patativa, acho que fiquei viciada no senhor, no próximo ano virei aqui novamente". Ao que ele respondeu com um sorriso e com a informação: "sou rico de amigos. A amizade é uma verdadeira riqueza". Saí quase puxada, mas me despedi. No ano seguinte, não pude cumprir a promessa. Morria o poeta social.

E ali, naquela sala de cinema, eu o revia com toda sua peculiaridade de ser humano: simples, trabalhador, socialista, bem-humorado, cidadão. Um documentário como poucos: com verdades pinçadas da fala de dicção particular, além dos dizeres de muitos admiradores, entrevistadores e estudiosos brasileiros e franceses. Sim, para quem não sabe, o poeta Patativa foi tese de doutorado, objeto de pesquisa, pela genialidade e naturalidade das suas palavras.

Todas essas informações são fáceis de adquirir em qualquer busca no google, porém a delicadeza do documentário estava no seu pano de fundo. A poesia é fato, o cidadão politizado também, mas o Patativa homem? O Antônio Gonçalves da Silva? As imagens nos trouxeram o agricultor, pai de família, marido de Belinha, paciente bem-humorado a rir-se do próprio perigo de perder uma perna, cidadão de Assaré que amava as crianças.

Um trabalho de ourives, talvez, de garimpeiro também. Não basta ter o metal pronto, é necessário colhê-lo. E, ao que vimos, Rosemberg Cariry e sua equipe fizeram isto muito bem, transformando a película não apenas em um filme sobre a vida de alguém, mas numa jóia preciosa, num verdadeiro poema a Patativa do Assaré. Este sim escrevia como um passarinho.

Vivemos vários sentimentos ao longo da exibição: tristeza, gratidão, indignação, alegria, admiração, enfim, emoção genuína. Tudo de modo gradativo, explodindo, no final, na declaração a sua amada Belinha e na sua compreensão do que é felicidade.

Fomos os últimos a sair da sala de projeção, juntamente com o homem do casaco, agora agasalhado e aquecido no coração, ao menos, foi isso o que senti ao ver os seus olhos vermelhos. Saímos, sem dúvida, mais leves. Digamos, embelezados. Com mais vontade de lutar por um mundo melhor. Um mundo onde as armas sejam feitas de poesia, onde agricultores, doutores, jornalistas, leitores possam chorar e sorrir juntos, sem tanta disparidade; onde as patativas tenham lugar ao sol, à sombra. Um mundo onde possamos sair do cinema nos sentindo irmãos, o que, de fato, somos. Com olhos molhados e de sorriso no rosto.


Magna Santos

* A publicação da foto foi gentilmente autorizada por Pachelly Jamacaru, autor desta imagem poética(http://fotografiacariri.blogspot.com/).

4 comentários:

Luna Freire disse...

Magna,
onde está passando o documentário. Qual o título? Fiquei interessadíssima!!! Também sou fã de Patativa do Assaré e de quase todos os nossos cantadores e poetas de cordel. (Minha tese de mestrado foi sobre a literatura de cordel, e virou o livro "Encruzilhadas: encontros e oposições nos cordéis de Manoel Pereira Sobrinho"). Um abraço, e obrigada por me visitar sempre...

Pachelly Jamacaru disse...

Taí, mais um belo depoimento fervoroso e apaixonado, poético então!
Abraços
Pachelly

Hérlon Fernandes disse...

Cara Magna,
seu texto é de uma poesia palpável... Lembrei-me também de quando o conheci, tinha quatorze anos, fomos em excursão do colégio... E ele era exatamente toda essa verdade singela que você tão bem soube descrever. Patativa é nossa semente mais cariri, ele parece ter herdado a seiva do nosso pé-de-serra!

Anônimo disse...

Cara Comadre. foi bom de mais ter ido aquela manhã à casa de Patativa. Oito anos depois passei por lá quando ia para vaquejada de Antonina do Norte. Parei em frente aquela casa, num raiar de dia e me veio aquela visita. Graça a Deus que eu pude conhecer o meu idolo matuto, simple, sábio, rápido nas suas respostas e sereno no seu olhar. Quanto esquecimento, se tem uma coisa que eu invejo o pernambucano é o poder de enaltecer e imortalizar os seus ilustres artistas.
Halano