O menino queria fugir. Preparou a bolsa com seus pertences favoritos, ou diria, seu tesouro: um pião, 10 bolas de gude, 5 chicletes, o último gibi. A mãe assistia a tudo em meio a cálculos de contas a vencer em poucos dias. No entanto, observando a movimentação do pequeno, deixou de lado calculadora, papéis e preocupações financeiras; eles podiam esperar.
_ Queres ir aonde, Serginho?
_ Para longe.
_ Onde? insistiu
_ Naquele lugar que é depois daquela curva.
_ Pois bem, meu filho, mas você está esquecendo duas coisas.
_ O que, mãe?
_ Primeiro nossa foto. Não se pode ir embora sem fotos. Depois, precisa lanchar para seguir viagem.
O menino concordou sem demora. Escalou a primeira prateleira da estante e retirou a foto: ele, o pai, a mãe e dindin, seu cachorro. Depois olhou-a demoradamente, guardou na mochila e sentou-se à mesa, esperando algo para comer.
A mãe fez um ritual inusitado na cozinha: ligou o som em uma música bem divertida, buscou apetrechos e começou a rebolar manipulando os ingredientes. O menino também assistia a tudo, tentando apenas observar, mas aos poucos começou a batucar com os dedos. Dindin parecia entender tudo, com seu rabo ministrando euforia. A mãe, ao som da batucada, ía cada vez mais misturando: sabor e ritmo, enquanto o filho mesclava som, sorriso, fome e alegria em porções generosas.
Fartaram-se ao pôr do sol até que Serginho pareceu lembrar-se de algo. Guardou as bolas de gude e o pião. Nada mais de chicletes, ele e a mãe mascaram todos. De mãos dadas com ela, seguiu para o quarto a fim de escutar o gibi antes de dormir.
A fuga? Ah, ela poderia esperar para depois...e de novo.
Magna Santos
10 comentários:
Ninguém resiste ao amor de mãe.
Engraçado como esse menino tinha a cara do meu irmão mais novo, na cena da minha imaginação. Não que ele tenha tentado fugir, algum dia. Vai entender!
Beijos, linda!
Ah a mãe !!!
Lindo texto adorei !!!
Grande beijo.
Como fugir e deixar o maior tesouro em casa? Mães são anjos que Deus nos outorga a graça de viver entre nós por um inesquecível tempo!
Lindo texto, como de costume!
Abraços.
Que boa surpresa você ter aperecido, Magna, e de quebra me apresentado as "sementeiras". Foi bom saber da quase fuga do Serginho.
Abraço!
A atitude da mãe foi sábia ante o surto, comum, da idade.Belo e articulado texto.
Seria bom se sempre fosse assim, compreensão e amor. O que muitos 'Serginhos' têm dss mães ao saberem de sua intenção de fugir de casa, são as frases "Deixa teu pai saber disso" ou "Tá precisando é duma surra". Infelizmente, muitas mães não sabem contornar as situações adversas que se apresentam, adotando o comportamento padrão da sociedade. Que, por enquanto, ainda está se pautando pela violência e intolerância. _Beijos.
Quando criança a idéia de fugir me agradava muito.
Mas tive uma idéia melhor, eu criei um mundo particular em meu próprio quarto...
Beijos meus.
Que lindo! Delicado, profundo. Parabéns! Gostei muito! =D
Pra onde se foge, do que se foge, pra que se foge, foge não, não foge, quando fugir e, em muitas ocasiões a fuga em si, para dentro de si e dos seus... É o encontrar-se no fugaz das fugas... Semear fugas é colher-se, no devido tempo!
Pachelly J.
Pimba! Muito bom. Bendito encontro, a partir de tua visita ao "inscritos" passo a conhecer essa pródiga sementeira. Parabéns pelo texto e pelo blog"
ps: És uma leitora atenta também. Teus comentários lá no blog...
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