Pai, corre, vem ver que legal, parece de verdade. Parece a última brincadeira que fizemos lá na areazinha de trás. Vem, pai, vem ver. Estou até lembrando de como montamos a cidade, colocamos os barquinhos, os carros, até aquela lancha que você gosta. Arrumamos os prédios, enfeitamos árvores e brincamos o dia inteiro de cidade. Lembra, pai?
Você trouxe os aviõezinhos que o primo Teco não queria mais. Fizemos até um aeroporto. Eita, como foi bom, não foi, pai? Fizemos tudo com ruas, avenidas, sinais. Deu um trabalhão danado, não foi, pai? E o senhor dizia: "Você vai ver o resultado, filho. Poderemos criar e bolar qualquer coisa!"
E foi mesmo, pai, bolamos o dia todo. Até mamãe ficou zangada, porque dei trabalho pra tomar banho e almoçar. E o senhor dizia a ela: "estamos brincando de ser grandes, querida".
Pai? Pai? O que foi, pai?
Você não acha que parece quando terminamos a brincadeira, jogando aqueles dois baldes cheios de água em cima? Não lembra que saiu arrastando tudo?
É, mamãe chamou o senhor de louco, mas a gente estava apenas se divertindo e depois limpamos tudo, não foi, pai?
Pai?
O que foi, pai?
Por que o senhor está assim?
Por que está chorando?
Quer que eu desligue a tv?
Isso aí não é de verdade, pai.
...
É?
Que Deus abençoe e fortaleça todos os nossos irmãos japoneses.
Magna Santos
Você trouxe os aviõezinhos que o primo Teco não queria mais. Fizemos até um aeroporto. Eita, como foi bom, não foi, pai? Fizemos tudo com ruas, avenidas, sinais. Deu um trabalhão danado, não foi, pai? E o senhor dizia: "Você vai ver o resultado, filho. Poderemos criar e bolar qualquer coisa!"
E foi mesmo, pai, bolamos o dia todo. Até mamãe ficou zangada, porque dei trabalho pra tomar banho e almoçar. E o senhor dizia a ela: "estamos brincando de ser grandes, querida".
Pai? Pai? O que foi, pai?
Você não acha que parece quando terminamos a brincadeira, jogando aqueles dois baldes cheios de água em cima? Não lembra que saiu arrastando tudo?
É, mamãe chamou o senhor de louco, mas a gente estava apenas se divertindo e depois limpamos tudo, não foi, pai?
Pai?
O que foi, pai?
Por que o senhor está assim?
Por que está chorando?
Quer que eu desligue a tv?
Isso aí não é de verdade, pai.
...
É?
Que Deus abençoe e fortaleça todos os nossos irmãos japoneses.
Magna Santos
7 comentários:
Muito comovedor o que aconteceu aos nossos irmãos. Parece brincadeira de boneco...parece maquete ou algo assim. Sinceramente eu me imaginei lá e imaginei o desespero que eles sentiram. Rezemos.
Minha querida amiga,
Tenho evitado olhar as contínuas cenas trágicas qe ocorrem no Japão.
Deparo-me, então, com esse dorido e coloquialmente dramático poema-prosa.
Imagens valem mil palavras, diz o clichê. Mas não bate um belo poema, digo eu. Seja em prosa ou ao estilo tradicional.
Theodor Adorno, num rasgo de justiça e desesperança (compreende-se), escreveu, após o holocausto: “Não é possível mais fazer poesia depois de Auschwitz”.
O próprio filósofo depois corrigiu-se, ao dizer que talvez
isso fosse falso diante de outra questão menos cultural, e mais arraigada à objetividade: se é possível continuar vivendo depois de escapar de um assassinato em massa (a sua própria experiência de intelectual meio judeu que foge do nazismo, exilando-se em outro
país é um fato), desmistifica a ideia de nao ser possível tecer a Poesia ou concebê-la após acontecimentos trágicos e arrasadores.
Maiakoviski disse de si mesmo (e com toda razão) : " Comigo, a anatomia enlouqueceu: sou todo coração".
Assim também te vejo, minha amiga Magna. Com o coração onipresente, perfeito, imperfeito, luzidio, mas sobredutdo carregado de poesia, boa-fé e humanidade.
Que DEUS proteja o Japão e a ti.
A todos nós.
Borboleta, eu nem sei direito dizer como me senti, não sei dizer assim de modo objetivo. Um misto de susto, de descrença("isto está acontecendo de verdade?") e um aperto no coração...enfim, talvez o silêncio do pai aqui me expresse melhor.
Ah, Arsênio, o que seria de nós se não fossem as palavras, a poesia, a possiblidade de tentar concatenar as letras de modo mais humano? Como já disse outras vezes(e nem sou eu apenas que digo), a palavra é salvadora. Interessante que é até bíblico: "no princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus". Por outro ângulo, os psicanalistas e psicólogos acreditam também: a palavra cura. Assim, não nos resta outra saída: falemos e, sim, oremos muito.
Obrigada, amigos!
Beijão!
Magna
Magna
Nem A dor e o sofrimento conseguem arrancar a aura de serenidade do povo Japonês.Deus esteja com nossos irmãos de olhos puxadinhos.
Ps:Dora esta passando alguns dias aqui
Bjão
Beta
Ele com certeza está, Beta. E que Ele também te ouça, que a serenidade prevaleça.
Beijão!
Dá também um beijo em Dora.
Magna
Terrível tudo o que aconteceu com os nossos irmãos japoneses, ainda bem que, a calma , a meditação ajuda bastante no trabalho de reconstrução.
PAZ para todos nós e que saibamos reconstruir, se necessário, nossas vidas diante de uma catástrofe(metal ou material)Bjs,
Magna,
Você conseguiu a proeza de captar neste sensível e comovente texto, o sentimento de incredulidade que se instalou em todos nós diante de cenas tão absurdas que mais pareciam uma brincadeira de pai e filho. Pena que não foi. Pena que não é.
Beijo,
Inês
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