terça-feira, 15 de março de 2011

PAI?

Pai, corre, vem ver que legal, parece de verdade. Parece a última brincadeira que fizemos lá na areazinha de trás. Vem, pai, vem ver. Estou até lembrando de como montamos a cidade, colocamos os barquinhos, os carros, até aquela lancha que você gosta. Arrumamos os prédios, enfeitamos árvores e brincamos o dia inteiro de cidade. Lembra, pai?

Você trouxe os aviõezinhos que o primo Teco não queria mais. Fizemos até um aeroporto. Eita, como foi bom, não foi, pai? Fizemos tudo com ruas, avenidas, sinais. Deu um trabalhão danado, não foi, pai? E o senhor dizia: "Você vai ver o resultado, filho. Poderemos criar e bolar qualquer coisa!"

E foi mesmo, pai, bolamos o dia todo. Até mamãe ficou zangada, porque dei trabalho pra tomar banho e almoçar. E o senhor dizia a ela: "estamos brincando de ser grandes, querida".

Pai? Pai? O que foi, pai?

Você não acha que parece quando terminamos a brincadeira, jogando aqueles dois baldes cheios de água em cima? Não lembra que saiu arrastando tudo?

É, mamãe chamou o senhor de louco, mas a gente estava apenas se divertindo e depois limpamos tudo, não foi, pai?

Pai?
O que foi, pai?
Por que o senhor está assim?
Por que está chorando?
Quer que eu desligue a tv?
Isso aí não é de verdade, pai.

...
É?


Que Deus abençoe e fortaleça todos os nossos irmãos japoneses.

Magna Santos

7 comentários:

Clenes Calafange disse...

Muito comovedor o que aconteceu aos nossos irmãos. Parece brincadeira de boneco...parece maquete ou algo assim. Sinceramente eu me imaginei lá e imaginei o desespero que eles sentiram. Rezemos.

Arsenio disse...

Minha querida amiga,

Tenho evitado olhar as contínuas cenas trágicas qe ocorrem no Japão.

Deparo-me, então, com esse dorido e coloquialmente dramático poema-prosa.

Imagens valem mil palavras, diz o clichê. Mas não bate um belo poema, digo eu. Seja em prosa ou ao estilo tradicional.

Theodor Adorno, num rasgo de justiça e desesperança (compreende-se), escreveu, após o holocausto: “Não é possível mais fazer poesia depois de Auschwitz”.

O próprio filósofo depois corrigiu-se, ao dizer que talvez
isso fosse falso diante de outra questão menos cultural, e mais arraigada à objetividade: se é possível continuar vivendo depois de escapar de um assassinato em massa (a sua própria experiência de intelectual meio judeu que foge do nazismo, exilando-se em outro
país é um fato), desmistifica a ideia de nao ser possível tecer a Poesia ou concebê-la após acontecimentos trágicos e arrasadores.

Maiakoviski disse de si mesmo (e com toda razão) : " Comigo, a anatomia enlouqueceu: sou todo coração".

Assim também te vejo, minha amiga Magna. Com o coração onipresente, perfeito, imperfeito, luzidio, mas sobredutdo carregado de poesia, boa-fé e humanidade.

Que DEUS proteja o Japão e a ti.
A todos nós.

Magna Santos disse...

Borboleta, eu nem sei direito dizer como me senti, não sei dizer assim de modo objetivo. Um misto de susto, de descrença("isto está acontecendo de verdade?") e um aperto no coração...enfim, talvez o silêncio do pai aqui me expresse melhor.

Ah, Arsênio, o que seria de nós se não fossem as palavras, a poesia, a possiblidade de tentar concatenar as letras de modo mais humano? Como já disse outras vezes(e nem sou eu apenas que digo), a palavra é salvadora. Interessante que é até bíblico: "no princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus". Por outro ângulo, os psicanalistas e psicólogos acreditam também: a palavra cura. Assim, não nos resta outra saída: falemos e, sim, oremos muito.

Obrigada, amigos!
Beijão!
Magna

Beta Martins disse...

Magna
Nem A dor e o sofrimento conseguem arrancar a aura de serenidade do povo Japonês.Deus esteja com nossos irmãos de olhos puxadinhos.
Ps:Dora esta passando alguns dias aqui
Bjão
Beta

Magna Santos disse...

Ele com certeza está, Beta. E que Ele também te ouça, que a serenidade prevaleça.
Beijão!
Dá também um beijo em Dora.
Magna

Anônimo disse...

Terrível tudo o que aconteceu com os nossos irmãos japoneses, ainda bem que, a calma , a meditação ajuda bastante no trabalho de reconstrução.
PAZ para todos nós e que saibamos reconstruir, se necessário, nossas vidas diante de uma catástrofe(metal ou material)Bjs,

Dois Rios disse...

Magna,

Você conseguiu a proeza de captar neste sensível e comovente texto, o sentimento de incredulidade que se instalou em todos nós diante de cenas tão absurdas que mais pareciam uma brincadeira de pai e filho. Pena que não foi. Pena que não é.

Beijo,
Inês