terça-feira, 13 de julho de 2010

DESPERTA-DOR

As águas me levaram junto com as telhas, portas, janelas, paredes da minha casa. Nem parece que passei anos para construir o que tenho, tinha. Restou o despertador maluco a me avisar da hora veloz. Acabou tudo num instante, o instante do aperreio, do desespero, das crianças desamparadas, perdidas, dos velhos sem resistência para nadar, para subir nos lugares mais altos. Uma avalanche de água inundou nosso mundo. Falam que a tv mostrou tudo. Duvido. Não havia ninguém aqui, além de nós. Pensei em falar, mas novamente o despertador tocou na hora do choro, fazendo-me lembrar do muito por fazer. Por onde começar? Como?

Minha mulher já não tem o mesmo olhar de antes, minha filha descoberta chora, quando acorda em meio a cacos e adormece ainda procurando a boneca Soninha, levada pela enxurrada. À noite, a escuridão é pior, o frio também. Velas chegam nos caminhões. Escrevem-se neles 'rapidão cometa' para nos acalmar.

Entre lama e pedras, restos de tudo. Sobrou nosso olhar, nosso silêncio.


Vítimas se avolumam em abrigos improvisados. Pernambuco e Alagoas sofrem com a destruição nas últimas enchentes. Quem tem a oportunidade de passar pelas cidades sofridas, fala que os jornais não são capazes de transmitir a dor das pessoas. Olhos perdidos é o que mais se vê. Fica aqui os acessos à Defesa Civil de Pernambuco e mais sobre Alagoas. Neles há muita informação, inclusive, as contas bancárias para doações seguras, no caso dos que estão distantes.


Magna Santos

9 comentários:

Pachelly Jamacaru disse...

Parece ser um depoimento!

Se não, existe uma fidelidade de quem parece ter vivido! Porque pra vivencia a dor crônica dos outros no realismo de uma crônica assim, só pessoas de extrema sensibilidade humana-humaniária!

Estou com seu fone! E, quando souber de mais uma vinda sua aqui ao Brejo, serei eu quem farei a ligação, porque estou em débito!

Fica com um grande abraço

Pachelly Jamacaru disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana Montenegro disse...

Lindo Magna,
Sensibilidade a flor da pele... ou da lama!
Bjs

Beta Martins disse...

A nós humanos cabe partilhar também a dor!
Beijos Magna
Beta

Silvia Góes disse...

um beijo no coração...

Anônimo disse...

muito triste a realidade com a qual nos deparamos.....

Cynthia

Dois Rios disse...

Querida Magna,

As vítimas não têm voz, ou seja, o sofrimento delas não soma audiência. É por isso que pouco ou quase nada sabemos das suas angústias e dos seus desesperos. Dirão os menos sensíveis, "resta-lhes a vida". E eu cá comigo penso, será que o simples ato de respirar basta, meu Deus? E os sonhos, os anseios, o lar, a esperança, as fotos da família, os entes que se foram? Isso também não é vida?
Belo texto e bela iniciativa, minha querida! Havemos mesmo de botar as mãos na massa. Afinal, é de gente que estamos falando. De sentimentos, de perdas e de desilusão. É de vida que estamos falando! Vida Severina, mas vida!

Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta.
João Cabral de Melo Neto


Beijo,
Inês

Clenes Calafange disse...

Magna,

Muito bonita a forma como você trouxe a dor do outro, mas ela nem por isso deixa de ser dor. Sabemos que tudo tem um propósito, mas não é por isso que ficaremos de mãos atadas. Precisamos sim é ajudar àqueles que precisam. Um beijo enorme!

Dois Rios disse...

Magna,

Se você quiser, mande o seu e-mail para vivikar@gmail.com que eu te envio o texto de Antônio Bivar na voz da Bethânia. É muito mais do que aquele prequeno fragmento que eu postei no blog.É simplesmente Bethânia dando voz à alma.

Obrigada pelas suas sempre acolhedoras palavras.

Beijo,
Inês